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A dura vida do cineasta moçambicano

A dura vida do cineasta moçambicano

Cineastas de várias gerações – amadores e profissionais – juntaram-se, no fim do mês de Julho, no Centro Cultural Franco Moçambicano (CCFM), em Maputo, em mesa redonda, para falarem de si, da sua arte e das dificuldades que enfrentam na sociedade e no mundo artístico-cultural. Com pompa e circunstância, num painel composto por realizadores, jornalistas culturais e titulares da cultura no país, notou-se que há, de facto, diversas “doenças” que enfermam a produção e a divulgação da sétima arte em Moçambique.

Sob o ponto de vista de desenvolvimento, a sétima arte no país está mais do que atrasada. Guiados pelo espírito do inconformismo, alguns fazedores das artes e dirigentes da área, em particular do cinema, explicam o estágio crítico em que se encontra mergulhado o cinema moçambicano. E este sintoma não é de hoje.

Foi, no entanto, devido à indignação que reina no seio dos cineastas, supostamente derivado de alguma insensibilidade por parte dos promotores em relação à arte, caracterizada ainda por um cenário de estranheza e exclusão, que o Fórum de Cinema de Curta-Metragem, comummente designado KUGOMA, organizou, em Maputo, uma mesa-redonda, na qual participou também Otília Equino, representante do Fundo Para o Desenvolvimento Artístico e Cultural (FUNDAC).

O encontro tinha como propósito discutir a desorientação do cinema em Moçambique e encontrar possíveis soluções para o problema.

Para além desse ponto, considerado importante no debate, discutiu-se, ainda, o hábito, já preterido, de assistir a filmes – por parte dos moçambicanos –, agravado pelo facto de todas as salas de cinema terem sido “vendidas” às igrejas, e outras abandonadas, complicando ainda mais a vida do criador.

Contrariamente a alguns países africanos como Nigéria e Angola – onde os seus Governos apoiam (financiando) a realização e disseminação do cinema, – em Moçambique depois de uma aborrecida e, invariavelmente, mal sucedida procura do patrocínio para a produção, os criadores enfrentam outro dilema maior ainda – a falta de salas de cinema para a exibição das obras.

Estes aspectos, diga-se, niglingênciados por quem de direito, inibem a criatividade e o desenvolvimento das actividades artístico-culturais no país. E, em virtude disso, segundo Licínio Azevedo, “em Moçambique corre-se o risco de, no futuro, não se ter cineastas”.

As vozes dos indignados

O cineasta e arquitecto moçambicano Nildo Essá, nomeado, recentemente, ao concorrer com o filme de animação “Os pestinhas e o ladrão de brinquedos”, produzido pela FX, Lda., para o prémio Melhor Animação Africana de 2014, sente-se abandonado e, por sua vez, nunca teve apoio para produzir o seu trabalho.

Segundo conta, o cinema, particularmente o de animação, marca-o a cada instante. Nele apreende a criar e a superar diversos obstáculos, como, por exemplo, o episódio que conta:

“Certa vez, fui ao Cinema Lusomundo e levei comigo Os pestinhas. Chegado lá, pedi para que exibissem o filme antes da série programada para o dia, pois só tem 12 minutos de duração. Para minha tristeza, a pessoa que me recebeu, depois de me felicitar pela obra, dispensou-a, supostamente, porque as pessoas não iam gostar. Fiquei muito desapontado. Era a única sala de cinema que tinha exibições e nunca esperei por uma resposta daquelas. Essa foi uma das maiores dificuldades que tive, na minha carreira”.

José Augusto Nhambuto, carinhosamente tratado por Zegó, é um cineasta novo na praça e com pouca experiência, mas, segundo diz, “há necessidade, primeiro, de se ratificar a Lei do Cinema. Só podemos defender-nos, depois de a lei ser confirmada”.

No entanto, no que tange à qualidade do cinema feito em Moçambique, o cineasta acredita que a sétima arte moçambicana tem qualidade internacional. Por isso, os filmes são referências internacionais.

“O que acontece é que há, ainda, uma vaga de cineastas que precisam de absorver a cinematografia. Isso é aceitável. De certo modo, tratando-se de um país onde não há escolas de cinema, onde as pessoas são autodidactas, mais vale a intenção e a criatividade do que os aspectos técnicos, pois isso adquire-se com o tempo”.

Zegó conta com dois filmes no mercado, mas, para além da falta da lei do cinema, uma necessidade para os cineastas, o artista aponta a falta de dinheiro como uma das maiores necessidades. Segundo conta, “não há fundos para o cinema em Moçambique. Sabemos que em, quase, todo o mundo é dificil fazer a arte, mas no nosso país é pior ainda”, concluiu Zegó.

Orlando Mabasso Júnior, um cineasta jovem, considerou que o artista moçambicano tem de começar a olhar para o mundo e, face às dificuldades, tentar encontrar as, possíveis, soluções.

Mabasso, usando da experiência que adquiriu ao longo do tempo, afirma que o criador da sétima arte no país terá muito a ganhar quando, com base nas suas habilidades, mesmo sem condições, começar a trabalhar, citando alguns exemplos de pessoas que triunfaram no meio das dificuldades.

“O artista moçambicano não deve olhar para a arte como se fosse um ‘ganha pão’, porque a partir desse momento ela deixa de ser autêntica. O cinema deve ser uma forma de comunicação e expressão”, disse Mabasso.

No entanto, o cineasta acredita que os problemas enfrentados pelos artistas são vastos. E isso verifica-se em cada obra lançada. Há, na verdade, segundo conta, um pensamento não concluído nas suas realizações, devido a vários constrangimentos que acompanham o cineasta.

Curiosamente, sobre as reclamações dos criadores da sétima arte, o artista considera-as legítimas. “Os cineastas reclamam muito. Isso porque o cinema não dá retorno. Um documentário custa 10 a 20 mil dólares. Quem irá a uma sala de cinema para ver esse género cinematográfico?

De referir que no ano passado, o Governo de Moçambique aprovou a proposta de Lei do Audiovisual e Cinema, que define os princípios de acção do Estado no quadro do fomento, desenvolvimento e protecção da arte nestes dois ramos.

A proposta em causa, por sinal a primeira de género no país, estabelece ainda o regime jurídico da produção, distribuição, exibição e difusão de obras audiovisuais e cinematográficas.

Na referida proposta, o ministro da Cultura, Armando Artur, afiançou que o sector de Audiovisual e Cinema é regulado por uma legislação avulsa e, até certo ponto, desactualizada. “A proposta decorre também da necessidade de criar condições adequadas para o desenvolvimento das indústrias culturais e criativas”.

A título de exemplo, o ministro disse que a referida proposta de lei preconiza que as obras audiovisuais e cinematográficas nacionais deverão ocupar, pelo menos, um quarto do tempo de antena das televisões moçambicanas. E que a promoção e o desenvolvimento de actividades deste sector devem ser asseguradas pelo Fundo de Desenvolvimento Artístico-Cultural.

A produção deste instrumento legal a ser ainda submetido à Assembleia da República envolveu, segundo Armando Artur, todos os intervenientes da cadeia de produção de material audiovisual e cinema, designadamente cineastas, produtores, realizadores, actores e empresários.

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