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Caçadores furtivos melhor equipados que fiscais

A fragilidade da fiscalização dos recursos naturais em Moçambique é tão grave que, em alguns casos, os caçadores furtivos estão melhor equipados que os fiscais. A situação é mais grave quando se trata de fiscais comunitários que, geralmente, não dispõem de meios eficazes de actuação contra os furtivos.

Na maioria dos casos, os agentes de fiscalização são membros da comunidade integrados nos comités de gestão de recursos naturais locais.

Falando, semana passada, em Massingir, província meridional de Gaza, durante a primeira conferência regional sul de maneio comunitário dos recursos naturais, o presidente da organização ambiental Kuwuka JDA, Camilo Nhacale, abordou a questão do maneio comunitário dos recursos naturais em algumas comunidades do sul do país.

“Os fiscais comunitários desistiram da actividade em Djabula porque os caçadores furtivos estão mais equipados, com melhores armas que os fiscais”, disse Nhacale, falando durante a apresentação de uma pesquisa sobre iniciativas de maneio comunitário no Sul do país.

Esta situação não só afecta a comunidade de Djabula, do distrito de Matutuine, província sulista de Maputo, uma vez que os fiscais comunitários e formais de outros pontos do país também se ressentem do mesmo problema.

Durante o evento, que foi organizado pelo Centro Terra Viva (CTV), Centro Ecuménico de Desenvolvimento Social (CEDES) e Rede de Associações e Cooperativas Agrárias (RADER), Abel Nhalidede, do Parque Nacional de Limpopo (PNL), disse que aquele local de conservação está enfrentar uma crise de munições.

“Quando o parque começou a funcionar, os Ministérios do Interior e da Defesa Nacional forneciam-nos munições, mas agora não temos esse apoio. Nós não temos condições para comprar esses meios”, disse Nhalidede, que é responsável pelo programa de reassentamento no PNL.

A crise de munições não só dificulta a resolução do conflito homem/animal, bem como exacerba o problema da vulnerabilidade dos fiscais do parque perante os caçadores furtivos.

Falta de incentivos

A falta de incentivos é outro problema que os fiscais comunitários enfrentam. Regra geral, este grupo de fiscais é indicado pelas comunidades e integra os comités comunitários de gestão de recursos naturais, sem nenhum vínculo contratual com o Governo ou com as autoridades dos parques.

Por isso, estes agentes não auferem um salário ou subsídio, uma vez que os órgãos em que estão inseridos carecem de fundos para o efeito.

Na sua apresentação sobre Iniciativa de Conservação Comunitária dos Recursos Florestais na Comunidade de Djabula (distrito de Matutuine), Camilo Nhacale disse que os fiscais comunitários deste ponto do país, localizado nas imediações da Reserva Especial de Maputo desistiram da sua actividade por falta de salários.

Este problema não é exclusivo de Djabula. Nhacale diz que o problema da percepção do conceito de fiscal comunitário também ocorre em Mahel, distrito de Magude, província do Maputo, onde estes profissionais desistiram da actividade reclamando o pagamento de salários.

Naturalmente que essas desistências agravam ainda mais o problema de caça furtiva. Na sua intervenção intitulada “Comunidades, conflitos e benefícios comunitários em áreas protegidas”, Abel Nhalidede defende que a caça furtiva lesa as comunidades.

“A caça furtiva comercial faz com que as comunidades directamente afectadas se sintam lesadas, pois percebem que são proibidas de usar os recursos quando outros beneficiam dos mesmos”, disse ele, acrescentando que esta situação “cria um sentimento de certa marginalização das comunidades”.

Contudo, apesar destes problemas, a simples presença de fiscais comunitários contribui para a melhoria a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais. Por exemplo, em Djabula os casos exploração do carvão vegetal por indivíduos provenientes de outros pontos do país reduziram devido a existência de comités locais de gestão de recursos naturais, órgãos responsáveis pelos fiscais comunitários.

Em Djabula, bem como em Mahel, a Direcção Nacional de Floresta e Fauna Bravia formou um grupo de fiscais comunitários, tendo também atribuído licenças, aos locais, para a exploração de carvão.

Assim, neste momento, apenas os locais, formados em gestão de recursos naturais, exploram o carvão naquelas comunidades, que depois vendem o produto aos comerciantes provenientes das grandes cidades, como Maputo e Matola.

Dilema de multar um pobre

Durante a conferência, a representante do Fundo Mundial para a Natureza (WWF) Moçambique, contou vários episódios ocorridos em Gorongosa, província central de Sofala, onde os infractores não conseguem pagar as multas por falta de condições para o efeito.

Segundo ela, os caçadores furtivos são membros da comunidade, sem meios para pagar as multas estipuladas por lei. “Os madeireiros, mesmo quando são detidos, depois desaparecem”, disse ela, acrescentando que “alguns infractores até são levados à Polícia, julgados e condenados, mas não têm capacidade para pagar as multas”.

Na sua opinião, essa pode ser uma das causas da desistência dos fiscais comunitários. Por lei, os fiscais que denunciam casos de exploração ilegal de recursos florestais e faunísticos deveriam receber 50 por cento dos valores das multas que são aplicadas aos infractores. Contudo, muitas vezes, “os fiscais detêm ou denunciam as infracções, mas nunca recebem os valores das multas”, explicou ela.

Na sua intervenção sobre esta matéria, a jurista Janete Assulai disse que seria ideal aplicar as leis costumeiras para colmatar esses casos de infractores sem capacidade para pagar multas. Ela recordou que a Constituição moçambicana permite a aplicação das leis costumeiras na resolução de conflitos, desde que essas não contrariem a lei-mãe.

“Devíamos aproveitar as leis costumeiras para pagar as penas e multas”, disse Assulai, acrescentando que “não há meios para pagar as multas, mas nem por isso o infractor tem de ficar impune”.

Provavelmente, a falta dessa capacidade financeira dos infractores e’ um dos factores determinantes para que os fiscais não se beneficiem dos 50 por cento do valor das multas aplicadas pelas transgressões por eles denunciados.

Perdemos por causa de humildade

Na sua abordagem legal sobre o maneio comunitário dos recursos naturais em Moçambique, a jurista Janete Assulai disse que os moçambicanos têm estado a perder os benefícios que lhes são conferidos por lei devido a falta de ousadia na defesa dos seus direitos.

Falando particularmente dos benefícios estabelecidos pela lei de terras, de recursos florestais e faunísticos, Assulai disse que a política nacional de maneio de recursos naturais destaca a necessidade de preservar os recursos e também garantir ganhos para as comunidades.

“Nós temos que nos lembrar que os recursos são nossos”, disse ela, falando a uma audiência constituída por representantes do governo provincial, organizações da sociedade civil, comunidades, entre outros.

“Nós não temos a ousadia de discutir os nossos direitos com o sector privado, por exemplo, e temos estado a perder muitos ganhos por causa da nossa humildade”, acrescentou ela.

Segundo Assulai a legislação moçambicana de terras, recursos florestais e faunísticos fortalece muito as comunidades e as coloca num lugar privilegiado no tocante a tomada de decisões sobre investimentos nestas áreas. Aliás, as leis estabelecem o modelo de auscultação das comunidades antes da atribuição de licenças a investidores.

Além disso, a legislação sobre os recursos florestais e faunísticos também estabelece a atribuição de 20 por cento das receitas da exploração dos destes recursos às comunidades ao redor e a alocação dos 50 por cento dos valores de multas aplicadas aos infractores aos denunciantes.

“Mas não sei se alguém terá recebido os 50 por cento de multa da apreensão ou denúncia…”, disse ela, questionando se “será que essa lei de floresta e fauna bravia está sendo explorada.

Apesar destes constrangimentos, Janete Assulai reconhece que a legislação moçambicana sobre a exploração dos recursos naturais é rica, apesar de ainda carecer de aprovação de decretos específicos, como por exemplo, no tocante a delegação de poderes às comunidades para a atribuição de certas licenças de exploração de recursos florestais.

“O Governo moçambicano reconheceu que a marginalização das comunidades locais penalizava muito”, disse ela, acrescentando que, geralmente, este grupo era excluído na gestão de recursos naturais a sua volta “e os resultados eram penosos”. “As comunidades não tinham nada a ver com os seus recursos”, sublinhou.

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