Está a cair granizo na cidade de Maputo, contrariando toda a lógica atmosférica. O céu está limpo na sua plenitude e o sol, no crepúsculo do amanhecer, ergue-se devagar. Chove! Uma chuva fininha que brilha como os cristais e o granizo acompanha, em enormes pedregulhos, esse chuvisco. Os habitantes de determinados bairros problemáticos como Xipamanine, Chamanculo, Mafalala e outros tantos que abraçam a grande e anárquica cidade celebram, paradoxalmente, o cair dos blocos disformes de gelo, que produzem, ao desabarem por sobre as chapas metálicas de zinco, um som que nos recorda o ribombar dos últimos tiros disparados para a cordilheira de Gorongosa pelas FADM, contra os nossos próprios irmãos. Parece o anúncio de uma tragédia, de uma hecatombe sem precedentes.
No lugar de se esconderem debaixo dos seus tectos, todos saem para as ruas e para os becos, repetindo as palavras de ordem que ouvem de alguém invisível. Caminham, aos magotes, para a mesma direcção com os punhos erguidos. Os homens apertam os cintos e as mulheres fortificam as capulanas e ajeitam os lenços de cabeça.
Ouvem-se, em todos os lados, canções antigas de revolta, de liberdade e de vitória na mesma cadência sincronizada por um maestro misterioso. E o destino parece agora estar mais do que claro, é a Praça da Independência. Todos vão para lá. Repetem-se “vivas” e “abaixos”, como nunca. Quando a multidão invadiu a cidade, debaixo do granizo e da chuva fininha que continuam a cair, os moradores das flats desceram para fazerem parte da procissão. As mulheres e os homens que ainda se encontravam na tarefa de arrumar os seus produtos abandonaram o trabalho e seguiram a voz que não parava de apelar.
– Abaixo a tirania!
– Abaixoooooooooooooooooo!
– Abaixo o despotismo!
– Abaixooooooooooooooooooo!
– Viva o povo unido do Rovuma ao Maputo!
– Vivaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!
– Viva Moçambique para todos!
– Vivaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!
Parou de chover e, em pouco tempo, já não havia qualquer vestígio do granizo, nem do nevoeiro que despertaram a Grande Maputo. Os “vivas” e os “abaixos” são agora mais nítidos. Mais vigorosos, e a Praça da Independência está mais cheia de gente do que nunca. As canções são cada vez mais retumbantes. E no palanque, onde desfilam muitas personalidades, avulta uma mulher que fala com sotaque nyungwe, excitando a multidão a unir-se, esquecendo as cores dos partidos.
– Viva a Unidade Nacional!
– Vivaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!
– Abaixo o enriquecimento ilícito!
– Abaixoooooooooooooooooooooooooooooooo!
– Abaixo o nepotismo!
– Abaixooooooooooooooooooooooooooooooooo!
Nos mastros que se erguem no lugar, só se vêem bandeiras nacionais. Não há símbolo de nenhum partido. Apesar de se reconhecerem figuras da Renamo, da Frelimo, do MDM e de tantos outros, rodeando a mulher que sorri com franqueza ao dirigir-se à multidão que continua a entoar as canções de liberdade, de revolta e de vitória.
– Moçambique hoye!
– Hoyeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee!
– Os tiranos, ziiiiiiiiiiiiiii!
– Ziiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
– Os ladrões, ziiiiiiiiiiiiiiii!
– Ziiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
– Moçambicanas, moçambicanos, hoje é o dia da nossa libertação. Viva a liberdade!
– Vivaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!
– A luta continua!
– Continuaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!
– Muito obrigada!
* Este texto é da pura imaginação do autor
Alexandre Chaúque