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Anciã das cervejas (moçambicanas) quer “viver” mais 80 anos

Anciã das cervejas (moçambicanas) quer “viver” mais 80 anos

Na complexidade da sua idade, perdem-se o dia e o mês em que nasceu. No entanto, em relação ao ano, 1932, ela não se distrai. Perdura no tempo, a cruzar e a influenciar gerações humanas. Gerou histórias e impôs-se, entre nós, como uma anciã das cervejas moçambicanas. Presentemente, expressa uma autêntica ansiedade: “viver mais 80 anos”. De quem se trata…?

É uma idosa e, ao que tudo indica, nos próximos tempos – fazendo jus à quadra festiva os moçambicanos – sem excepção de sexo, cor, religião – alcoolicamente activos irão persegui-la. Ela “irá” satisfazer todos que a buscarem.

No vale de Infulene, algures em Maputo, local onde se encontra a Cervejas de Moçambique, nenhum cidadão – que circula a pé ou de carro – a contorna sem lhe dirigir olhares. É um monstro! Na verdade, é uma indústria que se tornou grandíloqua. No dia em que a visitámos – além de nos perdermos entre os seus compartimentos – vimos centenas de moçambicanos que, cada um com, de forma particular se esmeram, com fervor, para diariamente produzi-la na quantidade de seis mil hectolitros. Eles são os campeões das cervejas.

Seis mil hectolitros? Sim! É uma quantidade abismal (de álcool) que, certamente, irá inspirar muita bebedeira entre os moçambicanos. É verdade, mas não podemos ignorar que nos próximos tempos, como se disse, a procura de cerveja, ou qualquer outro tipo de bebidas alcoólicas, aumentará.

Preocupada com a dita realidade – o excesso do consumo de álcool – a Cervejas de Moçambique, nas palavras de Fabiana Pereira, a oficial de comunicação, promove políticas de consumo de álcool de forma responsável. Afinal, “não queremos fazer parte de um problema, mas da solução. E, nesse campo, ainda há muito por ser feito. Pensamos em trabalhar com as entidades competentes para que os consumidores percebam que as nossas cervejas fazem parte de um momento responsável, diferente de ocasiões solitárias, de modo que se possa promover um tipo de consumo socialmente sadio”.

Por várias razões, muito em particular, a necessidade de assinalar a celebridade de uma marca de cerveja, a Laurentina, não obstante tenha comemorado as bodas de Nogueira este ano, ainda mantém intactas as suas qualidades, e a Cervejas de Moçambique (CDM) encarregou-se de realizar uma pesquisa em que constatou que “a Laurentina é uma bebida social. Ninguém a consome isolado, num ambiente solitário. Trata-se de um produto que, à partida, é consumido num ambiente em que há várias pessoas numa interacção social. Por essa razão, nós acreditamos que ela faz parte da cultura dos moçambicanos, pessoas hospitaleiras que sabem conviver”, considera Fabiana Pereira.

Há vezes que é difícil acreditar, mas a verdade é que – nas suas acções, nos seus rituais e práticas que se tornam tradição – os moçambicanos assumem essa idosa, a Laurentina, como uma cerveja que faz parte da sua vida. “Isso não foi instituído por ninguém. Eles, os filhos do País da Marrabenta acabaram por incorporar a Laurentina no seu dia-a-dia, muito em particular quando se reconhece que, no fim do dia, no fim-de-semana, bebem-na a par dos seus amigos e familiares”.

Como tudo começou

Corriam os anos 30 do século passado. Um imigrante grego, Cretikos, percorrendo os bairros ricos de Lourenço Marques, na sua actividade de venda de água fresca, ressentiu-se da falta de gelo para a conservação do peixe que diariamente era descarregado nas docas da urbe.

Criou, então, a “Victoria Ice and Water Factory”, a primeira fábrica de gelo e de água mineral de Moçambique em 1916. A história reza que, a par disso, “Em poucos anos, começou também a produzir refrescos e a sonhar com a primeira marca de cerveja feita em Moçambique. O sonho realizou-se em 1932, quando o grego viajou até à Alemanha para contratar um mestre cervejeiro que desenvolveu uma receita de cerveja de estilo europeu a que Cretikos chamou Laurentina, em homenagem aos naturais de Lourenço Marques, os laurentinos”.

Entretanto, o ambiente encontrado numa visita recentemente feita pelo @Verdade à empresa, a sua complexidade em termos de compartimentos, dos processos da sua actividade, incluindo o número de recursos humanos que possui, não somente comprovam os sinuosos caminhos pelos quais – ao longo dos 80 anos que possui – a Laurentina teve de trilhar, mas, acima de tudo, que ela evoluiu até na maneira de “pensar”.

Por exemplo, com 70 anos, em 2002, altura em que a marca passou a integrar a família da CDM, já assumia um posicionamento claro e consolidava a sua relação com os seus consumidores: Saber respeitá-los. Moldar o mercado No seu diálogo com os moçambicanos, a CDM incutiu nestes, pelo menos em relação às cervejas 2M, outrora concorrente da Laurentina, a ideia de que aqueles “à nossa maneira”, consomem “a nossa cerveja”. Isso foi possível graças ao reconhecimento de que “os moçambicanos são pessoas simpáticas, hospitaleiras e que sabem lidar com os outros”. Por isso, “as nossas cervejas – feitas por moçambicanos para estes – deviam reflectir esta realidade”, reitera Fabiana Pereira.

Refira-se, então, que esta postura, em si, denuncia uma evolução psicológica e mental da Laurentina e da CDM. Senão esta atitude da idosa Laurentina manifesta num período colonial – que é revelado por Virgílio Tembe, uma figura que, por trabalhar na Laurentina desde a independência, se confunde com o seu pilar – não faria sentido. Afirma ele que “é interessante que se fale do passado porque, naquela época, havia a intenção de transmitir a ideia de que a Laurentina era uma marca de cervejas que deviam ser consumidas pelas elites. Mas ela, por ser muito boa, invadiu os subúrbios”.

Como se pode inferir, as vicissitudes por que a Laurentina passou não derivam, necessariamente, do contexto interno da organização. Mas da realidade social que acompanhou a história do país como, por exemplo, a guerra dos 16 anos e as cheias de 2000.

Mas como é que a Laurentina conseguiu impor-se?

Sobre a questão, Fabiana Pereira, a oficial de comunicação que trabalha na empresa há quatro anos, esboça uma opinião em que o argumento parece simplista, o que não é verdade. Para si “a Laurentina soube superar intempéries até os dias actuais, por ser a primeira marca de cervejas moçambicanas, feita em Moçambique, ao mesmo tempo que conseguiu evoluir ao longo dos tempos, respeitando as marcas internacionais para criar uma postura positiva no mercado”.

Como corolário disso, ao longo dos anos, “esta marca foi reconhecida no espaço nacional e internacional, o que contribuiu para que a Laurentina conseguisse transmitir valores de herança, de tradição, de mestria na produção de cervejas que são traços que até os dias actuais a caracterizam”.

Nisso, a par das famosas pesquisas do mercado, uma prática secular – simplesmente determinante para a manutenção de um bom relacionamento entre as partes – houve outro ritual que jogou um papel vital na vida do produto: “incentivamos os nossos profissionais para que tenham um contacto permanente com o mercado – entendido como o Dolce Vita, no centro da cidade, ou a barraca que se encontra no bairro de T3, como também o que se encontra em Ribáuè, na província de Manica – porque temos consumidores em todos os cantos do país”.

Entre certezas e dúvidas

Se, por qualquer razão, alguém afirmar que a história da Laurentina se confunde com a vivência dos moçambicanos – diante do que se sabe e experimenta-se – não teríamos muitas dúvidas. Em todos os tempos, a Laurentina – como os moçambicanos – soube impor-se perante as adversidades.

Por causa da luta armada de libertação nacional, a Laurentina, igual ao país, teve de recomeçar a “vida”.

“Temia-se que a marca iria desaparecer, o que não aconteceu porque ela resistiu a muitas intempéries”, afirma Virgílio Tembe, visivelmente orgulhoso, ao mesmo tempo que acrescenta: “tivemos de persistir com a nossa marca. Reinventámo-la numa garrafa verde, baixinha, gorda, sem estética nenhuma mas que nos possibilitou distribuir o produto”.

Instalou-se uma época muito crítica em que – por causa da realidade sociopolítica e económica do país – “fomos impelidos a produzir uma Laurentina sem qualidade. Faltavam matérias-primas: quando houvesse malte, não havia glitz de milho – o sentido inverso também é válido – mas os engenheiros químicos tinham de encontrar soluções para a produção das cervejas”. No entanto, o produto, “não deixou de se chamar Laurentina”.

Perturbar o concorrente

Psicólogo de formação que é, trabalhando na Laurentina como chefe de vendas, Virgílio Tembe impôs-se como um verdadeiro ideólogo para superar as incertezas que a empresa tinha de confrontar.

Tembe considera a privatização da Laurentina, em 1995, fruto de um acordo entre a SABMiller e o Governo de Moçambique, que conduziu ao estabelecimento da Cervejas de Moçambique SARL, um evento marcante porque já na altura a 2M se afirmava como concorrente da Laurentina. Nessa ocasião, havia a necessidade de relançar e reorganizar a marca, o que, na leitura de Tembe, foi uma prática espectacular, “porque já estávamos num mercado de concorrência. A CDM era a nossa concorrente”.

É nessa época em que se cria uma comunicação mercadológica – para a promoção do produto – em que a Laurentina era a cerveja da “Paixão Sem Limites, buscando-se valorizar a cor amarela para ausentar a ideia de que se está diante de uma marca de cervejas de consumo restrito às pessoas mais crescidas. O objectivo da estratégia era explorar um nicho de marcado constituído por jovens”.

O chefe das vendas, Virgílio Tembe, – que se ufana “por ter sido nessa época que demos um salto gigantesco no volume de vendas” – recorda-se de que “na ocasião tínhamos uma frota constituída por apenas oito camiões – para a distribuição do produto no mercado – e três carros para realizar a inspecção. Isso fez com que eu sugerisse que no meu carro se escrevesse o número 10”. E revela a intenção da estratégia – “distrair o concorrente de modo que ele pensasse que nós tínhamos uma grande frota. Isso, além de funcionar, perturbou a 2M”.

Então, “eles olhavam para o mesmo carro e esqueciam-se de tirar a matrícula, pensando que já tínhamos dez carros – confundindo-se – quando na verdade, a nossa estratégia não era a imensidão da frota, mas chegar cedo ao mercado”.

De acordo com Virgílio Tembe, em resultado da evolução da “sua” empresa, constatou-se que a concorrente, 2M, que estava relaxada, pensando que era dona do mercado, “sofria bastante porque – nós chegávamos cedo e vendíamos o produto. Assim que ela se colocasse na praça já não havia dinheiro para comprar a quantidade oferecida ou, então, na pior das hipóteses, a 2M não vendia os seus produtos”.

O impacto disso é que, além de a Laurentina passar para uma segunda fase em que projectava as cervejas pretas, “saímos de uma quota de mercado de três porcento para, em menos de dois anos, alcançarmos uma quota de 34 porcento vendendo a Laurentina preta e clara. As Cervejas de Moçambique perceberam que a sua quota do mercado estava a ficar ameaçada”. Foi nesse contexto que, em 2002, a CDM realizou uma série de negociações que terminaram com a aquisição da marca Laurentina.

Não bebe cervejas, mas degusta-as há 10 anos

Visitar a empresa Cervejas de Moçambique é uma experiência ímpar. É impossível apreender tanto conhecimento – técnico-profissional e histórico – contido naquele complexo económico num só dia. Há muitas curiosidades por descobrir. Por exemplo, a par das demais actividades que como técnica gerente do desenvolvimento de aprendizagem deve desempenhar, Adelaide Muthemba trabalha como provadora de cervejas há 10 anos.

De forma amável, a funcionária – como todos os seus colegas – conduziu-nos nos diversos compartimentos que constituem a CDM, explicando-nos detalhadamente as actividades nelas desenvolvidas. Foi uma aula de cerca de quatro horas.

De qualquer modo, se a história de Adelaide, na sua relação com o álcool pode interessar, então, podia ser narrada de outra forma.

Se nas fábricas de algumas partes do mundo degustar cerveja chega a ser uma profissão específica, nas CDM não é bem assim. São os próprios trabalhadores – alguns dos quais depois de uma formação específica para o feito – desempenham esta função. Adelaide Muthemba conhece, impecavelmente, os compostos usados na fabricação da Laurentina e de outras cervejas. Sabe explicar, com detalhes, todo o processo de produção dos seis mil hectolitros diários.

É certo que, às vezes, sentada na sua sala, um cheiro forte da cevada irrompe pelas janelas e “agride-lhe” as narinas. Mas ver e cheirar não basta. É preciso provar. Saber experimentar para certificar se a cerveja reúne ou não as condições necessárias para ser consumida pelo grande público.

A degustação de cervejas envolve simplesmente o palato, por isso é um exercício vedado a fumadores e aos que consomem bebidas alcoólicas com frequência, segundo Adelaide Muthemba, que há 10 anos degusta a cerveja. Conhece, perfeitamente, o sabor de uma boa Laurentina, seja ela preta ou clara. As outras marcas estão também no domínio do seu paladar. “Só provo. Não bebo”. Mas em ocasiões de lazer “experimento bebidas doces. Mas raras vezes”.

Uma cerveja de longa maturação

Virgílio Tembe, Fiabiana Pereira e Adelaide Muthemba não poupam predicados para qualificar as cervejas que produzem, em particular as Laurentinas. Por exemplo, para Pereira, o que distingue a Laurentina – entre os vários tipos de cervejas que temos no país – será o facto de ela, apesar de idade que possui, não se permitir envelhecer. “Isso foi bom porque a marca soube evoluir, com a sua comunicação, distribuição de produtos e consumidores. Por exemplo, a Laurentina tem consumidores muito fiéis à marca – entre os mais crescidos e jovens – e que se identificam com a mesma”, enfatiza.

Entretanto, o homem que tem a idade do país a produzir Laurentina – o que lhe possibilita deter muito conhecimento sobre a marca – não consegue abrigar a sua nostalgia em relação às peripécias do tempo que passou.

Recorda-se de que no primeiro ano, depois da aquisição da marca Laurentina pela CDM, “as suas vendas começaram a reduzir drasticamente”. É que, na sua leitura, “as pessoas começaram a pensar que a Laurentina ia perder a sua qualidade, uma vez que a CDM iria usar a marca para vender as cervejas 2M”. Para fazer face à realidade, criou-se uma nova comunicação em que se enfocava a “longa maturação – que a Laurentina possui – que é algo próprio, real e que se impõe como uma das características que distingue a Laurentina das demais marcas de cervejas”, assegura.

Ou seja, “enquanto as outras cervejas têm muito pouco tempo, a Laurentina possui muito mais tempo de maturação”. Em resultado disso, e de um esforço laboral conjunto, quando a marca passou a integras a família CDM, as pessoas que já trabalhavam naquela empresa – com a anexação da Laurentina – “começaram a orgulhar-se por produzirem, consumirem e representar esta marca no estrangeiro. A Laurentina é a primeira cerveja, em Moçambique, que tem a marca Premium. Isso é prestigiante porque em boa parte dos países africanos não existem cervejas locais com esta marca”.

Venham mais 80 anos

Em Novembro, para tornar as bodas de Nogueira que se assinalaram este ano uma efeméride inolvidável, a CDM promoveu um conjunto de eventos os quais chamou Experiência Laurentina. O evento juntou colectividades culturais lendárias – Ghorwane, Dilon Djindje, Orlando da Conceição – e outras mais actuais – Cheny Wa Gune Quarteto, Cremildo, Muzila, Elcides e Hélder Gonzaga, Xixel Langa e Nelma Nphumo, que se constituíram num grupo designado Just Jazz, os quais, além de proporcionarem momentos musicais indeléveis nos anais da cultura moçambicana – em relação à Laurentina – fizeram uma prece necessária a favor desta idosa e dos moçambicanos: “Bebam Laurentina e tenham mais 80 anos!”

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