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Xitiku Ni Mbawula: uma banda que se inspira em África

Xitiku Ni Mbawula: uma banda que se inspira em África

Nos bairros Patrice Lumumba e Singathela, na cidade da Matola, vivem S G e Dinguizwaio, os rappers que actuam como defensores da cultura africana. Com o objectivo de resgatar os hábitos e os costumes da tradição africana, o elenco da banda Xitiku ni Mbawula interpreta as suas composições em Ronga e Chope.

A banda Xitiku Ni Mbawula cujo membro, S G, o Jornal @Verdade entrevistou, nesta semana, é a prova de que apesar de ter sido importado, em Moçambique, o Hip Hop está a – ou pode – ser utilizado como um veículo importante para a afirmação da identidade africana, através do emprego das línguas bantu, incluindo a narração de vivências que envolvem personagens locais. Acompanhe a conversa.

@Verdade: Fale-nos sobre o Xitiku Ni Mbawula.

S G: Na verdade, temos duas definições sobre esse nome. A primeira, literal, considera o Xitiku Ni Mbawula uma lareira, enquanto a segunda explicação tem em conta a relação que os africanos têm com o fogo, a fogueira, ou com o calor. Sabe- -se que o nosso continente é quente. Portanto, é no Xitiku (na fogueira), onde os anciãos – reunidos com a família – transmitem as suas experiências de vida aos mais novos, dando um grande enfoque aos temas mais importantes da vida: o lar e a sociedade no geral. Ou seja, o Xitiku Ni Mbawula é o lugar onde se prepara o homem do amanhã.

@Verdade: Há quanto tempo existe o grupo?

S G: É muito difícil precisar o tempo porque a nossa história é repleta de várias etapas. Tivemos de enfrentar alguns obstáculos que só superámos pelo amor que temos pela música. Se não tivéssemos perseverado já teríamos desistido há muitos anos. De qualquer modo, penso que a nossa carreira, como colectividade, começa entre 1996 e 1997.

@Verdade: A que obstáculos se refere?

S G: Seria exagero dizer que sofremos muito porque o que passámos até à actualidade é experimentado por qualquer artista moçambicano. Enfrentámos obstruções como fazedores de arte e como pessoas que vivem nesta sociedade. Como fazedores de arte, no início quando apostámos no Hip Hop, cantando em línguas nacionais, enfrentámos a dificuldade de ter de aprender a língua. Não fomos muito bem entendidos porque a nossa linguagem era diferente da dos demais rappers. Em Moçambique é duro ser diferente. Por isso, ficámos muito tempo sem publicar as nossas obras. Estávamos a estudar o mercado.

@Verdade: Que alcance gostariam que a composição “Samora Machel” tivesse, sob o ponto de vista de percepção e impacto social?

S G: A nossa inspiração foi o próprio Presidente Samora. Por exemplo, nesse tema mostramos à sociedade moçambicana, principalmente os jovens, até que ponto a conquista da independência e da paz foi um processo duro e difícil. Falamos sobre os feitos daquele líder político, recordando que, no seu tempo, as crianças eram consideradas “flores que nunca murcham” – o que hoje não acontece.

Os petizes da nossa época, se quisermos entendê-los como flores, estão a “murchar” por não têm quem os “regue”. De igual modo, também discutimos sobre as atitudes heróicas desse filho de Chilembene que lutou pela não segregação entre os homens. Supomos que desde que Samora Machel foi assassinado, Moçambique nunca mais teve um Presidente carismático como ele. O nosso país está a viver apenas de lágrimas e sofrimento.

@Verdade: O que origina essa desvalorização da criança?

S G: Acredito que, cada vez mais, a sociedade moçambicana está a perder o controlo sobre si. Tenho a certeza de que quase todas as crianças que se encontram nas ruas da cidade de Maputo, e não só, têm familiares. Mas, essa nossa atitude de ver uma criança como se fosse um objecto de lucro, para a prostituição, para o trabalho infantil e muitas outras coisas ruins acaba por desnortear os menores.

@Verdade: Qual é a vossa motivação para a utilização das línguas bantu na vossa música?

S G: Um artista quando ama e quer contribuir para o desenvolvimento da arte tem a obrigação de responder às seguintes questões: “O que quero fazer?” “Qual é o meu propósito?” “Que público-alvo pretende alcançar?” Portanto, o nosso público-alvo são as pessoas mais próximas de nós, a sociedade moçambicana. Para mim, nem todos os moçambicanos dominam a língua portuguesa. Por isso, este idioma não nos pode identificar como moçambicanos.

@Verdade: Qual tem sido a reacção desse público-alvo?

S G: Lamentavelmente, em Moçambique, quando o assunto tem a ver com as línguas nacionais, ninguém se identifica com elas. É como se ninguém fosse nativo desta terra. O pior é que, como fomos colonizados pelos portugueses – cujos hábitos e práticas alguns de nós perpetuam – certos moçambicanos consideram-se mais civilizados que os outros, sobretudo quando ignoram a sua língua local. Esta é uma realidade que tende a piorar. Por essas razões, primeiramente, a sociedade estranhou o facto de utilizarmos as línguas nacionais para fazer Rap.

Provavelmente, fomos mais atrevidos, persistimos, e, por isso, fomos acolhidos favoravelmente. O nosso primeiro público foi o urbano, porque as nossas primeiras actuações ocorreram na cidade. Lembro-me de que foi num show par o qual não havíamos sido convidados. No referido concerto havia muitos artistas conceituados. No entanto, por causa do incómodo que provocámos à organização, esta acabou por ceder-nos espaço para actuarmos. Foi esse tempinho que nos projectou como artistas. Na altura, a nossa banda chamava-se Blacks de Pedra.

@Verdade: Quanto tempo vigorou o nome Blacks de Pedra?

S G: Não foi muito tempo. Como Xitiku Ni Mbawula, o grupo sofreu muitas transformações. Aliás, antes de Blacks de Pedra fomos Ghost the Underground. Compúnhamos as nossas músicas em inglês. Mas nessa época éramos quatro pessoas. Mais tarde enfrentámos uma série de constrangimentos que precipitaram o fim do grupo. Foi a partir daí que eu e Dingizwaio formámos os Blacks de Pedra, fazendo o Hip Hop com recurso a línguas locais. Portanto, uma vez cantando em línguas locais, pensámos que deveríamos fazer um casamento entre o conteúdo e o idioma que usamos com o nome do elenco, a fim de sublimarmos a nossa identidade africana. Então, chamámos Xitiku Ni Mbawula à banda.

@Verdade: Qual é a vossa fonte de inspiração?

S G: Inspiramo-nos na vida, na sociedade em que vivemos e nos acontecimentos contemporâneos. Não abordamos um assunto específico. Diferentemente do que pensávamos dantes, que um rapper não podia escutar outro estilo de música, percebemos que os traços musicais, a experiência e o domínio artístico não têm nada a ver com o género de música que se escuta. Foi a partir daí que decidimos escutar todo o tipo de música, procurando encontrar alguma inspiração noutras formas de música. Além do mais, uma carreira artístico-musical também se faz ouvindo o trabalho dos outros artistas. O mesmo acontece com a literatura, a dança e o teatro. Por exemplo, nós andamos na mesma linha com rappers como o Azagaia, a Iveth e muitos outros.

@Verdade: Quais são os temas mais abordados nas vossas músicas?

S G: Temos uma particularidade. Na música não nos limitamos a criticar os aspectos negativos que se produzem na sociedade. Também sugerimos algumas soluções para sanar essas situações. Por exemplo, há uma coisa que me incomoda na esfera social. Em muitas famílias, agora, tornou-se comum que as pessoas se preocupem apenas em varrer a sujidade que se encontra no seu quintal – o que é legítimo. O problema é que depois – essas mesmas famílias – furam a parede que faz a vedação do seu quintal, para que águas sujas (ou da chuva) desagúem na rua, pura e simplesmente, porque pensam que a rua não é de ninguém.

Outra situação que me preocupa é o consumo de álcool e das drogas por parte de adolescentes e jovens. É muito lamentável o que as estatísticas nos mostram. Acredito que tudo seja premeditado, porque não faz sentido que num país pobre – e, quase, desorientado como Moçambique – haja bebida alcoólica à venda a um preço de dois meticais. Essas bebidas só vieram para ceifar a vida dos moçambicanos. Para mim aquilo é um veneno que corrói fibra por fibra.

@Verdade: O que acha dos artistas actuais no campo do Rap?

S G: Os objectivos e os propósitos de cada um são totalmente diferentes. O nosso foco é o resgate da história da sociedade moçambicana – o que, para muitos, é uma brincadeira. Estou consciente de que há artistas, de facto, que não fazem arte e, consequentemente, não transmitem conhecimento nenhum nas suas criações. A música não é uma melodia apenas, mas sim é uma educação. Para mim, o problema não é só dos artistas, mas também da imprensa. Porque é que só se exibem, em Moçambique, novelas estrangeiras? Será que nós não temos os nossos “Karingana Wa Karingana?” E sempre que alguma coisa falha, ou que a sociedade se corrompe, acusa-se a juventude de não estar a valorizar as nossas raízes.

@Verdade: De 1996 até os dias actuais, decorreram 18 anos. Que balanço faz desse percurso?

S G: Conquistámos a atenção e o carinho do público, principalmente dos moçambicanos. Esse era o nosso objectivo. Por isso, orgulhamo-nos muito por esses resultados. De todos os modos, só nos sentiremos realizados quando conseguirmos publicar o nosso primeiro trabalho discográfico.

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