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Toma que te dou: Chove em Inhambane

Nesse dia lembrei-me do filme de Helvio Soto, “Chove em Santiago” (IlPleutsur Santiago). Uma história sobre o golpe militar no Chile de 11 de Setembro de 1973. É um retrato da preparação do momento do golpe, quando o Governo de Salvador Allende, sem apoios na área militar, foi derrubado. Allende saíra vitorioso nas eleições presidenciais de 1970 e a Unidade Popular assumira o Governo. Mas não o poder, pois o aparelho de Estado, a organização burocrático-militar, manteve-se em mãos traidoras.

Chove sobre a cidade de Inhambane e eu não posso sair de casa. Da maneira como as águas do céu são derramadas, é impossível defender-me delas com o guarda-chuva e eu não tenho outra alternativa senão esperar que toda aquela dádiva, que se pode transformar, mesmo assim, em sacrifício de vidas, passe.

Vou passeando na varanda da minha casa, com as mãos nos bolsos, sentindo a determinação com que a chuva cai sobre as chapas metálicas de zinco. E exulto. Descem sobre mim várias lembranças belas, relacionadas com este fenómeno natural, como o dia em que aquela mulher bonita, chamada Chifunde, me acolheu no seu sombreiro, na cidade de Tete, onde chovia lentamente em harmonia com as sublimes trovoadas que saíam das pedras agrestes. E que vituperam toda a natureza nos dias de canícula.

Chove forte, e o som que se produz no telhado desta casa pequena que me dá abrigo todos os dias parece-se com a enxurrada dos sopros rebeldes da banda premonitória de Fela Kuti. Por vezes dá-me a sensação de que estou escutando um rock pesado provido do imortal Jimi Hendrix. Mas também, e sobretudo, toda aquela água que cai em torrentes produz, na minha alma, a mais recente música do conservatório dos anjos.

Chove que chove, e eu continuo passeando na varanda da minha casa com as mãos nos bolsos, rendido ao espectáculo que Deus me dá. De graça. Imagino os professores deitados por sobre os tambos das suas secretárias sem poderem dar a aula porque o som que vem da cobertura é insuperável. Não há voz capaz de suplantar aquelas metáforas. Mesmo os meninos, alegres por não terem que aturar o docente, estão em silêncio. Parecem passarinhos amedrontados. Os professores que começaram por estar na porta vendo a chuva a cair, voltaram e deitaram-se sem qualquer repreensão, nem dos alunos, nem do director da escola. Fazer o quê? “A chuva não nos deixa falar”.

Chove mais ainda e o primeiro turno que termina às 10.30 já está no fim. Exactamente a hora em que Deus decide fechar as comportas. E tudo aquilo que parecia o prenúncio de um desastre vacilou. Parecia o desvanecer do perigo. Do próprio perigo, porque a chuva tem essa capacidade – gerar desastres e tragédias.

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