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Pandza: Xiphongo

O xiphongo, o macho adulto, mais barbudo e mais chifrudo dos caprinos, surgiu imponente do meio do capinzal, espantando os gafanhotos. Deixava para trás um trilho de bolinhas pequenas e ressecadas, uns quase berlindes cocozinhos negros.

Chegou à clareira, lugar de pasto, balançando as barbas e arrastando no pescoço uma corda, gravata de todo o caprino que se preze. Os mbutes, cabritos de pouca idade, imberbes e com chifres miúdos, silenciaram imediatamente, interromperam o pasto e, levantando-se, submissos, acompanharam-no com os olhares receosos.

Atrapalhadas, as cabras cumpriam as tarefas protocolares, acompanhavam o xiphongo, indicavam-lhe os caminhos, caminhando aos saltos, naquela posição vergada, de disponíveis. Ao contrário o xiphongo movia-se com passadas lentas, mas largas e firmes.

Patas finas aguentavam-lhe a barriga enorme, cheia de capim. Entre as patas traseiras, por baixo da cauda, um saco de duas bolas, enorme, à medida de um xiphongo, gingava ao ritmo dos seus passos. Era o tamanho do saco, das barbas e dos chifres que lhe conferiam o magno estatuto de xiphongo.

Subiu para o quase estrado que uma pequena elevação no terreno irregular fazia, endireitou a coroa dos chifres, pôs as patas dianteiras num morro de muchém, pronto a discursar, e olhou para os seus semelhantes, autorizando-os a sentarem-se.

As cabras que o escoltavam afastaram-se e arrumaram-se nos fundos, nos cantos, aguardando as suas tarefas protocolares. Aos poucos aquele lugar de pasto transformara-se numa sala de reuniões. Ate? o vento e o capim interromperam as matreirices de se perseguirem e abanarem, e prestaram atenção.

Nenhum caprino fazia ideia da razão desta reunião extraordinária, mas perceberam que viria tempestade, pelo céu nublado na cara do xiphongo.

Com cara de muito poucos ou nenhum amigo, o bode mor fez uma pausa, rebuscando no armazém do seu universo lexical as mais bélicas palavras a serem proferidas no discurso, deixando os cabritos mais impacientes, mordendo furtivamente os lábios. Não tardou que o discurso explodisse, sem salamaleques nem cumprimentos.

– Senhores, quem foi o cabrito, o cabrão, o filho de uma cabra, que comeu onde não estava amarrado? Um silêncio gélido antecedeu os sussurros. Negando culpas, os cabritos murmuravam com os seus botões criando uma música ruidosamente dissonante.

– Esse fulano não dignifica a espécie. Onde já se viu um cabrito comer onde não está amarrado? Isto e? grave! Muito grave! – enfatizou o xiphongo. – Quem não sabe aqui que um cabrito deve comer onde estiver amarrado? Há aqui fulanos oportunistas, esticam ou rebentam as cordas que lhes amarram, e comem capim muito além do raio de pasto que lhes e? permitido.

Não há transparência no pasto. Há cabritos a favorecerem-se prejudicando os outros. Deviam ter vergonha esses funcionários do capim que não dignificam a corda que vestem no pescoço – desabafou, segurando com orgulho, no seu pescoço, a corda, gravata que amarra os cabritos.

A reunião corria nesse tom ameaçador, o xiphongo berrava e espalhava perdigotos que faziam arco-íris com o sol distraído, preguiçoso, alheio à reunião, quando um cabrito puto, naquela idade em que se acredita que as reuniões podem melhorar o mundo, levantou a pata, com inocência à flor dos pêlos, e disse: –Méeeee!, pedindo a palavra, e atiçando sussurros.

Quando o xiphongo se calou cedendo antena, uma cabra em tarefas protocolares, jingando no salto alto dos seus cascos serviu-lhe água, que sorveu em tragos rápidos, mais diluíndo a zanga que molhando a sede.

– Camarada xiphongo, – disse o cabrito puto – nos dias de hoje é difícil comer apenas onde estamos amarrados. A corda está curta e o pasto é escasso e seco. Não há boladas de capim, e à nossa volta só vemos bolinhas dos nossos cocozinhos, fica difícil não soltar a corda.

Fez-se silêncio. Não que o mbutinho tivesse dito algo que não se soubesse, mas porque as bocas entreabriram-se de espanto, pela coragem inconsequente do jovem. Antes que os outros, encorajados, dessem seguimento às explicações do caprino miúdo, o xiphongo cortou-lhes os ânimos.

– Senhores, estamos em tempo de crise. Austeridade ate? no pasto! Se continuam assim corremos o risco de reduzir o comprimento as gravatas. A partir de hoje, quem não respeitar as regras de comer apenas onde estiver amarrado pode ser julgado e ir parar numa panela. Não toleraremos cabritos que não respeitam o pasto alheio.

Enquanto o xiphongo se retirava zangado, e os sussurros começavam a despontar como um sol nascente, que respeita a noite mas não concorda com a sua escuridão, ouviu- -se conversar baixinho:

– Cabrito que julga cabrito tem quantos anos de corrupção?

– Méeee! – respondeu o outro.

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