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A ntyiso wa wansatititi: De Vez em Quando

Nunca gostaste muito das minhas músicas e por isso, mesmo que estivesses aqui ao meu lado, talvez nem ouvisses a letra da música que de vez em quando ponho a tocar no meu ipod para me pacifi car com a tua partida que o tempo transformou em permanente e irreversível ausência.

De vez em quando oiço-a como se fosse feita de silêncio e as palavras que me canta ao ouvido viessem do lado de dentro do meu coração, que é o único lugar onde ainda vives. Troquei as tuas fotografi as das molduras por as de outros amigos, pintei o meu quarto de uma cor diferente, deixei de trazer ao pescoço a ametista que me deste.

Ficaram as flores de papel na minha secretária que me trouxeste da China e o Buda da saúde e da prosperidade que me ofereceste no Natal na minha cómoda, para nunca me esquecer do lado bom do nosso amor impossível, provavelmente para sempre perdido, feito de sinceridade e encanto. Deixaste de gostar de mim no dia em que trocaste a franqueza pela diplomacia, mas tenho quase a certeza de que nem deste por isso. O desamor, tal como o seu antónimo, não cresce do nada, de um dia para o outro. Vai-se espalhando cá dentro como uma erva daninha silenciosa e letal, até não sobrar mais nada num terreno outrora fértil e saudável.

De vez em quando, lembro-me daquele ano incerto e aventureiro cheio de surpresas e viagens, cada um de nós a pensar no outro e a desejar secretamente que o outro não nos esquecesse, ainda não, pensávamos nós, sabendo que o fi m era inevitável, mas querendo sempre mais uma viagem, mais um abraço, mais uma noite em claro, mais um passeio de bicicleta na cidade das casas sem cortinas, mais um sopro de felicidade nas nossas existências solitárias.

Fecho os olhos e imagino-te a atravessar as pontes da tua cidade que podia ser feita de chocolate. Consigo ver-te correr por entre a chuva, o cabelo encharcado debaixo de um barrete de lã e as mãos brancas, habituadas ao frio, e encolho os ombros à tristeza que a pouco e pouco se desvanece, como a tinta que se evapora numa carta muito antiga. O amor não tem idade nem barreiras, não se intimida com a distância nem se envergonha com os idiomas.

O amor, como disse uma vez a tua mãe, é uma força divina e misteriosa que não escolhe idades nem extractos bancários. Talvez te tenhas apaixonado por mim por ser tão parecida com ela, ou talvez nem sequer te tenhas apaixonado, se bem que isso agora não tenha a menor importância. De vez em quando oiço a tal música, Once in a while, e consigo esquecer-te mais um bocadinho, Um dia destes, quando fechar os olhos para te ver melhor, terás mudado e talvez nem te reconheça. Perderás o teu ar de caloiro da faculdade, usarás o cabelo mais curto e deixarás de ser um homem com ar de miúdo.

Não te imagino de gravata nem de descapotável, mas sei que a idade acaba sempre por nos roubar a candura e a sinceridade e é provável que percas algum encanto.

From bad luck/ I’m walking away/ I’m not getting stuck / I’m not going to stay/The good things are moving ahead /I’m tired of dying/ I’m living instead./ Once in a while I’ll wake up/ Wondering why we gave up/ but once in a while comes and fades way.

E a canção continua, dizendo que de vez em quando me vou lembrar de ti, e o sabor dos teus beijos vai fazer-me sorrir. De vez em quando, tenho a certeza, também te vais lembrar de mim com o mesmo encanto de sempre. Quem sabe, num dia de Verão, voltes a passear ao meu lado de praia e me contes o que mudou dentro de ti para trocares a sinceridade pela diplomacia, me dês a mão como fazem os velhos amigos e juntos, encontremos uma paz adiada que nem o tempo nem a distância conseguem corrigir.

E nesse dia, vou olhar para o céu e ver todas as coisas boas que a vida me põe no caminho, antes e depois do sopro de felicidade que trouxeste à minha vida.

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