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Canto para as entranhas!

Nos dias que correm, a pretensa vontade de reinventar a música moçambicana – recorrendo a determinados ritmos e géneros tradicionais – é uma prática que tem desterrado certos jovens da tradição. Nesse repertório de acção e representação, “cantores” existem que (em resultado da obscenidade que há nas suas “composições”, além de confundir a sociedade) querem que os cidadãos acreditem que as suas “obras” são o que não são. A boa nova é que nem todos enveredam por esse trilho: Xixel Langa é um exemplo sublime. O problema é que em 10 anos de carreira, com um percurso meritório reconhecido, a artista não possui nenhum trabalho discográfico gravado. Que pena! Neste País – que se deixa tornar – do Pandza, os mecenas da cultura estão míopes…

As possibilidades de Xisseve Janett Hortêncio Langa – a mesma cantora que o estimado leitor conhece por Xixel – não fosse uma ecléctica intérprete musical e dançarina vibrante foram, desde a sua nascença, diminutas. Se ela não se tivesse tornado nisso, então, naquela família Langa, seria uma aberração. É que a família é essencialmente composta por artistas, a partir do próprio pai, Hortêncio Langa, o autor do lendário tema Alirhandzo. Os seus dois irmãos, Texito e Dário, são, respectivamente, baterista e guitarrista a ter em conta no cenário da música moçambicana. E assim a tribo Langa impôs-se entre nós.

Na juventude do seu pai, Hortêncio Langa – estamos a falar das décadas 60/70 do século passado – o mundo vivia um boom de produção musical. Foi nessa época em que se pontificaram célebres nomes da música mundial. A cidade de Lourenço Marques, actual Maputo, não estava imune àquelas transformações sociais. Foi o mesmo cenário que influenciou imenso o canto do artista de que se fundamenta uma cadeia de valores, em volta da boa música, que se estendeu à sua geração.

Não é obra do acaso que, nestes princípios do século XXI, visivelmente emocionada, Xixel Langa nos diga que “cresci numa família de músicos. Escutava-se muita música em casa”. Na verdade, a sua relação com a dança – explorada das suas tias maternas – foi ampliada nas diversões das raparigas da época, chamadas Xitchuketa, nas quais Xixel era sempre bem-sucedida.

É isso que presentemente lhe habilita a conciliar facilmente o canto com a dança. De qualquer forma, para justificar, a cantora prefere dizer que “os espíritos do canto e dança dos meus pais habitam em mim”. Xixel Langa começou a realizar concertos – ainda que de forma tímida – aos 12 anos, sobretudo em algumas casas de pasto. No entanto, foi aos 19 anos que inaugurou a sua relação profissional com a música.

É da arte de cantar que vive e pretende viver. Em 2004 participou no Top Feminino da Rádio Moçambique, certame em que ganhou o Prémio Revelação ao interpretar a música do artista Demócrito Manyssa, “U buya hi kwine”. No ano seguinte, no mesmo evento, voltou a ser laureada na categoria de Melhor Voz Feminina Moçambicana com a canção “Pfuka”, da sua autoria.

Algum tempo depois, a convite de Frank Paco, o líder dos Tucan Tucan, torna-se membro da referida colectividade artística baseada na África do Sul. Se o seu talento na música jogava a seu favor, as limitações linguísticas, sobretudo o domínio do inglês, foram as principais barreiras.

A maior diferença é que, na África do Sul, Xixel encontrou um ambiente humano favorável à sua inserção. “As pessoas preocupavam-se muito com a minha opinião em relação a um determinado assunto. Por isso, tive que fazer um esforço adicional para ganhar maior credibilidade no conjunto”, recorda-se.

Com os Tucan Tucan, na República da África do Sul, concretamente na Cidade de Cabo, Xixel permaneceu um período de cinco anos, durante os quais realizou vários concertos e participou nos mais mediatizados festivais internacionais de música Jazz realizados naquele país. Em jeito de recordação, Xixel Langa fala da sua experiência em Cabo: “Trata-se de uma banda muito enérgica. Fazíamos muito sucesso”.

Retornar à terra natal

Em 2011 Xixel Langa retorna a Moçambique, onde, a par de artistas como Cheny Wa Gune, o seu esposo, e o guitarrista Zoco Dimande, entre outros, criou a Kahora Bassa Project. Depois de uma série de concertos realizados nesse âmbito, Xixel gravou o tema “Tatana wa matilweni”.

Em Moçambique, Xixel é uma cantora sempre presente em diversos movimentos culturais locais, incluindo na célebre Banda TP50 que, essencialmente, explora a Bossa Nova. Será nesse contexto que se edifica um novo sonho na mente desta artista – realizar concertos na Terra do Samba. E não lhe faltam argumentos: “Moçambique e Brasil são dois países que possuem muitos aspectos em comum, a partir dos antepassados escravos”, considera.

Ano trigésimo

A caminho dos 30 anos de idade, a completar em Agosto próximo, em 2013, Xixel Langa também celebra o décimo aniversário da sua relação profissional com a música. Tratando-se de uma voz que quando canta não somente encanta, como permite que a sua música invada as nossas entranhas, conferindo maior sentido à existência humana, não se deve estranhar que alguns dos seus fãs ferrenhos estejam carentes do seu primeiro trabalho discográfico.

Para si, o Afro Jazz que canta pode ser uma forma de reinventar a música tradicional moçambicana. É isso que a identifica. Quanto à questão de reinventar e inovar a música, Xixel possui uma opinião peculiar. “Para inovar não precisamos de agredir a nossa tradição, muito menos esquecê-la”, diz.

Olhando para a sua carreira num eixo vertical, de baixo para cima, Xixel considera que uma tal concorrência excessivamente desenfreada – que se assiste entre os músicos nacionais – lhe abespinha. É que a realidade rouba no seio da classe os valores da unidade, uma vez que alguns artistas usam a música, essencialmente, para se tornarem afamados, ganharem dinheiro e reconhecimento no espaço social – o que até é bom – no entanto, contrasta com o tipo de mensagem que emitem para o efeito.

Afirma com mágoa que, presentemente, não se tem feito críticas sobre o conteúdo da música que se produz. “ Usa-se pouca poesia e, por vezes, palavras agressivas e ofensivas. Muitos cantores necessitam de uma educação musical no que tange à composição”.

Fazer música de verdade

Embora Xixel Langa reconheça a premência da instrumentalização da música no negócio do cantar – para os ditos fins lucrativos –, (muito em particular porque é essa relação profissional com a música que lhe garante o ganha-pão) esta cantora explica que essa não é a sua motivação na sua produção artística.

“Faço a música por amor à arte”. O que Xixel pretende elucidar é que a sua paixão pela música trespassa o simples cantar: “Fazer música é mais do que isso. É algo que envolve a minha alma, a natureza do ser humano, a sua espiritualidade. É algo muito profundo que se encontra nas minhas entranhas”.

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