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A ntyiso wa wansati: O que eu queria

Tu chegas a casa, dizes-me

então tudo bem

olhas-me à transparência como se eu fosse um holograma, os miúdos saltam-te ao pescoço

pai pai

tu dás-lhes dez segundos de atenção, apenas o tempo de um abraço de rotina e de um sorriso de circunstância e depois dizes vão brincar meus queridos

e sentas-te na sala de comando na mão a viajar pela tv cabo e eu sinto que não existo. Ou então, fechas- -te no escritório com uma garrafa de Jameson e um copo facetado junto ao computador e passas o serão na Internet a

pesquisar

pelo menos é o que tu dizes, e quando chegas à cama eu tenho a impressão de que tu preferias que eu já estivesse a dormir, mas se calhar é só uma impressão, se calhar sou eu a cismar, não ligues, que isto passa.

Mas esses não são os dias piores. Os dias piores são os que te trazem às duas da manhã, resgatado por milagre de uma reunião que se prolongou num jantar, e quando entras em casa eu sinto o cheiro de um perfume intenso e ordinário misturado com o bafo do álcool, as pernas transportam-te sem convicção e apetece-me desenhar uma linha recta no corredor e fazer contigo uma aposta:

consegues percorrer a linha sem desviar os pés?

porque sei que ia ganhar a aposta, e se apostasse que andaste num bar de streappers ou que levaste a jantar fora uma ou duas lambisgóias:

como é que te chamas? Liliana? Que nome tão original.

E eu imagino-te com uma ou duas Lilianas num restaurante de fondue, vocês nunca comeram fondue? Então eu vou-vos mostrar uma coisa nova, vou-vos mostrar muitas coisas.

E elas, que nunca aprenderam francês, não conseguem pronunciar a palavra foudue, dizem fondu e tu emendas

não é fondu, o u diz-se iu

E elas vão repetindo

fondiu, fondiu, fondiu

e depois riem-se muito e enchem o peito de ar para o segundo botão da camisa de cetim fingir que vai rebentar e ficam a olhar para ti, mas tu não as vês porque te fixaste no comportamento instável do segundo botão, queres que ele salte com a pujança dos peitos delas, qual rolha em garrafa de espumante, e o que eu queria, meu amor, era que te apaixonasses outra vez por mim e que reparasses no quadro novo que comprei para a sala e desses só mais um bocado de atenção aos miúdos, para que eu não me sentisse um holograma e não tivesse que tomar todas as noites um Xanax para esquecer a tua ausência permanente e crónica mesmo nos dias em que chegas mais cedo e anestesiar os sentidos e o coração do cheiro a Lilianas e a whisky irlandês.

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