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Chuva mata e desaloja em Nampula

Chuva mata e desaloja em Nampula

Uma criança de cinco anos de idade, que em vida respondia pelo nome de Penade André, morreu vítima de desabamento da parede de uma casa onde se encontrava a dormir no bairro de Natikiri, a 08 de Novembro em curso, na cidade de Nampula, em consequência de enxurradas resultantes de chuvas torrenciais, que também fizeram com que cerca de cinco centenas de famílias ficassem sem abrigo.

 

 

É primeira vez que chove com intensidade este ano, o que apanhou de surpresa centenas de cidadãos. Os progenitores do menor disseram que o finado estava mergulhado num sono profundo na companhia do seu primo. Na altura ninguém desconfiou do perigo que as paredes da casa representavam depois de ficarem molhadas pela chuva, que só depois de cerca de dois dias é que desabaram.

Entretanto, os responsáveis do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) a nível da província de Nampula afirmam que nesta parcela do país as chuvas ainda não fizeram vítimas humanas, o que significa que este incidente pode não ter chegado ao seu conhecimento ou está a ser omitido. Numa ronda efectuada pelo @Verdade por alguns bairros da capital provincial, foi possível constatar que as vítimas, na sua maioria, habitavam em casas construídas com base em material precário, o que faz com que as infra-estruturas sejam vulneráveis às calamidades naturais, sobretudo, as chuvas.

A precipitação intensa, acompanhada de ventos e trovoadas, tem fustigado a província de Nampula todos os anos e provoca danos humanos e materiais avultados, particularmente nos bairros suburbanos. Na cidade de Nampula, destacam-se os bairros de Murrapaniua, Mutauanha, Namicopo, Napipine e Natikiri como os mais afectados. Nessas zonas residenciais parte das infra-estruturas sociais ficou parcialmente destruída. Por exemplo, alguns postes de energia eléctrica desabaram, deixando sem iluminação muitas famílias.

As autoridades governamentais afirmam não ter nenhum registo de mortes devido à situação, estando, neste momento, em curso um plano de coordenação entre o Conselho Municipal da Cidade de Nampula e o INGC no sentido de estes canalizarem os seus apoios de emergência aos afectados, cujo número continua no segredo dos deuses. Entretanto, o apoio não irá tirar as famílias do sofrimento, porque elas deverão continuar vulneráveis devido às precárias condições de saneamento das zonas em que se encontram.

Segundo soubemos, há uma quantidade não especificada de material de construção como rolos de plástico, estacas, bambus, entres outros, para ser utilizado na reconstrução das habitações que foram reduzidas a escombros pelas chuvas torrenciais. A edilidade, de acordo com o chefe do gabinete do presidente do Conselho Municipal, Faizal Ibramugy, criou vários grupos a nível das comunidades localizadas nos postos administrativos municipais com vista a fazer o levantamento e apurar o número real das casas destruídas e de famílias na condição de necessitadas. A iniciativa vai permitir a canalização dos donativos.

Famílias ao relento

Eduarda Fernando, de 26 anos de idade, é residente no bairro de Namicopo, Unidade Comunal de Namiepe. As paredes da sua casa erguida com base em matope não resistiram quando a chuva da noite de 06 de Novembro caiu torrencialmente. Foram cerca de oito horas sem interrupção.

“Não consegui dormir. Passei a noite a tirar água suja com bacia para fora como forma de evitar o alagamento do chão”, disse. O tecto da moradia não conseguiu proteger as paredes contra os pingos, tendo desabado. A nossa interlocutora contou que a sua filha de apenas dois anos escapou à morte quando uma das paredes do quarto desabou. Eduarda é natural do distrito de Eráti-Namapa e na cidade de Nampula diz que não tem nenhum parente.

Os seus vizinhos, explicou, também estão preocupados com a situação das suas residências, o que lhes impossibilita de apoiar a cidadã, divorciada, que se encontra a cuidar de uma menor. A venda de sal no mercado da zona do “Semáforo” não lhe rende o suficiente para ter uma casa erguida com base em material convencional. O terreno no qual vive foi-lhe deixado pelo antigo esposo. A história da jovem não é um caso singular. Existem pessoas cujas casas desabaram em consequência da chuva e que estão a passar pelas mesmas dificuldades. O pior é que não dispõem de recursos financeiros para fazer face a intervenções pontuais.

A situação deixa apreensiva a população de outros bairros da cidade de Nampula, que teme o pior. Algumas pessoas acreditam que as enxurradas ainda irão causar danos, pois estas têm sido acompanhadas de ventos fortes. Os proprietários das casas cobertas com chapas de zinco também se sentem ameaçados. Eliseu Ernesto, de 22 anos de idade, é morador da Unidade Comunal de Marien Nguabi, bairro de Namutequeliua. A sua casa é construída com base em matope e a cobertura é de chapas de zinco. O tecto da residência ficou completamente destruído pelo vento que se fez sentir aquando da chuva torrencial no passado dia 06 de Novembro.

O seu agregado familiar, de cerca de cinco pessoas, encontra-se dividido. Três pessoas foram acolhidas numa casa de um vizinho e outras duas continuam a partilhar o mesmo espaço, embora sem cobertura. Eliseu Ernesto, um comerciante ambulante, está a juntar dinheiro resultante da sua actividade diária para repor o tecto. A Unidade Comunal Marien Nguabi, sobretudo nas redondezas da represa de “Demo”, é uma zona vulnerável a inundações e consequente desabamento de milhares de casas em todas as épocas chuvosas. Porém, as pessoas continuam a desafiar a natureza, construindo as suas habitações em locais de risco.

O mais grave é que as lideranças locais não sensibilizam as famílias no sentido de as comunidades abandonarem as regiões que são constantemente afectadas pelas chuvas para zonas seguras. António Chibotho, de 44 anos de idade, é natural de Eráti-Namapa. Anualmente sofre devido à água que serpenteia de algures para a sua casa. Quando chove, sobretudo de noite, é um autêntico martírio. As águas inundam e destroem infra-estruturas e todas as pessoas são obrigadas a ficar de pé até amanhecer.

A venda de carvão é a única actividade que constitui fonte de renda para o agregado, mas nos dias em que a temperatura não permite que se realize tal negócio várias famílias não têm o que comer. Quando se aproxima o período das chuvas a vida de muita gente de baixa renda torna-se difícil. As atenções no que diz respeito às despesas quotidianas ficam centradas nos materiais de construção para a reparação da casa em caso de eventuais danos provocados pelas chuvas. Em declarações ao @Verdade o nosso interlocutor disse que não pode abandonar aquele local porque nas outras zonas os terrenos são vendidos a preços elevados.

O espectro do drama de todos os anos

Nestas e noutras zonas, em 2013, pelo menos cinco mil pessoas foram afectadas pelas chuvas que se fazem sentir nos últimos dias na cidade de Nampula. Deste número, três mil cidadãos perderam quase todos os seus bens e encontravam-se a viver em condições bastante deploráveis e que deterioram a cada ano que passa. Neste fim de 2014 o drama poderá repetir-se. Em 2015, também. Mas espera-se que a situação não seja catastrófica, sobretudo porque o Governo melhorou o “plano de contingência”. A expectativa é que tanto as autoridades como a população tinham tirado ilações a partir das situações desastrosas anteriores.

A previsão climática sazonal para Moçambique indica a probabilidade de ocorrência de chuvas normais, com tendência para abaixo do normal na província de Cabo Delgado e leste do Niassa, bem como “chuvas normais para grande parte das províncias de Niassa, Nampula, Zambézia, norte de Tete e sul de Maputo”, segundo o plano de contingência.

O documento a que nos referimos diz ainda que haverá “chuvas normais, com tendência para acima do normal no sul de Tete, para toda a extensão das províncias de Manica, Sofala, Inhambane, Gaza e norte de Maputo, entre Outubro, Novembro e Dezembro de 2014”. Para Janeiro, Fevereiro e Março de 2015, há uma maior probabilidade de ocorrência de chuvas normais, com tendência para acima do normal em toda a zona sul e centro do país, grande parte da província de Niassa, oeste de Nampula e nordeste de Cabo Delgado; chuvas normais a leste de Niassa, centro a sul de Cabo Delgado e centro a leste de Nampula.

Assim sendo, cada pessoa deve estar preparada para abandonar as zonas de perigo porque se sabe que todos os anos, Murrapaniua, Mutauanha, Namicopo, Napipine e Natikiri, por exemplo, para além de famílias afectadas, regiões isoladas umas das outras devido à destruição de algumas vias de acesso e pontes que asseguram a livre circulação de pessoas, bens e viaturas, algumas pessoas perdem os seus domicílios e na pior das hipóteses podem até morrer, principalmente as que se encontram nas zona baixas ou cujo lençol freático está muito próximo da superfície.

As bacias hidrográficas voltarão a transbordar

As autoridades que interpretam os fenómenos atmosféricos e as suas leis, com vista à previsão do tempo, e as que lidam com a gestação das calamidades naturais alertam para a possibilidade de ocorrência de cheias nas bacias hidrográficas, “principalmente nas de Incomáti, Búzi, Púnguè, Licungo, Megaruma, Montepuez, Messalo e Rovuma”. “Por outro, espera-se que ocorram situações de inundações nalguns aglomerados populacionais, como vilas e cidades. Nalguns pontos das zonas sul e norte do país poderão ocorrer situações de stress hídrico, principalmente nas províncias de Gaza, Inhambane e Tete”.

O plano de contingência

Em virtude de Moçambique ser um país que é afectado ciclicamente por ciclones, cheias, secas, epidemias e sismos, o Governo divulgou recentemente um plano de contingência que contempla acções e medidas estratégicas multissectoriais de prevenção, gestão e resposta a serem realizadas antes, durante e depois destes fenómenos de Outubro de 2014 a Março de 2015. Para o efeito, foram destinados 992 milhões de meticais, dos quais o Governo inscreveu no Orçamento do Estado para 2015 um total de 186 milhões de meticais para a operacionalização do programa em alusão.

Os fundos alocados, segundo o Executivo, deverão priorizar quatro componentes para minimizar o sofrimento das populações, designadamente: (i) monitoria e emissão de avisos prévios; (ii) pré-posicionamento de bens (materiais, humanos e financeiros) para a resposta à situação; (iii) operações de busca e salvamento e (iv) busca, salvamento e assistência humanitária nas primeiras 72 horas, rápida reconstrução pós-emergência e monitoria e avaliação.

A implementação do plano de contingência envolve o Conselho Coordenador de Gestão de Calamidades (CCGC), Conselho Técnico de Gestão de Calamidades (CTGC), Centro Nacional Operativo de Emergência (CENOE), Unidade Nacional de Protecção Civil (UNAPROC), Centros Operativos de Emergência (COE) provinciais e distritais e Comités Locais de Gestão de Risco de Calamidades (CLGRC), com o envolvimento dos parceiros de cooperação e da sociedade civil.

Milhares de pessoas vão ficar afectadas

Face à antevisão de chuva e enxurradas acima referidos, prevê-se que a população em risco na presente época chuvosa seja afectada por uma situação designada “cenário mínimo”, que poderá afectar pelo menos 318 mil pessoas por efeitos combinados de ventos fortes, inundações nas cidades e vila, cheias de média magnitude e seca.

Numa outra fase, haverá um “cenário médio”, que associa os fenómenos do “cenário mínimo” à ocorrência de cheias de magnitude alta e ciclones de categoria III, elevando, desta forma, para cerca de 520 mil indivíduos em risco. O “cenário alto” faz incrementar para cerca de 934 mil as pessoas em risco e foi projectado tendo em conta que ao “cenário médio” se poderá acrescer a ocorrência de ciclones de categoria superior a III. Neste contexto, em Nampula, já foram identificados 1209 salas de aulas, 253 casas de culto e 139 armazéns a fim de que sejam transformados em possíveis abrigos temporários.

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