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As narrativas dos Tamele

Aniano Tamele é

Tal como sucedeu no passado, actualmente, para os amantes da música moçambicana da década de 1940 e não só, falar sobre a família Tamele, com enfoque para Zeburane, é, sem dúvidas, reconhecer o contributo que têm dado para o desenvolvimento da música moçambicana, particularmente na educação social e na protecção da mulheres. Trata-se de um activismo cuja relevância – tendo em conta que houve tempos em que, no país, as opiniões femininas não eram levadas em conta – fez com se disseminasse entre as gerações. Dada a necessidade de se perpetuar os feitos do pai surge Aniano Tamele, um músico nato, a quem pertence a missão de elevar o sobrenome que carrega.

A carreira artística de Aniano Tamele inicia em 1976, graças à influência do seu pai, Eusébio Johane Tamele, ou simplesmente Zeburane. Na época, o músico a que nos referimos recebeu instruções sobre o canto por parte do seu progenitor, como também contou com o apoio dos irmãos Gustavo e Borges. O primeiro já faleceu. Para alicerçar o gosto musical dos filhos, Zeburane chamava-os sempre que ia cantar para fazerem o papel de solistas.

Em 1978, Aniano Tamele entra, pela primeira vez, nos estúdios de gravação. “Tive a sorte de, muito cedo, aprender a tocar um instrumento musical a partir de uma viola precária feita com uma lata de azeite de cinco litros com três fios de sisal”, recorda-se o artista acrescentando que “então publiquei a música “Vulavula Nkata”, o mesmo que “Expressa-te esposa”.

Gravada nos estúdios da Rádio Moçambique, na altura, o único lugar que ajudava os artistas que pretendiam abraçar a vida artístico- musical, a obra “Vulavula Nkata” versa sobre as traições a que os homens são sujeitos, aquando das viagens para uma determinada região, dentro ou fora do país, protagonizadas pelas suas esposas e os seus amantes.

Na área da música, o visado recomenda à sua mulher que peça perdão dizendo onde esteve durante a sua ausência, afinal, apesar de ser um vacilo, a traição nem sempre determina o fim de uma relação amorosa. Depois dessa música, no mesmo ano, o criador lança “Tshunela papai” e “África”, um dos hinos que alavancaram a sua carreira artística.

“Produzi o meu primeiro trabalho musical em 1987, mas, antes disso, em 1984 fiz um dueto com o meu irmão Borges num disco familiar. Sempre gostei dos meus pais por tudo o que fizeram por mim. No título ‘Tshunela papai’, por exemplo, fui buscar uma citação na qual o meu pai dizia, numa das suas canções, que ‘Bava anga pswalanga oyo pswala swiguevenga’, o mesmo que ‘O papá não gerou filhos, só criou bandidos’”.

São tantas as narrativas deste homem, cujo ponto máximo é a mulher. Por exemplo, na música “Nibiwa kangaki mina hisiku linwe?”, ou seja, “Quantas vezes sou espancada por dia?”, o artista fala sobre a violência doméstica a que a mulher é sujeita no lar. Essa verdade não só se verifica nessa música. Nas outras, Zeburane fala sobre ‘a violação sexual’, que se encontra no título “Tsunela seyo a nwana a vabvuaka” o mesmo que “Afaste-se porque a criança está doente”.

Entretanto, na música que versa sobre uma suposta má conduta dos músicos, Zeburane fala do comportamento dos seus irmãos e, se calhar, de todos os músicos moçambicanos pois, na altura, os artistas eram considerados marginais. Bandidos.

Então, “quando ele nos ensinava a cantar eu perguntava: ‘porque nos ensina a música se o senhor é considerado salteador? O que será de nós? Outros patifes’”? Embora o seu estilo musical seja diversificado, segundo narra, a obra “África”, baseada na realidade, revela o sofrimento dos povos africanos confrontando-se com as guerras.

A música foi criada numa época em que se assistia em Moçambique uma espécie de abuso de poder, ao mesmo tempo que na África do Sul vigorava o apartheid. “Então falo da fome e da guerra que assola(va) o nosso continente. Num sentido metafórico, coloco-me a suplicar à mãe-África para que veja as lágrimas dos seus filhos que choram diante dela na esperança de um dia alcançarem a salvação”.

Talento suburbano

À semelhança de vários artistas autodidactas cuja arte foi desenvolvida no espaço doméstico, Aniano Tamele narra que “nunca frequentei nenhuma escola de música. Tudo começou em casa quando imitava diversos artistas conceituados da África do Sul, Tanzânia, incluindo o meu pai, a minha inspiração”.

A sua relação com a música surgiu na época em que no seu bairro, Ntchanwane, na província de Gaza, se faziam rodas para se cantar e dançar ao ritmo de Makwaela e Xingomane. Mais tarde integrou o Grupo Polivalente Provincial. Trata-se de uma colectividade fundada por volta de 1978, composta por várias associações culturais.

Nesse sentido, devido à relevância do trabalho que os artistas faziam, a administração local decidiu uni-los, em 1981, a fim de actuarem como uma única colectividade. Na referida formação artística – o Polivalente Provincial, que se dedicava à música, teatro, poesia, dança tradicional entre outras formas de arte – integravam artistas de Xai-Xai, Chokwé, Macia, Chongwene e Chibuto.

“Infelizmente os grupos sumiram com o decorrer dos anos. As bandas do meu pai, por exemplo, desapareceram porque as solistas, depois de uma certa idade, abandonavam-no para cumprirem o papel de donas de casa. Entretanto, por sua vez, os homens emigraram para a África do Sul onde iam trabalhar nas minas”. Portanto, foi em resultado desse abandono dos membros no seu grupo que Zeburane preferiu passar o testemunho da arte para os seus filhos.

O sumiço na música

Aniano Tamele está há anos sem gravar e, consequentemente, sem novas melodias no mercado. O seu último trabalho foi feito em 1993. Desde essa época até os dias actuais, o artista sumiu dos estúdios de gravação. Quais são as razões?

“É impressionante a forma como o tempo passa rapidamente. Há 21 anos que não realizo um concerto. Mas tudo se deve à minha saída da cidade de Maputo. Fiquei 11 anos a trabalhar nas províncias, o que dificultou a minha inspiração e a consequente criação”. Por essa razão, o artista quer voltar a alegrar os seus fãs, estando, presentemente, a editar e a gravar novas ritmos.

Segundo conta, trata-se de um projecto com mais de 10 músicas, esperando-se que sejam lançadas até Outubro deste ano.

Dificuldades

De acordo com Aniano, comparativamente às dificuldades que os artistas vinham enfrentando com as actuais, são mais ‘pesadas’ as do presente, pois, “há anos só nos faltavam casas de ensaio, aparelhagem, patrocinadores, estúdios de gravação e escolas de música no país”.

Contrariamente a um passado recente em que as pessoas enfrentavam essa carência dos materiais e dos devidos espaços, hoje “as condições estão criadas para o desenvolvimento da arte, o problema é que há uma forte desigualdade de oportunidades. As empresas preferem apostar em dois ou quatro artistas e nunca mais do que isso”. O pior é que “não temos indústrias culturais e nem empresários firmados nas artes e cultura, no geral e na música, em particular”, lamenta.

A contrafacção discográfica?

“Eu costumo dizer que ninguém anda a vender droga à vista de todo o mundo porque se sabe, de antemão, que se pode ser preso. Agora, vendem- se discos contrafeitos porque se acredita, e isso é visível, que não haverá sanção”.

É, na verdade, com base nessas declarações que Aniano Tamele lamenta o facto de encontrar trabalhos discográficos de músicos moçambicanos expostos na rua, à venda, sem nenhuma consideração.

“E eu não posso estar no Xipamanine, no Zimpeto, em Xai-Xai a recolher esse material. Cabe às autoridades competentes realizar esse trabalho, o que, infelizmente, não fazem. O pior é que essa prevaricação é feita diante das autoridades”. Segundo Tamele, por mais dura e caricata que seja a situação, os artistas são incapazes de detê-la.

“Alguns músicos, quando encontram os vendedores, arrancam-lhes o material contrafeito para destrui-lo, esquecendo-se de que o que se devia atacar é a fonte da produção desse material”.

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