Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

A dupla realidade de Marracuene

A dupla realidade de Marracuene

O Distrito de Marracuene, na província de Maputo, é um exemplo claro de uma contraditória realidade a que se assiste um pouco por todo este país. Por um lado temos os governantes que nas vilas vivem um el dorado, e por outro, e mais penoso, temos os que vivem nas localidades, literalmente esquecidos.

O fosso entre os ricos e os pobres em Moçambique ainda está longe de se reduzir. Os abastados convivem literalmente ao lado dos famintos e carenciados, os que têm falta de tudo e que constituem a maioria dos que vivem uma triste e desumana realidade deste país.

Para quem visita a vila sede de Marracuene e não alargar o horizonte para lá do interior, pode chegar a conclusões precipitadas e pensar ou dizer que quando se fala daquele distrito apenas se refere à vila, onde, à custa do dinheiro do erário público, vivem as estruturas do distrito.

De referir que todos os serviços básicos estão con finados na vila distrital. A população tem de percorrer quilómetros para encontrar uma unidade sanitária, escolas, mercado formal, entre outros.

Com 666 km² e uma população estimada em 157 642 habitantes, o distrito de Marracuene está dividido em dois postos administrativos, nomeadamente Machubo e Marracuene. Fazem parte do primeiro posto administrativo as localidades de Macandza e aula e do segundo, Nhomgonhama, Michafutene, Vila de Marracuene, entre outras.

À medida que se vai mais para o interior, vislumbra-se a dor, miséria e sofrimento por que passam algumas famílias. Falta-lhes de tudo um pouco. Em caso de doença não podem ir ao hospital porque não existem unidades sanitárias. Por falta de escolas, muitas crianças tornam-se trabalhadoras, usando a sua escassa força para trabalhos pesados, como corte de lenha, caniço e produção de carvão.

Viver sem paz

Nas localidades de aula e Macandza, os dias não são como podem parecer. Na calada da noite, a circulação dos moradores é restrita e condicionada, impondo-se uma espécie de recolher obrigatório.

A falta de policiamento comunitário e a pouca ou quase inexistente presença dos agentes da Polícia da República de Moçambique em acções de patrulha abrem um espaço de manobra aos malfeitores que fazem tudo a seu bel-prazer, perturbando a ordem e tranquilidade públicas naquelas zonas.

Zacarias Mondlane reside em Machubo há mais de 20 anos e já teve a oportunidade de testemunhar vários episódios. Segundo afi rma, os problemas do passado não são tão preocupantes como os de hoje. “Nas noites quase que não se pode circular, pois é nesse período que os malfeitores se posicionam nas ruas, à caça dos transeuntes. Sempre ouvimos gritos de pessoas”.

Este morador, de 42 anos de idade, disse ainda que a falta de transportes de/ e para as localidades remonta já há anos. Para contornar a situação, algumas pessoas usam as suas viaturas de caixa aberta para fazer “chapa”.

“Somos transportados em péssimas condições, para além de que as tais carrinhas andam sempre apinhadas. Havendo um doente a bordo, a situação torna-se mais penosa devido à degradação das estradas”, ajunta.

Não menos preocupante é a onda de criminalidade que se vive em quase todo o distrito de Marracuene, principalmente nas zonas do interior, onde a população vive literalmente esquecida, entregue à sua sorte. Este é um problema antigo mas que tomou contornos alarmantes nos últimos dias, talvez pelo aparente crescimento que aquele distrito está a registar.

“Na minha zona os malfeitores actuam à solta. No mês passado, por volta das 21 horas, de regresso à casa depois de uma jornada laboral, fui interceptado por dois jovens empunhando armas brancas que me cercaram e pediram que eu tirasse tudo o que trazia na altura. Pensei que fosse brincadeira, insistiram, enquanto me desferiam alguns golpes no pescoço com uma catana. A minha vida estava em risco, tive de tirar e entregar-lhes tudo para salvaguardar a minha integridade física”, conta Baptista Macuácua, morador de Macandza.

Esta situação irá prevalecer enquanto os agentes da PRM não intervierem no sentido de impor e garantir a tranquilidade e ordem públicas. Os criminosos vão passeando a sua classe, mostrando a sua musculatura perante uma população indefesa.

Alfredo Maulele, de 37 anos de idade, viúvo e pai de cinco lhos mora nesta localidade há sensivelmente 10 anos. “Eu sou natural de Nampula, vim a Maputo à procura de melhores condições de vida. Dois anos depois, um familiar deu-me uma porção de terra aqui em Marracuene para eu construir”, conta.

Dos cinco lhos, apenas dois têm idade escolar, sendo que um tem sete anos e o outro 16, mas nenhum deles “conhece o banco da escola”.

“Eu sou desempregado, não tenho condições financeiras para matriculá-los. Ainda que eu tivesse dinheiro, não temos escolas aqui perto”, justi ca, acrescentando que a única instituição de ensino está a pouco menos de 20 quilómetros de casa, uma distância que dificilmente as crianças podem percorrer.

O mais agravante é que não existe transporte que permita a ligação entre as localidades e a vila sede do distrito.

Educação

O cenário que se vive na localidade de Nhamgonhama replica-se por outras, como aula e Macandza. Os residentes daquelas localidades, diferentemente dos que vivem nas imediações da vila, encontram-se num eterno sofrimento e literalmente esquecidos. Para poderem chegar a uma escola têm de percorrer mais de 10 quilómetros, geralmente a pé, pois não há transporte semi-colectivo.

As crianças destas três localidades, depois de concluírem a sétima classe, só podem fazer o nível secundário na Escola Secundária Gwaza Muthine, situada na vila sede de Marracuene. Entretanto, uma esmagadora maioria de petizes abdica da escola devido à distância.

“Se tivéssemos pelo menos uma escola em cada localidade as crianças não estariam a sofrer para estudar, o pior é que não temos transporte”, queixa-se Carlos Zunguene.

Trabalho infantil

Porque muitas crianças não frequentam a escola, a única alternativa que lhes resta é aplicar as suas minúsculas forças no trabalho, muitas vezes pesado, como o corte de lenha, produção de carvão, entre outros. Algumas fazem-no a mando dos pais ou irmãos mais velhos, independentemente das suas idades.

Um dos exemplos disso é Marito Machava, de 15 anos de idade, que vive na localidade de Nhamgonhama. Os pais matricularam- no na Escola Primária Completa de Marracuene, onde estudou até a 4ª classe. “Parei de estudar porque a escola fica longe de casa e, todos os dias eu ia e voltava a pé. Para eu não ficar sem fazer algo, o meu pai disse para passar a ir com ele ao mato para cortar lenha”.

Se Marito conseguiu fazer a 4ª classe, o mesmo não se pode dizer em relação a Alberto Mazize, que nunca foi à escola. Os motivos, segundo o pai, Bento Mazize, vão desde a falta de condições financeiras até a inexistência de escolas nas imediações.

“Eu vivo aqui nesta localidade há 30 anos, não temos sequer uma escola, o meu lho não pode conseguir percorrer cerca de 10 quilómetros todos os dias de/e para a escola. A única solução foi mandá-lo apascentar o gado (caprino)”, acrescenta.

Um distrito auto-suficiente

A imagem que Marracuene transmite é de um distrito até certo ponto auto-su ficiente. Do comerciante mais pacato até as grandes mercearias, nota-se a existência de produtos locais. Segundo Laura Nguenha, natural deste distrito, os residentes de Marracuene não precisam de “fazer muita ginástica” para comprar produtos alimentares.

“Temos aqui grandes machambas e aviários, o que garante a nossa alimentação durante todo o ano. Não precisamos de ir à cidade da Maputo para adquirir bens alimentícios, temos tudo aqui ao mesmo preço, por vezes mais baixo que o aplicado na cidade de Maputo”, ajunta.

Laura disse ainda que há pessoas em Marracuene que, na cidade de Maputo, só conhecem o mercado grossista do Zimpeto, por ser o único lugar a que recorrem para comprarem certos produtos.

A nossa fonte acrescenta ainda que quando os nativos saem do distrito de Marracuene para a cidade de Maputo fazem-no com o intuito de comprar vestuário, mas essa tendência tem estado a reduzir porque, nos últimos dias, têm aparecido pessoas que se dedicam à venda destes artigos, embora o façam aos fins-de-semana.

No entanto, nos casos em que têm de tratar de alguns documentos, os residentes daquela parcela do país vêem-se obrigados a dirigir-se à cidade de Maputo. “Por outro lado, temos a falta de algumas repartições para o atendimento público. Se não fosse por esses motivos, só iríamos à cidade de Maputo apenas para visitar familiares”, considera.

Batelão que move a economia

O batelão de Marracuene, que serve de transporte de pessoas e bens, ligando a sede distrital de Marracuene à zona de Macaneta, é também, diga-se, uma atracção turística. Com capacidade para acolher seis viaturas ligeiras, o mesmo circula das seis às 19 horas durante o meio de semana. Aos fins-de-semana, vai até à meia-noite para responder à procura.

Fonte próxima à administração de Marraucene disse que cada carro ligeiro paga pela viagem 180 meticais. Aos passageiros são cobrados quatro meticais por um bilhete de ida e volta.

Mais do que um simples meio de travessia sobre o rio Incomáti, o batelão alimenta a economia do distrito, pelo facto de ser o único meio de transporte que se encontra sob gestão da administração distrital e a principal fonte de receitas públicas ao nível de Marracuene.

“A função económica do batelão de Marracuene deve ser vista sob dois pontos de vista, primeiro pelas receitas que gera de forma directa e, segundo, pelos ganhos que produz de forma indirecta. Os directos têm a ver com as taxas cobradas no transporte de bens e pessoas. Por outro lado, este batelão fortalece o potencial turístico de Macaneta, que gera divisas para o distrito”, explica.

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Related Posts

error: Content is protected !!