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Chove em Conacri*

Dir-me-ão os leitores que estou obcecado: por três vezes, neste espaço, falei da Guiné Conacri. Se na primeira a mensagem não era de grande esperança – falava do cinquentenário da independência e da esperança que tinha esmorecido num estertor semelhante ao que atravessava o presidente do país, Lansana Conté, entretanto falecido – já a segunda era de grande expectativa gerada pela subida ao poder de alguém que dizia pretender acabar com a corrupção, com o nepotismo, com o compadrio, com o despotismo e com o “deixa-andar” que o regime de Conté havia institucionalizado. Esse alguém era um jovem capitão de 44 anos que, embora de um modo ingénuo, naif e até pueril, prometia devolver a dignidade aos guineenses, prometia promover eleições livres em 2010 – assegurava que nunca se canditaria à presidência, que estava ali para servir o povo – e prometia, sobretudo, como colorário lógico destas medidas, trazer coisas que os guineenses nunca tinham conhecido: a democracia, a estabilidade e o progresso social e material. Devo confessar que no início o meu entusiasmo foi grande.

Ao ouvi-lo, e ouvi-o várias vezes, ficara com a ideia de que a prática poderia fi nalmente ir ao encontro das palavras, apesar destas, por vezes, serem um pouco grosseiras e rudes, nomeadamente contra os corruptos – “os que comeram à conta do Estado vão vomitar”, “vamos auditar o país”, “não haverá perdão para os culpados, não importa quem seja”, etc. – parecia que estávamos diante de alguém impoluto, puro, digno. Camara dizia também que o dinheiro e o poder nunca lhe haviam interessado e que odiava corruptos e vendidos. A imagem que dava era essa: trabalhava até altas horas da noite na sua tenda de campanha totalmente desprovida de luxos no campo de Diallo.

Camara renegociou também os principais contratos com as companhias mineiras estrangeiras, assegurando para o Estado guineense contrapartidas superiores ao que estava ajustado. Parecia estar apostado em passar por cima de tudo a bem da nação. Mas, definitivamente, está visto e provado que o poder corrompe. E, pouco a pouco, Camara, qual Adão no paraíso, deixou-se cair na tentação do fruto apetecido e hoje já ninguém tem dúvidas em relação à sua candidatura ao mais alto cargo da nação. Foi para se manifestarem contra isso que os guineenses protestaram na passada segunda-feira e do seu protesto, da sua revolta, “nasceram” 157 cadáveres dentro e em volta do Estádio 28 de Setembro, barbaramente assassinados à queima-roupa numa prepotência semelhante à de Pinochet em Setembro de 1973, no Chile, encarcerando os opositores no Estádio Nacional para mais facilmente os fuzilar.

Camara diz que não deu ordens aos militares mas custa a acreditar que alguém com o seu temperamento não controle os seus homens. Várias vozes já asseguram que o povo não irá desistir até desencorajar o capitão da corrida presidencial. Quantos mais terão de morrer?

*”Chove em Santiago” é o nome de um filme que retrata o golpe de Estado de Augusto Pinochet, no Chile, em Setembro de 1973, tendo deposto o governo democraticamente eleito de Salvador Allende. Nota: Por cá, antes de ontem, depois de muito barulho e muita polémica, o Conselho Constitucional veio dar razão à CNE no caso do impedimento parcial ou total de certos partidos concorrerem às eleições legislativas do próximo dia 28 de Outubro. Depois de tantas falhas de parte a parte não teria fi cado mal ao árbitro entrar na lei da compensação, permitindo que todos os partidos pudessem apresentar-se ao pleito. A democracia moçambicana é que sofreu um revés, saindo da contenda ainda mais fragilizada.

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