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Yoko Ono, a Bruxa

Yoko Ono

Foi acusada de tudo, nomeadamente de ter sido responsável pelo fim dos Beatles. Uma coisa é certa. Juntos, ela e Lennon foram incendiários. John morreu fez esta quarta-feira 30 anos.

 

 

“Yes, I’am A Witch” (Sim, sou uma bruxa), o título do álbum que Yoko Ono publicou em 2007, não é propriamente uma confissão; mas é seguramente (num tom que agradaria a John) a velha senhora a rir-se dos que nunca gostaram dela. A senhora, aliás, sempre nos pareceu velha…

Quando se soube do romance com John, ele tinha 28 e ela, uma brutalidade, 35. Velha, feia e japonesa. Logo um Beatle que podia ter todas as mulheres que quisesse; pois se até ao narigudo Ringo havia de mais tarde sair uma deslumbrante Bond girl… porquê, John?! Cada um sabe de si, claro. E mesmo as fãs acabaram por aceitar as sucessivas mulheres dos outros.

O problema com a bruxa é que, parece, ela deu cabo dos Beatles. Pois, se eles eram extraordinariamente complementares, como admitir a intrusa com quem cedo John começou um grupo paralelo, a Plastic Ono Band? Como fugir a culpá-la da separação dos Beatles em 1970?

A história, contudo, pode ter sido outra. Muito mais simples, por um lado: haverá coisa mais natural do que o divórcio de um grupo? Façam as contas: num quarteto referimo-nos a seis relações distintas, portanto seis vezes mais geradoras de conflito do que um casal; e isto explica porque muito grupo não aguenta tanto tempo como os Beatles (12 anos sem Ringo, oito com ele) ou a sobrevivência de antigas amizades em antipáticas firmas em que a ponte é feita apenas por advogados.

Por outro lado, e aqui as coisas terão sido mais complexas, a instabilidade de John vinha de trás e até a sua primeira mulher, Cynthia, o achava diferente desde o Verão de ´66. Ao regressar de Espanha, onde filmara com Richard Lester, o realizador dos primeiros filmes dos Beatles, o polémico “How I Won the War”, John vinha mudado, magro, como se o actor se tivesse transformado na personagem, com uns óculos redondos de desgraçado – que depressa se tornariam uns chiquíssimos óculos à John…

Drogas

Os Beatles anunciavam por essa altura que não dariam mais espectáculos e a relativa inactividade, em vez de o descansar, tornava-o ansioso; mais ainda do que já era. Há muito dado a drogas – speeds e tranquilizantes desde Hamburgo em 60, erva a partir de 64 –, John tinha-se atirado de cabeça ao LSD.

Já não comia nem bebia como um porco (era a sua descrição), perdera a cara de bolacha e tinha ar de tudo menos de pop star – dizia Cynthia, mal sabendo que muitas das estrelas da segunda metade da década se inspirariam no novo look de John. É este John meio perdido que no dia 9 de Novembro de 1966 aparece numa exposição em Londres de arte conceptual. “Arte aldrabada!”, começa por pensar e tenta troçar da artista japonesa que lhe pede cinco xelins para ele pregar um prego numa tábua: “Dou-lhe cinco xelins imaginários se ele me deixar pregar um prego imaginário.”

Ela mostra-lhe o resto da exposição e, quando o faz subir uma escada branca, no topo da qual John vê através de um vidro a palavra “Y E S”, os dados estão lançados: começara a balada de John e Yoko, primeiro um affair de 17 meses, depois um romance bombástico e um casamento que durou – com um interlúdio não menos estrondoso de 18 meses – até à morte de John, em 1980.

Yoko já era uma artista famosa nos circuitos de vanguarda, ligada a John Cage e a correntes neodadaístas, com exposições que davam brado em Tóquio, Nova Iorque e Londres. E era feminista e pacifista. “Eu queria fazer guerra ao meu passado, o John queria fazer guerra ao mundo”, diria ela mais tarde.

Juntos, são incendiários: casam- se em Gibraltar, passam por Paris, e em Amesterdão e Montreal organizam dois famosos bed-ins, de cada vez uma semana na cama, rodeados por incansáveis fotógrafos, manifestando-se contra a guerra e a favor da paz.

A Plastic Ono Band, que os dois formam com alguns amigos célebres, faz um rock militante em que até os títulos são slogans: ‘Give Peace a Chance’ (1969), ‘Power to the People’ (1971). Sobrevive ainda à morte dos Beatles e acompanha John nos seus primeiro e terceiro álbuns a solo – mas não em ‘Imagine’, curiosamente.

Álbum com famosos

Yoko canta por vezes, sozinha ou nos discos de John, aparentemente muito mal, embora o tal álbum de há três anos, “Yes, I’am A Witch”, esteja cheio de grandes artistas dos nossos dias que confessam a sua admiração por ela: Antony, Peaches, Porcupine, Tree, Sleepy Jackson, Craig Armstrong, Flaming Lips ou Cat Power, por exemplo.

Mas ela ainda está mais presente nas canções de John a solo – “A meio da noite chamo o teu nome, oh Yoko!” –, aparece ao seu lado nas declarações solenes, como se fossem uma pessoa só – “não acredito nos Beatles, só acredito em mim, Yoko e eu” –, adivinha-se nas baladas – “Oh meu amor, pela primeira vez na minha vida, os meus olhos estão bem abertos”; “não quis magoar-te (…) sou só um tipo ciumento” (“I’m just a jealous guy”).

Cynthia vai mais longe: a verdadeira mãe que Lennon imortaliza na canção ‘Mother’ é Yoko e não Julia, que morreu durante a adolescência de John. O antigo Beatle nunca perdeu o fascínio pela mulher dominadora que encontrara primeiro na tia Mimi. E Cynthia, que não deixa de reconhecer que John e Yoko tinham sido feitos um para o outro, lembra que a amante que John teve durante a crise conjugal de 73/75 foi escolhida e oferecida por Yoko.

No dia 8 de Dezembro de 1980, a história de John acaba mal, à porta de casa, com quatro tiros disparados por um fã tresloucado. Mas a história de amor acaba bem. Na capa do seu último disco, “Double Fantasy”, publicado três semanas antes, John beija Yoko. Lá dentro percebemos que ela é a mulher que ele canta em ‘Woman’. E ‘Just Like Starting Over’ é o anúncio público do recomeço da felicidade conjugal.

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