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AEMO: Foram-se trinta anos de…

Se há lugares na cidade de Maputo que não devem ser ignorados por nenhum cidadão, então, o edifício que se encontra na avenida 24 de Julho, número 1420, é um exemplo. Desde 1982, sete anos depois da independência nacional, até os dias que correm, a infraestrutura “furtada” dos fotógrafos para os escribas (AEMO) impõe-se como o pulmão da nossa intelectualidade na literatura. Em 2012, a instituição completou 30 anos. Mas a data passou despercebida.

Falar de uma entidade – a Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO) – que congrega em si várias relíquias sob o ponto de vista da literatura, da intelectualidade e, enfim, da cultura de um povo, os moçambicanos, não é tarefa fácil. E por nenhuma razão seria agora…

Durante a década de oitenta do século XX, a AEMO pariu – para a satisfação dos amantes das letras e da literatura – algumas publicações de que os moçambicanos se orgulham, mesmo depois de terem tido uma existência efémera (menos de cinco anos). Refere-se, aqui, às revistas Charrua, que também é nome de uma geração, Forja, Lua Nova e Oásis. Na verdade, a partir da instituição em que se editavam, estas publicações constituíram o fundamento – ou, se quisermos, a pedra angular – da existência cultural dos moçambicanos, como um povo.

Animado por um nobre objectivo – “a congregação dos escritores para estímulo da criação literária, leitura e estudo das obras de outros confrades nacionais e estrangeiros, até à publicação de livros e realização de actividades culturais” – a criação da AEMO, em 1982, envolveu inúmeras personalidades de várias partes do mundo. Júlio Cortázar, da Argentina, Garcia Marquez, da Colômbia, Jorge Amado, do Brasil e o professor norte-americano Russel Hamilton são alguns exemplos.

A par disso, em certa ocasião, elogiando o empenho dos cidadãos moçambicanos na obra da AEMO, Calane da Silva – escritor e professor de literatura – explicou que “todos se empenharam nessas tarefas com muito Amor, com um grande sentido de servir”.

Um capitalismo selvagem

É natural que se perceba que – partindo-se da referência do tempo – a AEMO, fundada em 1982, surge num contexto em que Moçambique, que acabava de conquistar a sua independência há sete anos, se encontrava num novo conflito armado, a guerra dos 16 anos, iniciado em 1976. O Presidente da República Popular de Moçambique, Samora Machel, viria a encontrar a morte em 1986. A contenda terminou em 1992, com a assinatura do Acordo Geral de Paz entre a Renamo e o Governo. Em 1994, realizaram- se as primeiras eleições gerais.

Poucos anos volvidos, criar-se-iam novos alicerces para que o país abraçasse o multipartidarismo e o capitalismo, o mercado livre. Trinta anos depois, em 2012, sobre isso, Eduardo White – o célebre escritor moçambicano que, em 1984, negociou os 20 mil meticais junto à Embaixada de Portugal para a criação da Revista Charrua –, falando à luz das transformações operadas, fez um comentário claro:

“Vigora em Moçambique o capitalismo selvagem. Num Governo desta natureza, sempre, interessa ao poder controlar o que se escreve e o que se lê. Quem escreve e quem lê. Não é por acaso que as editoras que sobrevivem até hoje e que publicam são as do livro escolar. O dia em que essas editoras deixarem de publicar o livro escolar, não haverá livro em Moçambique. Não há um investimento na literatura. Ninguém investe num novo escritor”.

Eduardo White faz uma abordagem que nos leva a visualizar uma degradação da estrutura em que assenta a infra-estrutura cultural no país. Os problemas de que fala, mormente os relacionados com a falta de mecenato, não se verificam só na literatura.

“Há vezes que digo que se eu fosse um cantor – mas um mau, com uns vídeos exibindo mulheres nuas – talvez me safasse. Neste país o que se patrocina são pernas e mamas. Não é música propriamente dita. Sempre eu disse isso”.

Interessa, aqui, saber/perceber – sob o ponto de vista deste autor – porque é que não se financiam os artistas e a sua produção. Para White, o autor do Libreto da Miséria, os mecenas – a quem chama “esses gajos” –, quando lhes é solicitado apoio, “dizem que estou a construir a minha casa. Gastei uma fortuna”. O preocupante é que – em tudo isso – há quem, entre eles, afirme que “temos de poupar, mas eu nunca encontro dinheiro para poupar”.

Uma mc-rogização da literatura moçambicana

O conceito mc-rogização é uma criação do autor do livro Mozambique Meu Corpus Quantum, o sociólogo Filimone Meigos que também se associa à discussão sobre os 30 anos da AEMO.

Antes de mais, o escriba reinventa nostalgias. Fala-nos do seu tempo de miúdo: “nós líamos muito. Trocávamos livros e ideias. É isso o que me traz muita tristeza, porque não sei se os jovens da geração actual lêem, se também trocam obras de literatura. Tivemos a sorte de encontrar uma geração que depositava em nós a esperança. Perece-me, modéstia à parte, que correspondemos à expectativa”.

Meigos encara a rebeldia – com alguma substância – como algo típico da juventude para, instantes depois, afirmar que “é um bocado disso que não sinto na geração que nos sucedeu na AEMO”.

De uma ou de outra forma, ao que tudo indica, segundo o ponto de vista de Meigos, se algo está errado na actuação da geração actual há que partilhar a responsabilidade: “o testemunho foi mantido nas nossas mãos e, por diversos motivos, não foi transmitido à nova geração da AEMO”.

Ou seja, “parece-me que a conjuntura nos impeliu – estou incluso na nova geração e dou a mão à palmatória – à mc-rogização da literatura moçambicana como aconteceu na música e nas outras modalidades artístico-culturais. Há uma preocupação com os efeitos e ganhos rápidos e imediatos”.

Se, por um lado, Filimone Meigos elogia o facto de a geração actual ter descoberto o poder da cultura, por outro, sanciona, pela negativa, o fraco investimento que se faz no sector. Afirma ele que “as pessoas aperceberam-se, sem o devido contrafeito, de que a cultura é um poder. No entanto, não têm o contrapeso porque não estudam, não lêem. Então, tudo fica vazio. Esvazia o conceito de arte como o nível mais alto de criatividade e, por conseguinte, o estágio mais elevado da intelectualização do mundo circundante”.

Desmoronamento da crítica à literatura

Sobre o tópico da crítica à literatura, uma prática que se esfumou com o tempo, em certa ocasião – num texto anexo ao memorial dos 25 anos da AEMO – Gilberto Matusse afirmou: “Pensamos que a dificuldade de leitura que agora se verifica poderia ser significativamente reduzida se o exercício de crítica literária fosse uma actividade regular”.

Ungulane Ba Ka Khossa, o autor da Orgia dos Loucos, retoma o assunto para afirmar que, de facto, “faltam críticos de literatura em Moçambique”. Para si, “o problema é que, paradoxalmente, temos gente que sai em número crescente da universidade, na área das letras, mas, ao mesmo tempo, essa quantidade de pessoas decresce em termos de intervenção crítica”. O impacto disso é que surge – na sociedade – uma morte lenta na prática da cidadania.

Ungulane considera que, nos dias actuais, “os campos de solidariedade tendem a ser diminutos. E a actuação da Associação dos Escritores Moçambicanos reflecte um pouco o marasmo em que se vive em vários sectores no país. Há ausência de debate não só na AEMO, como também a nível das universidades”.

Muito labor

Quando o assunto é o balanço da actuação do seu elenco, Jorge de Oliveira – o secretário-geral que dirige a AEMO desde 2008 – alerta para o facto de em apenas quatro anos “termos criado o prémio literário BCI; elevado o prémio José Craveirinha de cinco para 25 mil dólares; publicado obras de vários escritores novos; realizado intercâmbios com escritores de várias partes do mundo; coordenado concursos literários; homenageado escritores consagrados; reeditado obras desaparecidas da nossa montra cultural há décadas, etc.”.

É, portanto, nessas condições que Jorge de Oliveira – que afirma que “não penso em sair, vou sair da direcção da AEMO” –, caso não se recandidate ao cargo de secretário-geral, se pronuncia nos seguintes termos: “Continuarei a ser um membro interventivo porque o escritor não pode calar-se. Um escritor calado é um cidadão falhado”.

Estatísticas contraditórias

Em Moçambique e no mundo, por causa da sua celebridade, Eduardo White é um autor que possui obras comercializadas a um preço muito elevado. No entanto, White afirma que “os preços dos livros preocupam-me porque não ganho nada”.

Não lhe faltam argumentos: “os livros que são caros são meus aparentemente. É que há um grande investimento por parte do artista, mas ele recebe 10 porcento do preço de capa. Se um livro custar 100 meticais, ele recebe 10. Numa tiragem de 3.000 exemplares a vender por 100 meticais resultam 300 mil, mas ele só recebe 30 mil”.

Relançamento da esperança

Enfim, Eduardo White relança a esperança na juventude – os futuros dirigentes do país, mais escolarizados – que por causa do elevado grau intelectual que possuirão irão dar mais importância ao desporto, à literatura, à juventude, às livrarias, às bibliotecas, aos arquivos. É que, no seu entender, “os dirigentes actuais estão preocupados com outras coisas, o que é mau”.

O escritor recorda-nos de que, por exemplo, no país, “há gente que escreve ou que diz que escreve. O Presidente da República é poeta e membro da Associação dos Escritores Moçambicanos. O mesmo acontece com personalidades como o Marcelino dos Santos e o Sérgio Vieira. Mas essa gente está no poder e não faz nada. Está preocupada com as patentes, com o poder e com os carros”.

Factos & Curiosidades

• O poeta Rui Nogar foi o primeiro escritor, na história do nosso país, a exercer as funções de secretário-geral da AEMO.

• Mia Couto e Paulina Chiziane – com as obras Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra e Niketche, Estórias de Poligamia, respectivamente – foram os primeiros escritores moçambicanos laureados com o prémio José Craveirinha, instituído em 2003.

• Raul Alves Calane da Silva, com o livro Gotas de Sol a Manifestação da Palavra, tornou-se o precursor no tocante aos escritores moçambicanos laureados com o Prémio 10 de Novembro, instituído em 2005.

• Oásis, Charrua – que também é nome de uma geração –, Forja e Lua Nova foram as principais revistas literárias publicadas pela AEMO. As três primeiras vigoraram por um período de quatro, três e dois anos, respectivamente. Todas nos finais dos anos 90.

• Em 30 anos de existência, a Associação dos Escritores Moçambicanos não possui nenhuma página na Internet como, por exemplo, um blog em funcionamento.

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