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“Chamanculo não é o centro da criminalidade e da prostituição”

O director-geral da Associação Comunitária para o Desenvolvimento do Chamanculo, Amândio Fondo, recusa a ideia de que aquele bairro é um dos que albergam criminosos e locais de proveniência de trabalhadoras do sexo na cidade de Maputo. Em conversa com o @Verdade, Fondo também questiona o facto de muitas organizações da sociedade civil sobreviverem graças ao apoio de países ou instituições estrangeiros. Para ele, não se justifica que não sejamos capazes de resolver os nossos próprios problemas. Em relação ao projecto de requalificação do bairro do Chamanculo, concebido pelo Conselho Municipal de Maputo, embora acredite no mesmo, diz que “a comunidade quer coisas concretas, está cansada de promessas e de participar em inquéritos e reuniões. O mandato do actual Conselho Municipal já está no fim, só faltam alguns meses”.

@Verdade: O que é a ASSCODECHA?

Amândio Fondo: A ASSCODECHA, que significa Associação Comunitária para o Desenvolvimento do Chamanculo, é uma organização que elabora e executa projectos de desenvolvimento comunitário e opera nos bairros periféricos da cidade de Maputo, em particular no de Chamanculo”C” desde 2001. Os principais beneficiários são as famílias carentes e vulneráveis. Prestamos forte apoio à inserção escolar das crianças órfãs e vulneráveis, alfabetização e educação de adultos, ao abastecimento de água, à educação sanitária, ao registo de menores, à prevenção e combate ao VIH/SIDA, às actividades desportivas e culturais, palestras e sensibilização da comunidade.

@V: Qual é a sua missão?

AF: É promover o desenvolvimento comunitário através de acções que visam melhorar as condições de vida das famílias carentes, favorecendo o exercício da democracia, solidariedade local e mobilização de recursos privados e públicos.

@V: Quais foram os objectivos que nortearam a sua criação?

AF Os seus fundadores tinham como objectivo resolver os problemas da população do bairro de Chamanculo, tais como o analfabetismo, cuja taxa é alta no seio das mulheres, o desemprego, entre outras.

@V: Terá dito que a associação foi criada para resolver os problemas da zona do Chamanculo. A que problemas se refere?

AF: Refiro-me à existência de famílias (inúmeras) sem latrinas melhoradas, de jovens desempregados e, pior, sem nenhuma formação profissional, sendo que alguns “entregaram-se” ao álcool e às drogas. Há casos de senhoras que não sabem ler nem escrever. Tínhamos o registo de (algumas) raparigas que se dedicavam à prostituição. Não havia serviços de reprografia em Chamanculo. Portanto, estes constituem apenas uma parte dos problemas com que o nosso bairro se debatia.

@V: E como é que são resolvidos esses problemas?

AF: Através de cursos de alfabetização no nosso centro e nos mercados Fajardo e 7 de Abril. Neste momento temos 420 alunos. Há jovens desempregados e sem formação profissional. Neste caso, o que a associação faz é financiar cursos de formação profissional, intervindo nos processos de estágios nas empresas.

Porque há pessoas sem condições financeiras, quando custeamos a sua formação, atribuímos também bolsas ou subsídios de transporte durante o tempo em que o beneficiário frequenta o curso e o estágio. Temos também o reforço escolar para crianças que estejam a registar um mau aproveitamento pedagógico; há menores que estão na quinta ou sétima classe mas que não sabem escrever.

Na área de saneamento, construímos blocos sanitários para a comunidade do Chamanculo, oferecendo material de limpeza. Ainda em relação às crianças, anualmente oferecemos apoio em material escolar a mais de 200 petizes e fazemos o acompanhamento do seu desempenho pedagógico.

A nossa associação não só se limita a criticar os nossos governantes por isto mais aquilo. Ela pretende fazer e é parte da solução dos problemas. Por exemplo, no que diz respeito aos Sete Milhões, nós também financiamos actividades de geração de rendimento e não cobramos juros por isso. A pessoa leva o valor e devolve-o quando puder.

@V: Em que áreas trabalham?

AF: As nossas actividades estão ligadas às áreas de saneamento, alfabetização, formação profissional, educação e advocacia e promoção da cidadania.

@V: Para além destas, a associação desenvolve outras actividades?

AF: Sim, desenvolvemos também actividades lúdicas como teatro, dança, artes plásticas, e fazemos inquéritos nas escolas para aferir o nível de consumo de álcool e drogas no seio da camada estudantil e levamos a cabo campanhas de sensibilização na área da saúde sexual e reprodutiva.

@V: E sentem que o vosso trabalho está a resultar?

AF: Sim, sem dúvida. Estamos a alcançar os objectivos traçados aquando da fundação da associação. Só no ano passado financiámos cursos de formação profissional a 62 jovens. Destes, 36 tiveram estágio e 17 já estão a trabalhar. Outros optaram pelo auto-emprego. No que diz respeito às latrinas melhoradas, construímos um bloco sanitário que está a beneficiar nove famílias.

Ou seja, eram 44 pessoas que não tinham uma casa de banho. Faziam necessidades maiores em plásticos. Os pais já não ficam desesperados quando os filhos têm um fraco aproveitamento pedagógico porque podem aproximar-se de nós e terem aulas de reforço escolar. Havia senhoras que não sabiam ler nem escrever.

Hoje, algumas estão a frequentar o ensino superior. As crianças e os jovens que estão aqui a praticar a dança, a fazer teatro, a pintar, já não estão propensos ao mundo das drogas, do álcool ou da prostituição. Temos aulas de corte e costura, cabeleireiro, culinária, informática, entre outros. Isto tudo contribui para a ocupação e formação dos nossos jovens.

@V: Como é que é feita a identificação dos beneficiários das vossas acções?

AF: A identificação é feita de várias formas, mas damos prioridade a pessoas carentes e vulneráveis. Por exemplo, quando pretendemos oferecer material escolar a crianças, trabalhamos em coordenação com a Direcção Distrital de Educação, que nos fornece a lista de petizes vulneráveis e que realmente necessitam de apoio.

No caso dos jovens que pretendem que a associação financie os cursos de formação profissional, fazemos visitas domiciliárias para ver se realmente eles precisam ou não do nosso apoio. Trabalhamos com as estruturas do bairro, e não de uma forma isolada. Há casos em que custeamos o curso mas não atribuímos o subsídio de transporte, dependendo da situação de cada um.

@V: A quantas pessoas a associação está a prestar assistência?

AF: Neste momento temos 420 pessoas a frequentar o curso de alfabetização, 62 a fazer cursos de formação profissional, 200 crianças a receber apoio escolar e 100 inseridas no projecto reforço escolar. Portanto, estamos a falar de mais de 750 beneficiários das nossas acções.

@V: Terão tido dificuldades após a criação da associação?

AF: Sim, tivemos problemas, não tínhamos recursos nem para tirar cópias, efectuar chamadas telefónicas, entre outras coisas. Só tínhamos as instalações.

@V: E em relação ao financiamento? Quais são fontes de financiamento da associação?

AF: Neste momento contamos com o financiamento do Fundo dos Negócios Estrangeiros da Finlândia, através de uma organização denominada Taksvarkk. Entretanto, entre os anos 2004 e 2010, a associação era financiada pelo Núcleo do Combate à SIDA da Cidade de Maputo e pela ESSOR, uma organização não governamental francesa.

@V: Essa é uma característica de muitas organizações?

AF: Não posso responder taxativamente, mas sim colocar uma questão: É justo não termos condições para resolver os nossos problemas? As associações são financiadas por países ou instituições estrangeiros. Até quadros de parede são-nos oferecidos.

@V: E como é que a associação paga aos seus colaboradores?

AF: Todo o pessoal que trabalha connosco é voluntário e experiente. Apenas a equipa técnica é que é paga.

@V: Chamanculo é tido como um dos bairros da cidade de Maputo com maiores índices de criminalidade e prostituição…

AF: Isso é uma falácia. Chamanculo não é só feito de aspectos negativos e é muito feio que algumas pessoas digam isso. Não estou a dizer que isso não aconteça, mas Chamanculo não é um caso isolado, há muitos bairros com problemas similares. É estranho que as pessoas falem da criminalidade e da prostituição e não mencionem o facto de muitas personalidades terem nascido ou crescido neste bairro.

Ninguém diz que Lurdes Mutola, o Presidente da República, Marcelino dos Santos, Filipe Samuel Magaia, Josina Machel nasceram ou passaram a sua infância e juventude aqui. Não é justo que se diga que Chamanculo é um bairro de delinquentes e prostitutas.

@V: A que se devem esses problemas?

AF: São o resultado do desenvolvimento. A questão do desenvolvimento tem duas vertentes: a negativa e a positiva. Mas, por outro lado, deve-se à inércia das nossas autoridades. Lamento o facto de os nossos governantes conhecerem os pontos de venda e de consumo de drogas mas não fazem nada. Limitam-se a olhar. Temos casos de locais de venda de bebidas alcoólicas a menores junto às escolas, há espaços públicos (campos, …) que estão a desaparecer.

@V: Os jovens delinquentes ou drogados têm pedido apoio à associação?

AF: Sim, mas há casos em que nós vamos atrás deles. É claro que há aqueles que não querem mudar, porém, nós não desistimos. Continuamos a sensibilizá-los no sentido de mudarem de vida.

@V: Há casos de sucesso?

AF: Há, sim. Já resgatámos um jovem que estava no mundo do crime e uma senhora que era discriminada pela família e pela comunidade por ser uma seropositiva. Hoje, por saberem que eles servem a nossa associação, ganharam o respeito das pessoas. Isso mostra que a associação serve para alguma coisa. Podemos reclamar a nossa contribuição na melhoria do nosso bairro.

Tínhamos jovens expostos ao mundo das drogas, da prostituição, que actualmente frequentam cursos de formação profissional para estarem preparados para o mercado do emprego. Os que concluíram, já estão a trabalhar, alguns conceberam projectos e criaram postos de trabalho para os outros.

@V: Fora a criminalidade e a prostituição, Chamanculo tem sérios problemas de saneamento. A associação está a par disso?

AF: Claro que está. Sempre que chove, há famílias que não dormem, há problemas de esgotos. A própria associação tem os mesmos problemas porque o esgoto que vai dar à drenagem localizada na zona da Toyota de Moçambique está entupida. Mas isto tudo pode ser resolvido. Não há problema sem solução.

@V: Mas existe um plano de requalificação que foi concebido pelo Conselho Municipal de Maputo…

AF: Existe mas só abrange o Chamanculo C, e não todo o bairro. É um projecto que vai trazer mudanças mas tal só acontecerá se for bem implementado, porque, caso não, terá sido em vão. A comunidade quer coisas concretas, está cansada de promessas e de participar em inquéritos e reuniões. O mandato do actual Conselho Municipal já está no fim, só faltam meses e nós, como associação, já não temos respostas para dar à comunidade.

@V: Reclama-se muito da degradação do campo de Cape Cape, que é o local onde os jovens podiam praticar actividades físicas e jogar futebol, ao invés de estarem envolvidos no mundo das drogas. Qual tem sido o vosso papel, como uma organização que pretende resolver os problemas do bairro?

AF: A gestão daquele recinto não é agradável. O campo está a degradar-se e a rede de vedação está a desaparecer aos poucos. A comissão que responde pelo campo tem feito um trabalho louvável, mas não tem recursos. Por isso, a culpa pelas actuais condições não pode ser imputada a ela.

@V: Em que consiste a advocacia e promoção da cidadania?

AF: Consiste na intermediação da relação entre as estruturas e a comunidade. Ou seja, levamos as preocupações das populações a quem pode resolvê-las, neste caso às autoridades competentes. Por exemplo, a maior parte das escolas do bairro de Chamanculo não tem sanitários, se existem estão em péssimas condições.

Os alunos sentam-se no chão, e nós já encaminhámos isso aos órgãos competentes, mas não se está a fazer nada. Não se sabe se os governantes estão a fazer vista grossa aos problemas das comunidades ou há quem está a mentir-lhes sobre a real situação das coisas.

@V: No ano passado foi lançado o projecto “Sustento e Participação Juvenil”. Qual é a sua duração e em que consiste?

AF: O projecto “Sustento e Participação Juvenil” tem a duração de três anos (2012-2014) e será implementado a nível do bairro de Chamanculo “A, B, C e D” e tem como grupo alvo crianças e jovens. O objectivo principal do projecto é contribuir para a melhoria da qualidade de vida das crianças e jovens vulneráveis do Bairro de Chamanculo, através de cursos de formação profissional, apoio educacional, capacitação sobre associativismo juvenil, VIH/ SIDA e drogas, saneamento do meio e advocacia.

@V: Quais são as metas?

AF: Promover o acesso à formação profissional, estágios e emprego a 200 jovens vulneráveis com idades entre 15 a 25 anos, durante os 3 anos; reforçar e facilitar o acesso ao ensino de crianças e jovens dos 10 a 19 anos de idade; melhorar o saneamento básico das famílias vulneráveis no bairro; e contribuir na melhoria da prestação de serviços públicos.

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