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Bitonga Blues – Prostituta

Bitonga Blues - Prostituta

Olhou para mim e observou-me de forma penetrante. Desdenhou-me com o olhar e, no fim, mandou-me sentar numa cadeira velha, de plástico, que em tempos foi de cor branca. Ela sentou-se na esteira, com as pernas atiradas para frente e as mãos por sobre os joelhos. Reparei que tinha os pés sujos e rachados, os seios estavam por demais sugados e caídos. Ou seja, assim como estavam, não podiam continuar a ser comercializados na “Rua do Pecado”, onde passou longas temporadas entregando o seu corpo a psicopatas e a criminosos de vária índole e também a homens honestos que iam para ali apenas com o intuito de experimentar outras sensações. Era uma mulher magra, olhar áspero, cabelos desgrenhados, dentes mais do que queimados pelo tabaco, que fumava agora de forma sofredora.

– O que é que o senhor quer?

– Sou jornalista.

– Eu perguntei: o que é que o senhor quer?

– Estou a fazer uma reportagem sobre a prostituição e a senhora é uma das pessoas que escolhi para entrevistar.

Ela sorriu amargamente. Olhou com profundidade para os meus olhos. Cuspiu no chão uma saliva espessa e puxou longamente o cigarro, engolindo o fumo que lhe queima os pulmões, para depois, com grande prazer, libertá-lo, impregnando o ar já poluído que respiramos todos os dias.

– Quem disse ao senhor que eu sou uma prostituta?

– Ninguém me disse.

– Como é que sabe?

– Eu conheço a senhora.

– Já dormiu comigo?

– Não, nunca.

Voltou a cuspir no chão de forma asquerosa, apagando depois a beata do seu cigarro na saliva espessa, criando-me náuseas. Encontrava-se sozinha em casa. A lareira estava apagada e não se viam vestígios de ter havido lume nas horas mais recentes. A cubata onde ela mora está a clamar por uma reparação, e os seus lábios denunciavam alguém que não tinha refeições regulares.

– Guarda algumas mágoas do seu tempo de trabalho?

– O senhor acha que aquilo é trabalho?

– A prostituição é a profissão mais antiga do mundo…

– Olha bem para mim, depois responda você mesmo, se guardo algumas mágoas desse tempo ou não. Tenho quarenta e cinco anos de idade e já não tenho vontade de dormir com homem. Aquilo que me fizeram feriu profundamente a minha carne e o meu espírito também. Eu era uma mulher bonita, nunca pensei que um dia poderia ficar velha, muito menos ficar velha tão cedo e, pior do que isso, velha e sem nada. Completamente desgraçada. Os homens abusaram de mim e eu entreguei-me a esses abusos. Agora sou uma ruína de mim própria. Sou uma carcaça de mim. Estou fossilizada. Chorei muito por isso e, agora, todas as lágrimas que tinha para chorar já acabaram. Só ficou o ódio.

– Ódio contra quem?

– Vá-se embora, por favor, vá-se embora, deixe-me em paz, vá-se embora.

Levantei-me e fui-me embora, escondendo as lágrimas que marejavam os meus olhos. E deixando para trás, na verdade, uma carcaça de carne e de espírito.

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