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A caminho dos Jogos Africanos: Sinóia, um dos maiores do nosso boxe

A transpirar mas sereno, no rosto a expectativa. Em suspense estavam os membros da delegação moçambicana aos Jogos Africanos de Nairobi 1987, que não esperavam outro veredicto: a proclamação de Lucas Sinóia, muito jovem na altura, como vencedor. Enganaram-se. Graças ao favoritismo do corpo de juízes, o braço erguido foi o do jogador da casa, um queniano que estava com o sobrolho aberto e a cara ensanguentada.

Contou, decisivamente o factor casa. A delegação moçambicana protestou, mas debalde. Mesmo assim, o nosso peso-médio, ao ganhar o combate para a decisão do 3.º e 4.º, chegou à medalha de bronze, por sinal a primeira conquistada por um moçambicano na maior prova continental.

Para além de Sinoía, integraram a selecção de boxe Tiago Sebastião, Archer Fausto, Alberto Machaze e Moisés José. Os tempos eram outros e para o país o importante era participar, fazer perfilar a nossa bandeira entre as outras de África e… ganhar experiência.

Em 30 segundos pôs ko um ganês

Lucas Sinóia ganhou a partir daí tudo o que um pugilista necessita, para além da experiência. Tendo frequentado em ocasiões diferentes as escolas soviética e americana, o nosso “cobra”, quatro anos depois, era temido no Continente. Na nossa zona, frente a basutos, suázis e tswanas, limitava- se a jogar para o espectáculo e para os pontos. Nos Africanos do Cairo 1991, as coisas eram a sério. Face a isso, protagonizou o KO mais rápido dos Jogos. Uma memorável história que importa recordar.

Estava-se em pleno dia 25 de Junho de 1991, no Cairo. Às 9 horas, a delegação moçambicana festejava, um pouco às corridas, mais um aniversário da nossa Independência, uma vez que Lucas Sinóia, que naturalmente não pôde marcar presença na festa, tinha um combate frente ao campeão do Gana.

Vencer o caótico trânsito da capital do Egipto não foi fácil. Quando os moçambicanos deram entrada no recinto, já o campeão de Moçambique se encontrava no ringue, juntamente com o adversário, a receber instruções do árbitro.

Com o sempre entusiasmado Marcelino dos Santos, veterano da luta armada à cabeça, todos se prepararam para presenciar um jogo que teoricamente nos era desfavorável, pelo peso do país que defrontávamos: o Gana! O combate começou. Não subira ao ringue o Sinóia a que estávamos habituados, aquele que primeiro quer conhecer o adversário, fazendo o que na gíria futebolística se chama de “estudo mútuo”. Muito pelo contrário. Lucas entrou decidido a não dar qualquer hipótese ao ganês, partindo de imediato para o corpo-a-corpo. De repente… passavam-se apenas 30 segundos do primeiro assalto e o adversário já havia sido enviado ao tapete. Sinóia desferira uma sucessão de murros cruzados dirigidos à zona do estômago e quando o adversário se tentou proteger, veio então a opção por atingi-lo contundentemente no queixo. Foi o mais rápido KO dos Jogos do Cairo. Sinóia já estava maduro e trazia o país no coração. Passado facilmente o primeiro obstáculo, o “senhor que se seguia” era um argelino. O seu treinador estava em pânico. Gritou, em toda a peleja, para que o pupilo não deixasse o nosso campeão aproximar-se. A opção do argelino foi bater, pontuar e recuar. Sinóia não estava tão atacante como na véspera. Terá feito o suficiente para vencer aos pontos, mas o “nome” do país do seu adversário foi decisivo para a sua eliminação. O argelino acabou por seguir em frente, tendo chegando ao ouro, mas a crítica considerou Sinóia o melhor do seu escalão.

Mão dos juízes em harare

Para os Jogos Africanos de Harare 1995, o Governo proporcionou uma boa preparação aos nossos pugilistas, pois quem chegasse ao pódio qualificar-se-ia-se para a Olimpíada de Atlanta 1996. Sinóia foi enviado para os Estados Unidos da América para um estágio. Dali, foi directamente para Harare. Lucas ganhou as duas primeiras eliminatórias, mas perdeu na terceira, diante de um egípcio. Perdera a qualificação para Atlanta, mas restava uma chance para lá chegar: uma dura competição na Tunísia, onde os 53 países africanos lutariam pelos lugares ainda vagos. No seu peso, 67 kg, havia 18 pugilistas para dois lugares. O seu treinador, o cubano Luiz Filipe Martini, sabia que a missão era difícil, mas não impossível. O moçambicano brilhou e conseguiu a qualificação para a Olímpíada de Atlanta.

Ponto final na África do Sul

No ano de 2000, o nosso boxe entrou em queda livre e o “cobra” já quase não tinha internamente adversários à altura. Fazia muito esforço no treinamento individual, mas não via retorno. Pesava 67 kg, sem diminuir, nem aumentar. Subestimou a rigidez do regime que se exige a um profissional. Para subir aos ringues nos Jogos Africanos da África do Sul, em 2000, teve que se esforçar para perder dois quilos num dia. Era então o melhor do seu peso na Zona VI. Os adversários temiam-no. Porém, confessa que perdeu o primeiro combate frente a um tswana aos pontos, por excesso de confiança. Assim se esfumou a possibilidade de qualificação para a Olimpíada de Sidney. A situação do pugilismo no país foi piorando, ao ponto de ele, pessoalmente, ter de procurar patrocínios para o treinamento.

E foi desta forma, um tanto inglória, que os Jogos Africanos da África do Sul marcaram o fim da carreira de Lucas Sinóia, um dos mais emblemáticos e nobres atletas moçambicanos da geração pós-Independência.

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