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Bitonga Blues: Com o Presidente Guebuza na Ponta Vermelha, outra vez *

É preciso repetir que tenho pelo actual Presidente moçambicano muito respeito, sou cidadão deste país, fui educado para respeitar os símbolos, e o senhor Armando Guebuza não deixa a menor dúvida de que representa, neste momento, o Estado, embora não sendo ele o Estado. Desta vez não será o “boss” a chamar-me, eu é que solicitei a audiência através de uma ligação telefónica que fiz directamente para o seu celular conectado a um satélite internacional, e o encontro teve lugar no sábado passado, na Ponta Vermelha, onde mora no seio do fausto em si.

Naquele dia tinha todo o tempo para mim, não me perguntou antes sobre o motivo da minha preocupação, já nos conhecemos, ele é meu fã, ou seja, tornei-me uma espécie de um pedaço de toda a luz que o Presidente Guebuza precisa para dirigir um país que abruptamente pode mudar de direcção. Abruptamente não, pois os últimos desenvolvimentos políticos indicam que o rastilho está aceso e um dos actores que pode evitar a explosão da dinamite é ele mesmo.

Fui vestido de ganga, como o fiz da primeira vez, ele também envergava um fato de treino, como da primeira vez que estivemos ali, no mesmo espaço, Guebuza bebendo água mineral importada da Rússia e eu sorvendo cerveja da marca super bock, servida pela sua excelentíssima esposa, num ambiente de família. A manhã é calma e o sol espreita por entre as árvores bem cuidadas, que se erguem, altivas, da terra estrumada. A relva, natural, parece um tapete sintético e tudo aquilo, testemunhado por um palácio que parece ter sido construído hoje, com delicadeza, exala prosperidade.

Depois de transpor a cancela, sem ser revistado, transportado numa viatura da marca Pajero de grande cilindragem, em cujo volante ia um homem de meia-idade, carrancudo, atarracado, que não falou comigo desde que me foi buscar em frente à redacção do jornal @Verdade, voltei a sentir que aquele não é um lugar qualquer.

Quando desci, ordenado pelo condutor, vi dois pavões com espectacular plumagem passeando no paraíso onde desfruta da vida o cidadão Armando Guebuza, privilegiado hoje com o testemunho de Presidente da República, num dos cantos divisei uma figura vestida de branco com bandeja de prata na mão esquerda e toalha alva na direita, indicandome a mesa para onde me devia dirigir, ao mesmo tempo que os dois pavões grasnavam para me assustar e, desta vez, até fiquei com medo, não obstante ser eu quem tinha a arma de arremesso, e não o Presidente Guebuza, como da outra vez, que tinha sido ele a mandar-me chamar.

Lá vem ele, sem guarda-costas por perto, parece caminhar na mó debaixo, a impressão é de que o chefe de Estado está sem chão, o sorriso é frágil, olha para os lados como se estivesse com medo de alguém, receando provavelmente a sua própria sombra, pior do que isso, não sabe porque lhe fui procurar. Levantei-me cumprimentando-lhe respeitosamente. A mão do Presidente treme, parece uma criança à minha frente, mas eu estou diante de um chefe de Estado, inteiro.

– Então, Bitonga Blues, como vai?

– Assim, assim, senhor Presidente.

– Vai um whisky para espantar o frio?

– Não, senhor Presidente, prefiro uma água.

– Eu sei que gostas de cerveja, fica à vontade, vais beber uma super bock, como da outra vez.

Na verdade, o que eu queria era mesmo uma cerveja, para apanhar uma “paulada” e enfrentar, com as ideias aclaradas, uma figura daquele porte. Estamos sentados frente a frente, o Presidente não está à vontade, ainda não bebeu nenhum gole do conteúdo que está à sua frente, brinca nervosamente com o anel que lhe une à senhora Maria da Luz, tirando-o e recolocando-o no dedo do compromisso, cruza várias vezes as pernas, olhando constantemente para trás e para os lados, os pavões voltam a grasnar, rompendo um silêncio absoluto que habita aquele lugar cobiçado.

– Senhor Presidente, vim aqui como cidadão, informalmente, aproveitando o facto de o senhor ser meu fã.

– Faz o favor, Bitonga, estás em tua casa.

Fartei-me de rir quando o meu anfitrião me disse que ali eu estava em casa. Nunca será verdade que ali seja minha casa, nem minha, nem do próprio Armando Guebuza. Mas cá estamos nós, frente a frente, homem para homem, daquele lado o “boss” com o poder da política e das armas e do dinheiro, e deste estou eu, com o poder da palavra, que é mais forte que as lavas de todos os vulcões vomitando fogo ao mesmo tempo.

– Senhor Presidente, sabe que tem, numa das suas mãos, a pólvora e, na outra, o unguento?

O Presidente Guebuza ao ouvir de mim esta observação voltou a cruzar as pernas, nervosamente, chutou, sem querer, no tampo da mesa, de vidro e o copo de cristal, onde lhe era servido o whisky, quebrou-se. O líquido dourado jorrou na sua própria direcção, molhando-lhe as coxas por sobre as calças de fato de treino da marca Nike, e eu mantive a minha super bock na mão direita, sem me mexer.

– Desculpa, Bitonga Blues, vamos marcar o encontro para outro dia.

Levantou-se, estendeu-me a mão direita, trémula, virou as costas e regressou para os luxuosos aposentos da Ponta Vermelha.

*Texto fictício

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