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Cidadão baleado por não ter bilhete de identidade

Um elemento da Polícia Comunitária, identificado pelo nome de António Macuácua, de 54 anos de idade, arrancou uma arma de fogo a um colega da Polícia de Protecção e atirou, propositadamente, por volta das 21 horas do dia 01 de Junho em curso, contra um jovem de 33 anos de idade, no bairro da Zona Verde, no município da Matola. A vítima, que estava na companhia de três amigos, vindos de uma festa, chama-se Simião Cumbane e foi baleado no pé direito, alegadamente porque não trazia consigo o bilhete de identidade.

A Polícia Comunitária, criada em 2000, com o intuito de responder à ineficiência dos serviços da Polícia da República de Moçambique (PRM), que por falta de recursos não consegue garantir o patrulhamento dos subúrbios dos grandes centros urbanos do país, bem como das comunidades, sobretudo onde a criminalidade tira o sono à população, foi sempre malvista devido aos desmandos que tem vindo a cometer, algo que se deve, em parte, à falta de formação profissional dos seus membros e à irresponsabilidade da PRM à qual está subordinada.

Essa força policial encarregue de velar pela manutenção das normas de convivência social nos bairros tem sido contestada por causa do abuso de poder a que recorre para intervir em alguns problemas na via pública. A nossa Reportagem tomou conhecimento do caso de Simão através de uma denúncia feita por um citadino também da Zona Verde e contactou a família Cumbane para perceber as circunstâncias em que o jovem foi alvejado a tiro. Apurámos que António Macuácua se fazia acompanhar por dois polícias de protecção e a arma foi arrancada de um deles.

O baleado contou-nos que naquela noite de 01 Junho, ele e os amigos foram interpelados por dois agentes da PRM numa altura em que estavam a passar por um grupo de jovens que se encontrava a fazer barulho, tendo sido confundidos com aqueles.

A Polícia exigiu que os cidadãos que acabava de mandar parar se identificassem, mas nenhum deles tinha um documento de identificação. Esta situação, aliada a de uma suposta perturbação da tranquilidade pública provocada por ruído, não agradou aos elementos da Lei e Ordem que entenderam isso como uma “afronta, provocação e falta de respeito”.

Nesse contexto, enquanto a corporação ameaçava algemar os indivíduos, de repente, Macuácua, que reside no mesmo bairro, arrancou a arma de fogo de um dos colegas e disparou directamente contra o pé de Simão. O pior não aconteceu porque o instrumento estava só tinha uma munição. O atirador tentou ainda apoderar-se da arma do outro colega mas foi impedido, o que gerou uma confusão que resultou em dois tiros casuais para o ar.

Entretanto, apesar do ferimento, o jovem foi algemado com a finalidade de ser levado para a 7ª esquadra da PRM no bairro de T3, incluindo os amigos, porque se desconfiava de que se tratava de indivíduos de má-fé que estariam a preparar alguma desordem ou assaltos algures na Zona Verde.

A vítima afirmou que o agente da Polícia Comunitária que a feriu no pé estava embriagado, trazia consigo uma garrafa de bebida alcoólica chamada “Tentação” e parecia estar psicologicamente alterado, uma vez que o que falava não fazia nenhum sentido. “No memento em que o polícia me baleou não senti nenhuma dor, mas, passados alguns minutos, não consegui mexer a perna, que sangrava muito, e fiquei estatelado no chão”.

A Liga Moçambicana dos Direitos Humanos (LDH) tem dito que “alguns agentes da Polícia Comunitária aproveitam-se dos poderes que lhes foram conferidos para resolverem problemas particulares ou pessoais”. O nosso interlocutor narrou que Macuácua, aparentemente fora de si, depois do primeiro disparo tirou duas munições de algum lugar e carregou novamente a mesma arma com que o feriu. “O objectivo era de atirar outra vez, apesar de que eu já estava no chão e imobilizado. Perdi os sentidos e não vi mais nada”.

A família Cumbane recebeu a má notícia e correu para o local do incidente, onde encontrou Simião inanimado e a perder muito sangue. A Polícia, ao invés de socorrer o jovem levando-o para um hospital mais próximo, ficou de braços cruzados como se nada estivesse a acontecer, disse o tio da vítima que se identificou pelo nome de Ricardo, para quem a corporação respondeu a um pedido de ajuda com as seguintes palavras: “Não temos transporte”.

Volvidos alguns minutos, um carro da Polícia de Protecção fez-se ao local do incidente mas já era tarde porque o baleado tinha sido transportado, num táxi, para o Hospital Geral José Macamo, onde recebeu os primeiros socorros e mais tarde foi transferido para o Hospital Central de Maputo, de acordo com Celeste, tia de Simião. Refira-se que o jovem vive maritalmente, é pai de três crianças e vive de biscates. Contudo, neste momento, está impedido de fazê-los para continuar a garantir a sobrevivência da sua família.

A Polícia não se responsabiliza

Um relatório da LDH sobre as torturas, tratamentos degradantes e execuções sumárias indica que a Polícia Comunitária recebe da PRM armas de fogo para o exercício das suas funções, mas em caso de algum incidente envolvendo o uso dos referidos instrumentos, a corporação não se responsabiliza pelos danos causados alegando que se trata de áreas diferentes. No caso de Simão, a Polícia diz a mesma coisa, a responsabilidade é de Macuácua. Porém, os parentes do jovem querem que a justiça seja feita e o atirador penalizado, sobretudo por causa dos danos que poderão ficar para toda a vida do seu parente.

Macuácua está detido

O comandante da 7ª esquadra da PRM, no bairro de T3, asseverou à nossa Reportagem que o indivíduo que disparou premeditadamente contra um cidadão inocente está preso e foi aberto um processo-crime. O agente da Lei e Ordem que estava na posse da arma arrancada pelo prevaricador foi igualmente punido com um processo disciplinar enquanto decorre a investigação, mas, caso haja provas de que tenha sido cúmplice da acção, será sancionado.

O que diz a lei sobre o porte e uso ilegal de armas de fogo

O número um da Lei 7/2011 de 01 Março de 2012, no artigo 373 (sobre as ofensas corporais voluntárias de que resulta doença ou impossibilidade para o trabalho), defende que “se a enfermidade ou impedimento de trabalho não durar mais de 10 dias, a pena a ser aplicada será de até seis meses e multa até um mês”. O número dois prevê que “se a doença ou impossibilidade de trabalho se prolongar por mais de dez dias, sem exceder a vinte, ou produzir deformidade pouco notável, a prisão será de até um ano e multa até dois meses”.

O número quatro do mesmo dispositivo sustenta que “se a doença ou impossibilidade de trabalho se prolongar por mais de trinta dias, será aplicada contra o actor material (do crime) uma pena de prisão nunca inferior a dezoito meses, e multa nunca inferior a um ano”. O número cinco do mesmo acrescenta que “se da ofensa resultar cortamento, privação, aleijão ou inabilitação de algum membro ou órgão do corpo, será aplicada uma pena de prisão maior de dois a oito anos”.

A Lei a que nos referimos dá conta ainda de que nos casos previstos no número um (do artigo 373) “só haverá lugar a procedimento judicial mediante participação do ofendido, excepto se as ofensas corporais puserem em perigo a vida do ofendido ou forem cometidas com armas proibidas, armas de fogo ou outros meios gravemente perigosos”.

O jurista moçambicano, José Caldeira, explicou ao @Verdade que a responsabilidade dos danos causados contra Simião é do autor material e não da Polícia de Protecção, uma vez que a Polícia Comunitária não tem permissão para usar armas de fogo no seu trabalho de patrulhamento nos bairros. Por isso, Macuácua poderá responder a um processo-crime indiciado de uso ilegal do instrumento com o qual feriu o jovem, bem como ser responsabilizado pelos danos causados à vítima.

Segundo Caldeira, se as investigações provarem o envolvimento do polícia cuja arma foi arrancada e a sua negligência na conservação do equipamento também pode ser sancionado criminalmente.

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