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EDITORIAL: À procura da nova estrada de Damasco

Et voilá. Eis que depois da Tunísia, do Egipto, do Bahrein, do Iémen, da Argélia, de Marrocos, do Oman, chegou a vez da Síria, país que, até agora, parecia estar imune às revoluções que desde o final de Dezembro têm abalado o chamado mundo árabe num processo sem precedentes.

Deraa – cerca de 100 quilómetros ao sul da capital, Damasco – está para os revoltosos sírios como a Sidi Bouzid esteve para os tunisinos, a Praça Thariq para os egípcios ou Bengazi para os líbios. É o centro da revolta que já fez, desde o início desta semana, segundo organizações internacionais, 17 mortos. As forças de segurança têm ordens para atirar a matar, tendo mesmo invadido uma mesquita onde se refugiavam os jovens que nas ruas clamavam por democracia, justiça social e reformas concretas.

Como em outras revoluções vizinhas, tudo começou com um apelo no dia 15 de Março no Facebook intitulado “A revolução síria contra Bachar Al-Assad 2011”. Nele apelava-se a uma Síria livre da tirania, sem lei de emergência – em vigor no país desde 1963 – que impede a contestação pública, e o fim dos tribunais de excepção.

Esta demora síria tem, provavelmente, a ver com a natureza do regime do partido Baas que governa o país com mão de ferro desde 1963. Advogando o panarabismo, o socialista, e um Estado laico, o partido Baas sírio inspirou, imaginem, Saddam Hussein para a criação de um partido irmão no Iraque que aliás tinha o mesmo nome. O Baas sírio, que aos olhos do mundo era menos brutal e repressivo do que o iraquiano, acabava por não o ser, controlando tudo de uma forma mais hábil.

Enquanto Saddam era primariamente brutal, Hafez Al- Assad, conhecido pelo cognome de Leão de Damasco e pai do actual Presidente Bachar Al-Assad, praticava a repressão com a mesma intensidade mas com muita mais subtileza, fazendo lembrar aquelas personagens dos filmes da máfia que matam duas ou três pessoas na casa de banho e aparecem na sala com ar de senhores a ajeitar a gravata. Hafez Al-Assad era assim: subtil, sinistro, frio, nunca se desfazendo daquele ar senhorial. Só assim se explica que em 1982 tenha reprimido mortalmente 20 mil opositores islamistas e quase ninguém tenha dado por isso.

O filho, que lhe sucedeu em 2000, prometeu reformas e liberdade cívicas e políticas mas depressa a esperança da Primavera síria deu lugar a um novo Inverno frio e longo que dura até hoje. E é contra este Inverno que actualmente, encorajados pelos movimentos vizinhos, os sírios lutam.

Volvidos mais de dois mil anos, tal como Saulo caiu do cavalo na estrada de Damasco, convertendo-se ao cristianismo e adoptando o nome de Paulo, os sírios, com a ajuda do Facebook, do Twitter, da Al-Jazeera e da rapidez com que hoje circula a informação, estão a descobrir a sua estrada de Damasco feita de liberdades políticas, cívicas e religiosas. Esperemos também que, tal como São Paulo, caiam do seu cavalo e a encontrem.

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