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EDITORIAL: Abuso de confiança

Há, pelo menos, duas coisas exasperantes no caso da Cesta Básica a conceder aos que auferem menos de 2500 meticais no meio urbano. Uma é não se ter aprendido nada com o passado (leia-se 1 de Setembro). Outra é a sensação desculpabilizadora mediante a invocação de uma medida que quer dizer tudo e quer dizer nada.

Era 7 de Setembro de 2010 quando sucedeu algo similar. Salvo erro ou omissão decorrente do tempo que passa e, porventura, de a memória ser cada vez mais selectiva e apagar tristezas ou acontecimentos indecorosos, houve um arroz de terceira qualidade, aprovado por causa das revoltas de 1 e 2 de Setembro, que nunca foi visto no mercado.

Os “vândalos” então baixaram o tom da revolta e o Governo escapuliu-se da responsabilidade ao prometer e, depois, não cumprir. Porém, como a fé em Moçambique parece ser mais forte do que a fome, ninguém se rebelou pela desfaçatez governamental. Aliás, se a população não era crente, crédula terá ficado, agradecendo aos “deuses” nos quais passou a acreditar por tão inusitada, quanto despropositada, benesse.

Percebe-se que o Governo tenha tomado uma decisão no calor das emoções quando se deu a revolta. Também se percebe que o ministro da Indústria e Comércio tenha caído por causa do ‘peso’ do pão e de um arroz que foi, na verdade, um altar à miragem.

O que não se percebe é que não tenha existido o tão propalado arroz e o povo se tenha contido no seu descontentamento. E o que não se percebe, de todo, é que não se tenham tirado ensinamentos deste caso para situações análogas, doravante.

Parece, todavia, que foi isso que sucedeu. O cântaro voltou à fonte e partiu-se outra vez. O Governo teve de aumentar o preço de combustível e, para conter possíveis revoltas, resultantes de uma óbvia escalada dos preços de bens de primeira necessidade “pariu” uma tal Cesta Básica. No entanto, tanto o Governo, assim como a opinião pública, sabiam que era impossível tornar tal benesse uma realidade.

Já se tinha dito, sabe-se, que a mesma, no caso de acontecer, seria uma gritante inconstitucionalidade pelo seu reduzidíssimo raio de acção. Aliás, a Cesta Básica é tão improvável que a STV reportou, na segunda-feira, que o Governo, no Conselho de Ministros desta terça-feira, anunciaria a sua suspensão.

Descoberta a coisa, veio o porta-voz do Governo, Alberto Nkutumula, dizer que o Conselho de Ministros “não falou sobre isso” e que, quanto à suspensão, se deveria consultar o meio de comunicação social que deu a informação. A questão que não obteve ainda resposta é muito simples: porquê?

Qual foi a razão que fez com que não se abordasse no Conselho de Ministros um assunto de âmbito e interesse nacional? Afinal a Cesta Básica não deveria ter começado a 1 de Junho? É um assunto que não interessa ao Governo? É um medida escrita a tinta que o tempo apagou? Foram medidas escritas a lápis? Foi uma chávena de café que se verteu sobre os papéis? Não estavam lá todos os elementos?

Alguém ficou pelo caminho? Voou pela janela do Gabinete do Primeiro-Ministro por causa de uma brisa vespertina? Não basta o que o vice-ministro da Justiça e porta-voz do Governo disse. O que ele afirmou é um altar ao vazio. O que não revelou é o que será feito das expectativas de quem aufere até 2500 meticais. Também não se referiu à alternativa a uma medida que se adivinhava insustentável. E será que dirá ao povo quando este sair à rua.

É, evidentemente, grave o sucedido. Por mostrar a insensibilidade do Governo. E cobrir de ridículo as instituições. Mas há, acima de tudo, um dado ainda mais grave.

É que, fechado em copas, o vice-ministro da Justiça não desculpabiliza, objectivamente, o erro ou erros praticados. Ele, Nkutumula, esqueceu que é porta-voz do Governo e não de uma simples sessão do Conselho de Ministros, pelo que é suposto esclarecer qualquer assunto de interesse nacional de que a Cesta Básica é disso um exemplo paradigmático.

O que o porta-voz veio dizer traduz-se em enterrar a cultura de responsabilidade que anda sempre arredia neste país. Aí está um comportamento triste que devia, sim, ser suspenso.

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