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Bairro Luís Cabral : Memórias de um tempo recente

Bairro Luís Cabral : Memórias de um tempo recente

Desde tempos remotos, o convívio entre bitongas, chopes e vatshwa nunca foi salutar, o que foi aproveitado pelos colonizadores portugueses para aumentar as diferenças entre eles.

Mas a história, na antiga Lourenço Marques, paradoxalmente encarregou-se de unir aquelas três tribos, num bairro que levaria um nome aglutinador: Xinhambanine, até hoje um lugar de grande referência na cidade de Maputo, apesar de estar a perder um pouco da sua essência cultural. E não percebemos porque é que tem de continuar a chamar-se bairro Luís Cabral! bairro Xinhambanine, porque era para aquela zona onde convergiam muitos naturais de Inhambane, que vinham a Maputo à procura de trabalho.

Eram bitongas, vathswa e machopes, que acabavam por se unir devido à contingência de estarem numa cidade desconhecida. E o bairro Xinhambanine assumiu essa posição estratégica por estar, particularmente, à “boca” da terminal da Auto Viação do Sul do Save, ou simplesmente Sá, transportadora que trazia os homens que mais tarde eram contratados para trabalhar nos Caminhos-de-ferro de Moçambique, Sonef e Vulcano. Porém, outros que não tivessem essa sorte ficavam na condição pouco confortável de “vender” a sua força de trabalho nos “quintais”.

É o caso de Moniz Muchisse, que chegou a Lourenço Marques em 1962, vindo de Zavala. Na sua trajectória laboral, consta a passagem por uma carpintaria, no bairro da Machava, seguindo-se uma lavandaria, e mais tarde uma casa nocturna de pasto. Em 1976, arranja colocação nos Caminhosde- ferro de Moçambique, onde trabalhou até 1994. “Depois tive alguns problemas que me obrigaram a optar por uma vida profissional privada, até hoje”, conta Moniz Muchisse, um homem tranquilo, que se sente orgulhoso por continuar a falar chopi, língua que a transmite, orgulhosamente, aos seus oito filhos.

Também sente-se feliz por saber que no bairro Luís Cabral existem ainda algumas lembranças do tempo em que os “manhambanas” vinham em catadupas, e viviam harmoniosamente naquele espaço geográfico. “Mas há algumas coisas que desapareceram, como o zorre, por exemplo”, afirma. O (ainda) bairro Luís Cabral não podia ser diferente de outros tantos lugares que se metamorfosearam com o tempo. Perdeu um nhando outros atributos, como arruamentos, e a drenagem, que já foi um grande martírio para os residentes.

Na manhã de segunda-feira pegámos na nossa Txopela e fomos visitar o bairro Luís Cabral, com vontade, na minha cabeça, de dizer a toda a gente que aquele lugar deve voltar ao seu antigo nome, porque tem a sua própria história, que ninguém tem o direito de apagar. Suportámos a água da chuva que penetrava através da lona que cobria a Txopela, salpicando até os nossos impermeáveis. Penetrámos na “Junta”, passando por uma zona onde é cultura vender mandioca que vem de Zavala. Moniz viria a segredar-nos, mais tarde, que já se tornou um ritual a venda de mandioca naquele local, em particular para os machopes, que nunca se esqueceram das suas comidas.

“Como há muitas coisas que estão a desaparecer nas nossas culturas, em todo o mundo temos que fazer algo, pelo menos para manter os nossos costumes de gastronomia”, diz. Moniz vive no interior do bairro, que contrasta quase profundamente com aquilo que se pode ver na “Junta”, onde o ambiente é de extrema agitação. Aqui, em todos os movimentos parece haver um perigo latente, e isso já foi provado em muitas ocasiões. Pessoas houveram que ficaram sem os seus telemóveis, carteiras com documentos e dinheiro. Em suma, sem os seus haveres. No interior da zona é diferente.

O próprio presidente do Policiamento Comunitário, Olímpio Jossias Salomão Macuácua, confirmou-nos isso. “Posso afirmar, sem qualquer receio, que a situação de segurança no nosso bairro não é alarmante. Aparecem pequenos casos, mas sempre fazemos um esforço para que tudo esteja sob controlo. Por vezes aparecem ninjas de outros bairros, que penetram aqui. Mas de uma forma geral, não temos tido problemas de maior”. Voltando ao convívio.

Nas voltas que demos pelo bairro Luís Cabral, um símbolo incontornável se depara em quase todas as ruas: o coqueiro, que será o eterno amuleto dos bitongas, agora ramificado para todos os naturais de Inhambane, como vathswa e vatchopi. Até os ndaus de Mambone já plantam coqueiros. O bairro Luís Cabral tem esse sinal, que nos fará sentir que por aqui andam manhambanas. Para além dos coqueiros, teremos outros sinais, como as línguas que ali se falam. Não precisamos de prestar muita atenção para perceber que os mais velhos falam à vontade as suas línguas. Mas isso não basta, porque as línguas, por si sós, não unem pessoas.

Cada vez elas vivem mais para si mesmas, do que umas com as outras. Segundo Moniz, “o que ainda nos consegue unir é o futebol”. E esse não será unicamente o problema do bairro Luís Cabral. É geral. Dificilmente ouviremos ronga naquele espaço. O changana fala-se também muito pouco. Pior: as crianças não falam nem ronga, nem changana, bitonga ou chope! Mas isso não acontece com os filhos do Moniz.

“Eu falo português e chopi com os meus filhos, e eles sentem orgulho de falar a língua dos seus antepassados. Eu acredito que muitos jovens de hoje, não só aqui no bairro, não falam a língua dos seus progenitores, provavelmente por nossa culpa. Para mim, isso é muito triste”.

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