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Kerygma: “Cantadas” para o Drive In Futebol Clube – por Cremildo Bahule

Não importa onde nasci, o importante é que estou vivo. Na minha pequena caminhada como um ser mortal, sempre me dei ao luxo de ser nómada. Não gosto de estar no mesmo lugar. Por conta das circunstâncias da vida (boas e más) e devido à minha característica nómada, já residi em várias regiões. Já morei em bairros históricos como, por exemplo, Mafalala, Inhagóia, Chamanculo e Minkadjwini.

Já vivi em bairros de gurgau como, por exemplo, Polana Cimento e Bairro do Jardim – o meu berço. Porém, Angoche é a minha cidade de eleição. É o lugar onde gostava de viver até eu finar como ser existencial. Aquela cidade costeira faz-me delirar. Por lá, sobretudo no bairro Inguri, há muita magia. Todavia, o meu nomadismo fez-me “desaguar” no Khongolote, onde actualmente habito num espaço cujas dimensões não importa revelar.

No Khongolote, conheci e conheço muita gente. Pessoas de várias etnias, raças e cores. No meu bairro há maziones, muçulmanos, católicos e aqueles que pregam Jesus com o tilintar do dízimo nos seus cofres. No meio da infinita diversidade, os homens daquele bairro redescobriram uma forma de estar cada vez mais próximos, uns dos outros.

Assim, fundaram um clube de veteranos de nome Drive In Futebol Clube. (O clube ostenta o nome «Drive In» porque os seus integrantes, embora vivam no Khongolote e no Intaka, estão perto da legendária placa com o mesmo topónimo. Este clube é composto por homens quarentões, cinquentões e alguns jovens que envelheceram por causa de algumas bebidas espirituosas cujo preço equivale ao da aquisição de três pães.

Primeiramente, este clube chamou-se Jibóias de Khongolote, mas porque estavam sempre a perder como os Mambas preferiram mudar de nome para Drive In Futebol Clube. Esta formação desportiva realiza jogos aos domingos de manhã com outros veteranos da cidade e província de Maputo. O bom desta equipa é que depois de uma partida bebem-se algumas geladinhas e come-se cabeça de vaca, de boi, de porco, de porca ou uma iguaria feita de galinhas que morreram de muzungos.

Para abrir a época 2014, o grupo fez um jogo com os veteranos do bairro da Urbanização e perdeu por um resultado hediondo que não importa revelar. Na verdade, este clube raramente ganha porque os seus jogadores, quando estão em campo, só pensam na cerveja e na cabeça de um quadrúpede que vão comer e não em marcar golos na baliza adversária. Outro motivo que faz a minha equipa perder é que alguns dos seus integrantes pensam de forma galáctica. Por exemplo, Rui pensa que joga como Eto’o, Kwambito acredita equipara-se a Gerrard, René diz ser Mukwapele.

Outros jogam futebol com os cornos cheios de babalaze e confundem a baliza com uma barraca. Nelsinho, Dalito, Diagonal, Pedó, Fidel, Filipe são alguns exemplos de jogadores desta estirpe. Alguns – Deco, Isidro, Charizade e Tchau – jogam como se fossem modelos do Mozambique Fashion Week. Os piores jogam com a boca porque estão sempre a falar, a falar, a falar mesmo quando o jogo termina: Garrido e Fabito (um homem que consegue escaramuçar com dez pessoas ao mesmo tempo).

Há dois jogadores engraçados no meu clube, John F., que quando tem a bola dança kwassa kwassa para desequilibrar o adversário, e Wala que leva meia hora para se equipar. Eu sou o único jogador que nunca entra em campo. Sou roupeiro. Proibiram-me de jogar porque sempre que entrava no campo caía no décimo minuto. Ah, como eu sou leve como a pluma de uma pomba.

Independentemente das adversidades e diferenças que o clube possui, a prática impele-me a aceitar que esta é uma das melhores formas que os vizinhos, deste bairro, encontraram para se divertirem enquanto zelam, de algum modo, pela saúde. Diz-se que o futebol é uma escola de amizade. De facto, graças ao futebol os integrantes do Drive In Futebol Clube conheceram ou fizeram novas amizades nos bairros onde este conjunto faz as suas partidas. Acredito que mais amizades ainda serão feitas, pois a cada domingo o clube recebe novos veteranos e faz jogos com outros jogadores antiquados.

Eu gosto desta equipa. Embora não seja veterano, aprecio a atitude de muitos anciãos que, nos bairros da cidade e província de Maputo, encontraram para se alegrar e conviver usando o futebol. Admiro esta forma de se dedicar ao desporto para fortalecer as relações humanas. Gosto, realmente, quando o futebol é para nos trazer alegrias num momento em que o país e as nossas vidas só pensam na guerra e noutras coisas que nos tiram a alegria de sermos moçambicanos. No entanto, não vou deixar de repudiar os comportamentos avessos à ideia inicial do clube. É triste quando alguns elementos do grupo, sobretudo os adolescentes, perdem o respeito aos mais “anosos”.

É muito mais desgostoso quando, de forma recorrente, um integrante do grupo insulta os outros e profere palavras como estas: «vocês são miseráveis … eu tenho mais bagaço que vocês e … posso dar um cheque a cada um dos integrantes do clube». Sim, falo de ti meu vizinho, amigo e camarada. Se realmente és rico, endinheirado, não precisas de vir insultar os pobres que te dão boleia para ires jogar futebol. Em alguns momentos, percebo-te meu irmão, mas não podes sair a disparar insultos contra todas as pessoas. Sei que és melhor que isso – pois já foste um jogador federado – e acredito que nas próximas partidas marcarás golaços.

Enfim, Drive In Futebol Clube é a segunda casa para todos nós. É a família que não tivemos quando jovens, pois, mais do que partilhar ideias e práticas sobre o futebol, comungamos as nossas visões acerca da vida, da amizade e do espírito de irmandade em todos os momentos bons e maus do bairro. Que a paz prevaleça no Drive In Futebol Clube. Viva o futebol, a grande escola de amizade.

 

Escrito por Cremildo Bahule

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