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A capulana pode ser património da humanidade

A capulana que resguarda o rosto de Martinha Faztudo* – nesta foto captada no município de Namaacha, aquando da recente peregrinação – faz-se um advérbio, modificando o sentido do tema. Mas antes, em Impaputo, na província de Maputo, onde encontrámos as avós Gina e Fátima, apesar da vivacidade das cores que possui, essa vestimenta não suavizou a mágoa contida nos seus semblantes. Antes pelo contrário, piorou.

Nas fotografias de Mercedes Sayagues, também captadas em Namaacha, estas senhoras que – naquele domingo friorento de 12 de Abril – desafiaram a chuva e a cacimba para expressar a sua devoção a Deus gerou um espectro belo e contemplativo. No entanto, na vida de muitas moçambicanas, para não dizer de todas, a capulana é uma peça indispensável. Acompanha-as em quase todas as circunstâncias. Na vida e na morte.

No decurso dos tempos, ainda que pouco se tenha reflectido nisso, esta peça de vestuário – com um valor de múltiplos usos – cruzou gerações, gerou histórias, perpetuando-se no tempo. Em Moçambique, e se calhar em África, pela primeira vez neste ano, será realizado o Festival da Capulana, em Setembro. O evento será um tributo merecido a uma peça que (re)constrói o sentido da vida.

O Guinness Book, o livro de recordes para o qual o nosso país concorre com o signo capulana, exigiu ao Centro de Conhecimento e Desenvolvimento Samora Machel que realiza o Festival da Capulana, na baía de Pemba, na província de Cabo Delgado, que o evento tenha no máximo 500 mulheres vestidas de tal peça de modo que seja incluída na publicação.

No entanto, os moçambicanos, que têm uma relação familiar com o artigo, julgam a cifra diminuta: “Nós estamos a concorrer para entrar no Guinness Book com um máximo de 15 mil mulheres vestidas de capulana no respectivo festival. Esse é o nosso desafio”, comenta um dos organizadores do evento.

O entusiasmo em relação à capulana é tão grande de tal sorte que se pensa em submetê-la à Organização das Nações Unidas para a Ciência, Educação e Cultura, UNESCO, para que seja elevada à categoria de património universal da humanidade. De uma ou de outra forma, a história do primeiro Festival da Capulana pode ser narrada de outra forma.

Como surge a ideia

O Governo moçambicano, no âmbito da passagem dos 25 anos do acidente de Mbuzine (em que faleceu o primeiro Presidente de Moçambique) criou o Centro de Conhecimento e Desenvolvimento Samora Machel. No rol das suas acções, a organização tem a missão de realizar pesquisas, em diversos contextos, e disseminar essa informação. Por diversas razões, uma das quais a afeição de Samora por ela, a capulana atrai as atenções da instituição.

“Mas como ela chegou a Moçambique? De qua modo foi recebida? Que futuro tem? Que histórias, relacionadas com a capulana, existem? Então, queremos desenvolver esta discussão, gerando um conhecimento que pode ser disseminado”, contextualiza Olívia Machel, a coordenadora do Festival Capulana.

Por outro lado, recordando-se de que se fosse vivo, no dia 29 de Setembro de 2013, Samora Machel completaria 80 anos, bem como o facto de que a luta armada de libertação nacional iniciou-se na província de Cabo Delgado, onde se encontra a baía de Pemba, a terceira maior do mundo, os motivos para que o primeiro Festival da Capulana decorra lá são muitos.

Nesse sentido, Olívia Machel – que comunga com o exposto – afirma: “Entre os dias 27 e 29 de Setembro nós, os moçambicanos, vamos fazer o registo da capulana no Guinness Book como sendo um traje tradicional da na nossa terra, ainda que saibamos que outros povos asiáticos, americanos, por exemplo, têm-na como sua vestimenta. Ela é uma peça de vestuário universal”.

Um sentido inesgotável

Na verdade, como se percebe, a capulana é um sigo que, como tal, não se deixa interpretar na sua totalidade. Às vezes, não raras, no corpo de uma mulher (ou de um homem) modifica os sentidos, criando alguns, ampliando outros.

“Quem está contra a capulana, está contra si mesmo. Por isso, nós aliamo-nos à organização do Festival da Capulana em Pemba”, comenta um agente da DDS, uma organização que se associa à iniciativa.

Convenhamos, então, que “a capulana possui múltiplas utilidades. Nas zonas rurais, por exemplo, em momentos trágicos, ela tem sido o primeiro abrigo ou refúgio para as pessoas, um intermediário entre a fuga e a salvação. Em momentos de alegria, em cerimónias como o lobolo ou o casamento, ela constitui uma oferenda indispensável. Queremos que o povo moçambicano a tenha como sendo a sua riqueza e tradição em todos os momentos. Este artigo é um símbolo da vida e da nossa identidade”, afirma Olívia Machel.

Como participar

De acordo com o pessoal do Centro de Conhecimento e Desenvolvimento Samora Machel, o Festival da Capulana é o primeiro ponto de partida para uma série de acções que se irão desenvolver em volta do signo. No Guinness Book, onde será registada, já se obteve o código 402180 para o efeito, mas pensa-se ainda na criação do Museu da História da Capulana.

Até Setembro, altura em que se realizará o grande festival, as cidades de Maputo (25 de Junho e 07 de Setembro), Beira, Quelimane (22 de Setembro) e Nampula (21 de Agosto) acolherão eventos paralelos à iniciativa. Nestas realizações a participação está aberta a todas as pessoas, desde que vistam capulana. Mas em Pemba – observando o mesmo princípio – a iniciativa será restringida à mulher.

“Queremos que estes festivais sejam promovidos não só em Moçambique como também noutros países de África. Por isso, gostaríamos de convidar as comunidades africanas a exibirem os seus trajes tradicionais no âmbito do evento”.

*Alguns nomes são fictícios

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