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Xikwembo – Das despedidas

Saio de casa, passo em frente aos CFM. Passo as paragens cheias de pessoas. As mamãs carregadas de trouxas na cabeça, os bebés adormecidos nas costas, os pais arrastam as crianças mais pequenas por um braço. Aqui as pessoas apanham os machibombos para Lllllllllllllllllllllllllllllááááááááááááááááááaaaaaaaaaaaaaaaaa! Para longe. E não vejo cenas de despedidas. Aquelas cenas, sabem do que falo, o cinema está cheio delas, e as estações rodoviárias, de metro, de comboio, lá de Portugal também. Daqui as pessoas partem. E é verdade que também chegam mas – talvez fruto da minha origem – quando olho estes espaços vem-me sempre a melancolia triste da saudade.

O sentimento precoce das partidas. Sinto que aqui, em África, se vive com mais intensidade o agora. E por variadas razões. E as despedidas são fugazes gestos quotidianos. Bênção de boa viagem talvez, envio de saudações para os que estão lá também, mas só. Têm razão, manos, porque as despedidas são armadilhas… tal como nas visitas-relâmpago e nas viagens, os encontros têm a falsa magia do efémero, nas despedidas também o sentimento é falso.

Ali tudo o que aconteceu parece bem, e fi ca doce o passado, mesmo que muito recente, e fi ca mágico o futuro, mesmo que impossível. E o momento, esse sim, real, quase não o sentimos… a melancolia, a tristeza, ou mesmo a alegria que possa existir não são do minuto em que nos separamos. Isso não existe, ali, naquele café, naquele hotel – o que vive ali é o que não devia ter direito para viver – o passado e o futuro.

E a mim as despedidas apanham-me sempre… engano-me. Sinto-o no abraço especial dos amigos de infância, no passo atrás de uma separação, no último segundo antes de assinar um divórcio, no olhar lacrimejante da mãe, no “até logo” vago dos amantes de uma noite, no afago triste no focinho de um animal que já não sentimos nosso… nessa melancolia estranha que vem só da insegurança do tempo – quando? E se não nos encontramos nunca mais?

Há qualquer coisa na despedida que nos faz querer mais coisas da pessoa e daquele sítio para onde vai. Coisas que não queremos de facto! E alongamo-nos em lamentos, interiores ou verbalizados: que não fi zemos isto ou aquilo, que passou tão depressa… E muitos de nós, dos que não resistem ao silêncio e temem a dor seguem em promessas: mas vemo-nos outra vez, logo que chegar ligo, eu volto, e para a próxima fazemos isto e mostro-te aquilo…

E tantas vezes as promessas são falsas, mas acreditamos, faz-nos sentir melhor… E se todas estas questões ocupam a nossa mente nem sequer estamos bem aqui, eu já não sinto a pessoa cá e ela também já está meio lá… a despedida dói, porquê? Aquele momento de fechar a porta, adiamos – os olhos na fresta. No desligar do telefone brincamos com os namorados “desliga…”, “agora! Desliga tu”, “ya, vou desligar, ta a acabar crédito”, “oh! Sim, desliga!”, “afi nal?”, “na wenna? Desliga lá”, e em tom cada vez mais meloso “mas não desligaste…” E mesmo nos aeroportos, quando passaram a segurança, o corredor, quando se fechou a porta do avião, nós espreitamos, em bicos dos pés.

Eles, os que partem, deslocam o pescoço em ângulos impossíveis, para quê? O momento da despedida só é diferente dos outros psicologicamente. Só custa porque sabemos, em audaz certeza, que vamos deixar de ver aquela pessoa. Mas não é assim, percebem?

E das duas uma, ou passamos a sentir assim todos os momentos, porque a verdade é que não se sabe quando estamos a ver pela última vez uma coisa… ou então tratamos as despedidas como momentos assim, normais: Tata

por : Joana Fartaria

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