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Belmiro Adamugy: “A relação esforço benefício é muito desigual no Jornalismo”

Com pouco mais de 20 anos de carreira, o jornalista moçambicano, Belmiro Adamugy, travou uma relação umbilical com as artes – com enfoque para o teatro, a música e a literatura – até que por esse meio acabou por aportar na Imprensa. É lá onde encontra o buraco para a sua agulha. No entanto, as vicissitudes que experiment(a)ou na actividade, fazem com que a conceba como “uma forma de vida”. E não lhe faltam argumentos: “A relação esforço-benefício é muito desigual no Jornalismo”. Na conversa, também falou da sua experiência como artista…

Na cidade de Maputo, a história de grupos culturais como o Colectivo Gota de Lume (actual GTO), Tchova Xitaduma, Guinguirikani, Grupo Teatral da Associação Cultural Casa Velha, por exemplo, é quase impossível ser narrada sem se fazer menção ao nome de Belmiro Adamugy.

Durante a década de 1980/90, o jornalista relacionou-se com tais organizações não, necessariamente, como repórter mas como artista. Foi nesse contexto sociocultural que, a par da sua sensibilidade para o mundo das artes e letras, se moldou o percurso de uma figura que mais adiante se tornou um escriba a ter em conta no Jornalismo moçambicano.

Falando de alguns aspectos da sua vida que o conduziram ao que hoje é o seu ofício, Adamugy considera que “o Jornalismo sempre existiu em mim, antes de eu abraçá-lo como profissão”.

Projectos como a Revista Alvorada, da Associação Cultural Casa Velha, o folhetim Fogueira, do Clube Amigos Juvenil, o pasquim Thandy dirigido pelo poeta Jaime Santos, entre outras publicações culturais para as quais – em jeito de expressão de amor à literatura e às artes – Belmiro Adamugy trabalhou, moldando o seu sentido de jornalista cultural, são o seu principal argumento.

Em relação à prática do Jornalismo no país, comparações do que actualmente a profissão é – quando se toma em consideração os anos 1980/90 – podem ser feitas. No entanto, é inegável que um dos maiores ganhos que nos dias que correm se tem é a abundância de meios de trabalho, incluindo o clima do calar das armas vigente.

Seja como for, para Adamugy, são raros os jornalistas moçambicanos que (como ele) tiveram a oportunidade de trabalhar com célebres personalidades da cultura moçambicana como Maria Pinto de Sá, José Pinto de Sá, Machado da Graça, Leite Vasconcelos, e Ana Magaia. É aí que se encontra o seu privilégio.

Uma tal Geração 70

Depois de explorar os acontecimentos culturais da época e deixar-se debilitar pelo vírus de Jornalismo que existia no seu sangue – agravado pelos escritores com quem se relacionava – Belmiro Adamugy aventurou-se para a escrita jornalística, colaborando para o Jornal Domingo, da Sociedade Notícias, grupo do qual é quadro desde os princípios de 1990.

A par de personalidades como Celso Manguana e Luís Nhachote – que tinham em comum o facto de terem nascido ao longo de 1970 e apreciarem o mundo das artes e letras – Adamugy constituiu uma tal Geração 70. Facto importante é que a maior parte de tais jovens constitui o que, na actualidade, há de precioso no Jornalismo moçambicano.

Com uma participação activa, como artista e “estagiário-amante”, na azáfama da produção artístico-cultural dos anos oitenta e noventa, incluindo o facto de, por essa via, se ter tornado jornalista cultural no país, com uma experiência profissional de mais de duas décadas no sector, em Adamugy há uma personalidade para (e com quem se pode) discutir a situação das actividades culturais.

A sua experiência consolida a nossa percepção porque, de acordo com as palavras, “nessa época participei em inúmeras oficinas culturais ministradas em Maputo”.

À guisa de exemplo, “personalidades como Vorn, que era o supra-sumo de iluminação para o teatro e cinema português, e Henning Mankell é que dirigiam as aulas. Na mesma ocasião, participei em duas oficinas de teatro, uma orientada pela Soul City, outra pela SATI (Southern Africa Theatre Initiative), organização na qual acabei por me filiar”.

O resultado das formações em que Adamugy participou é o facto de que a sua percepção em relação às manifestações artísticas melhorou substancialmente, ao mesmo tempo que se aventurou para outras áreas de actividade como, por exemplo, a produção de espectáculos de teatro e de música.

Experiências únicas

Perante Adamugy, chegámos a ansiar perceber, afinal de contas, o que significava – naquela época – fazer Jornalismo sob o ponto de vista de dificuldades, ameaças e desafios. Sobre o tópico, o repórter não se refere a nomes, mas recorda-se de que houve vezes em que “quase fui agredido e ameaçado de morte. Passei por situações constrangedoras na via pública. O importante é que isso nunca me fez desistir porque percebi que, algumas vezes, se tratava de um problema de incompreensão das pessoas que pensavam que eu estava a meter-me em actividades de que não tinha domínio”.

Talvez, em tudo isso, “a experiência mais marcante foi o facto de em 1993 – algum tempo depois do fim da guerra dos 16 anos – ter feito um percurso por todo o país de carro. As dificuldades eram inúmeras. Havia muitos vestígios do conflito. Recordo-me de que, certa vez, saímos da cidade da Beira às 5.00H para Chibabava, onde só chegámos às 23.00H. Os alojamentos eram complicados, tanto que já dormi numa casa assombrada, em Angónia, tendo passado por locais sobre os quais se narram mitos grotescos”.

Nostalgia do tempo

Adamugy aproveitou a ocasião para olhar para o tempo que passou, de tal sorte que se deu conta de que “nos anos 1980/90 vivemos um momento cultural intenso, forte e vigoroso. Nas escolas havia grupos de teatro e de dança. Foi uma ocasião de boom de algumas bandas musicais como, por exemplo, os Ghorwane, Lokolokwe, Kapa Dêch. Muitos artistas que se tornaram ícones da nossa canção surgiram nessa época”.

Por tudo isso, para o escriba essa fase é nostálgica, muito em particular porque depois dela se instalou um momento de “adormecimento, se calhar, resultante do tipo de economia que o país adoptou: muitas editoras desapareceram. Implantou-se uma conjuntura em que, de certa forma, os artistas não estavam a conseguir inovar”.

De uma ou de outra forma, “nesta última fase começámos a viver uma etapa de alegria marcada pelo surgimento das novas tendências musicais. Ou seja, não podemos ignorar o movimento que se gerou em volta do Pandza e do Rap”.

“Levam o dinheiro e não ombreiam connosco”

Solicitámos a opinião de Adamugy em relação ao facto de, actualmente, em Maputo, investir-se mais em concertos com a participação de artistas internacionais – com uma estada muito efémera no país – ao mesmo tempo que se drena muito dinheiro, sobretudo por parte de algumas empresas públicas.

Entretanto, ainda que apologista da vinda de artistas estrangeiros ao país, Adamugy revela-se crítico em relação à forma como eles trabalham aqui.

“O problema é que, muitas vezes, se investe muito dinheiro para um músico que, estando em Moçambique, realiza um espectáculo – às vezes em playback –, não interage com os artistas locais, e depois enchem-lhe a mala de dinheiro e regressa ao seu país, sem ter interagido com os cantores nacionais”.

Em contrapartida “ao artista local paga-se um cachê mísero, o qual, muitas vezes, para tê-lo passa por inúmeras dificuldades. Deve haver um equilíbrio, nesse proceder, para que haja o fortalecimento dos artistas moçambicanos”.

O Jornalismo é uma forma de vida

Com um bom par de anos de carreira, Adamugy considera que está satisfeito com o percurso que fez. Entretanto, sob o ponto de vista material, o Jornalismo não é uma área profissional de realização.

“Costumo dizer que se as pessoas quiserem ganhar dinheiro que façam outras actividades, porque o Jornalismo não é uma profissão. É uma forma de estar na vida, em que a relação esforço-benefício é muito desigual. Ou seja, entre o que temos de fazer e aquilo que, desse esforço, retorna há uma desigualdade violenta”.

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