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Azagaia: “Não podemos aceitar a violência do Governo!”

O rapper moçambicano Azagaia criticou a violência praticada pelo Governo – através da Força de Intervenção Rápida – contra os desmobilizados de guerra. Na entrevista que nos concedeu, recordou à ministra da Justiça, Benvinda Levy, que “nada pode ser mais alto que a defesa dos direitos humanos”. Saiba a seguir as suas razões…

@Verdade: A Música de Intervenção Rápida possui algo de particular – a capacidade de captar um momento da nossa história, fruto da nossa produção cultural – o jornalismo – para, em jeito de reacção, criar a música. Esta música é uma reacção…

Azagaia: Sim! Reagi a um acontecimento que me desagradou. Desagradou-me a reacção da Polícia, bem como o posicionamento dos órgãos governamentais. É que para o Governo não bastou o facto de a Polícia ter sido violenta. O Governo legitimou essa violência. Isso chocou-me muito, porque houve uma confirmação de que – fazendo a violência contra as pessoas – o Governo agiu da forma correcta, para dizer que das próximas vezes, se a situação se repetir, o Estado voltará a agir da mesma maneira. Então isso arrepiou-me.

@Verdade: A outra leitura que se faz, em relação à música, é que se retoma um episódio da história que – apesar de ter sido propalado pela Imprensa – podia ter passado despercebido. Acha que a discussão que se realizou em volta do assunto não foi suficiente?

Azagaia: Penso que a reacção da sociedade civil moçambicana – os académicos, os analistas e todas as pessoas que quando acontece algo anormal denunciam – organizada não condenou a violência da FIR contra os desmobilizadas de guerra com veemência. O que aconteceu foi inconcebível. Podia-se ter levado o assunto para outros portos. Tratou-se o tópico como se não tivesse sido grave.

Por isso, eu senti que havia a necessidade de eternizar este momento. Sempre que se tocar esta música – que representa um apontamento claro do sucedido – as pessoas irão recordar-se de que no dia em que os desmobilizados de guerra exigiram as suas pensões foram agredidos pelas autoridades. Isso foi errado por causa desta e daquela razão.

Essa peripécia deve ser recordada. Ela constitui um momento que se perdeu, em que se podia enfrentar as pessoas que defendem a violência policial. Uma ocasião em que se devia questionar a violência. Este acontecimento revelou a raiz da violência no país.

@Verdade: A ministra da Justiça, Benvinda Levy – que fala num país que oficialmente defende os direitos humanos – afirma que “há circunstâncias em que o poder do Estado tem que se sobrepor para acautelar direitos mais altos”. Na sua opinião, a que direitos ela se refere?

Azagaia: Eu também não sei. A única coisa que sei é que não existem direitos mais altos que os humanos. Nós estamos a dialogar entre homens, por isso, não faz sentido que haja direitos mais altos que esses. E se existirem quem os defende? A não ser que haja, entre nós, seres alienígenas que possam defender algo superior aos direitos humanos. Na minha opinião, na cadeia dos direitos, os humanos constituem o topo. Se um ser humano defende direitos superiores aos seus – que também lhe dizem respeito – é como se estivesse a dar tiros a si próprio. Um comportamento inaceitável

@Verdade: Agora, mais do que nunca, é preciso fazer uma Música de Intervenção Rápida. Porque é que temos de intervir neste momento?

Azagaia: Se o Governo moçambicano aparece a legitimar a violência, torna-se urgente que nós, como sociedade, estejamos precavidos, intervindo contra esse proceder. Ou seja, se o Governo afirma que – em determinados momentos – atacar os direitos humanos, promover a violência é legítimo, então, também é legal que nós nos oponhamos porque, afinal de contas, somos seres humanos. Estamos diante de um caso flagrante perpetrado pelo Governo.

No mínimo, devia ter havido um pedido de desculpa à sociedade porque houve um excesso, sem classificação, na actuação das autoridades. É como se se estivesse a instalar uma nova ordem no país, que se instaura a partir do momento em que o Governo considera que – sempre que os seus agentes acharem que têm coisas a defender – podem agir com violência. Isso é inaceitável. Então, agora é um momento de intervir e de forma rápida. Esse comportamento do Governo não pode ser aceite de modo nenhum.

As pessoas têm medo

@Verdade: Criou uma convicção nesta música ao afirmar que não “sou formado em direito, mas sei que manifestar neste país é meu direito”. Acha (mesmo) que o povo moçambicano já tem esta consciência?

Azagaia: Não existe a consciência de direito. As pessoas ainda têm medo de intervir e de se manifestar contra procederes negativos. No assunto que se explora na música, eu percebi que a repressão da Polícia intimida os desmobilizados de guerra. Foi como se fosse um aviso deixado para toda a gente.

Com que diz que ?quem quiser agir como o referido grupo social corre os mesmos riscos’. É assim que o povo vive, com medo de exigir os seus direitos – sempre que forem violados – porque a Força de Intervenção Rápida irá actuar contra si. Nós não podemos viver com medo.

@Verdade: Associou-se à voz dos desmobilizados de guerra?

Azagaia: Na verdade, o objectivo desta música não é defender os desmobilizados de guerra. A única coisa que posso dizer em relação ao referido grupo social é que ele – como qualquer um de nós – tem o direito de exigir os seus direitos. Eles não podem ser reprimidos, muito em particular porque estavam a fazer um movimento pacífico. Estamos num país democrático em que as pessoas têm o direito de se expressar. Mas o que está a acontecer agora é que estão a impedir o necessitado de falar. Eu sou um agitador

@Verdade: Já foi considerado um agitador social. Assume-se como tal?

Azagaia: Eu sou um agitador, não nego isso. Falo em nome da Constituição da República que rege os moçambicanos. Ela afirma que todos somos iguais. Nesse sentido, eu posso falar com o Presidente da República, directamente, e dizer-lhe que não gosto de determinadas coisas. Não existe nada que me impeça de falar com o ministro, com o bispo ou com o cardeal em Moçambique, porque nós todos – ricos e pobres – somos iguais no país.

Temos de nos respeitar. Os títulos que uns ostentam e outros não só funcionam na vida administrativa – e não são para intimidar ninguém. O problema é que a sociedade moçambicana cria um grande aparato em volta das figuras que constituem o Governo, a fim de torná-las inacessíveis. Eles andam sempre com escoltas, dentro de Mercedes e ninguém os vê. Mas eles não são pessoas especiais. O Presidente da República, sempre que exonera alguém, faz-nos perceber isso.

No Governo, as pessoas estão para fazer e cumprir o seu trabalho – e não para intimidar ninguém. Governar é dialogar. Não se pode governar sem diálogo. Quando eles encerram as possibilidades de discussão com os governados não farão bem o seu trabalho porque nunca saberão quais são os problemas que temos. Logo, as suas acções governativas serão ineficazes.

@Verdade: A Música de Intervenção Rápida foi bem recebida pela Imprensa. Será este o seu retorno à ribalta?

Azagaia: Não diria que se trata de retorno. Retornarei quando tiver lançado o meu álbum novo, Kubaliwa – o mesmo que renascimento. Tenho um trabalho discográfico – a ser publicado ainda neste ano. O que fiz agora é apenas uma música de intervenção. Uma Música Livre

@Verdade: Possui um projecto chamado Música Livre. Em que pé é que se encontra e – a ser implementado – como é que irá funcionar?

Azagaia: A Música de Intervenção Rápida, por exemplo, é grátis. Ela enquadra-se na prestação de um serviço público, por isso não deve ser vendida. De uma forma geral, eu gostaria que a música fosse gratuita para as pessoas. Penso que, provavelmente, os artistas poderiam ganhar mais se se apresentassem em concertos. Por exemplo, agora existe um problema da pirataria que é um movimento oposto à produção musical.

Quem produz música não ganha nada por causa dos piratas. Então, eu tenho reflectido acerca do que chamo de Música Livre. Se eu pudesse – e acho que um dia farei isso – ofereceria a música que faço de graça. A primeira razão é que acho que é impossível combater a pirataria num país, como o nosso, em que há muitas dificuldades e os promotores da pirataria vêm na música uma forma de ganhar a vida.

A segunda razão é que eu acredito que se a música for livre, e as pessoas puderem aceder a ela sem ter de pagar, pode-se introduzir uma nova dinâmica na indústria cultural. Não quero dizer que os músicos não devem ganhar algo pelo trabalho que fazem, mas, provavelmente podem ganhar de uma outra forma.

Se analisarmos os factos com algum realismo, notamos que a maior parte das pessoas que consomem a nossa música não compra. No norte do país, por exemplo, eu não tenho alguém que vende os meus discos, mas a música é consumida. Penso que do universo das pessoas que possuem e consomem a minha música, apenas 10 porcento é que compraram.

Então, acredito que chegará o dia em que iremos perceber que o melhor é oferecer a música às pessoas porque ela vem delas. A música vem do dia-a-dia da convivência, então, é justo que ela retorne. Trata-se de um tema novo por discutir. Mas acredito na Música Livre. Não digo que vou fazer, mas estou a cogitar nessa hipótese.

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