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Viver cercado de água

Viver cercado de água

O Distrito Municipal Ka Nyaka ou simplesmente Ilha de Inhaca, dista a pouco mais de 50 quilómetros da cidade de Maputo. É uma zona cercada de água em todos os lados, com uma extensão territorial de 42 quilómetros quadrados.

A Ilha de Inhaca no extremo sul da província de Maputo, é caracterizada pelo seu isolamento do país, a vida não só é feita no interior do continente, pois o litoral também se afi gura um lugar preferencial para algumas pessoas, quer sejam nacionais, quer sejam estrangeiras, estas últimas que movidas pela força do turismo, saem dos seus países para usufruírem das maravilhas que as belezas paradisíaca e paisagística a pérola do Índico proporciona.

O distrito Ka Nyaka é relativamente pequeno em densidade populacional e extensão geográfi ca. A sua composição física, caracterizada por planaltos, montanhas e declives, confere-lhe uma invulgaridade tal, que chega a parecer um lugar inabitável, uma vez que as matas que existem no Ka Nyaka dão uma sensação de ser um habitat de animais selvagens que se calhar podem ali não existir.

Se para os moçambicanos as matas constituem um lugar menos confortável e repulsivo, para alguns estrangeiros não se pode dizer o mesmo. Eles fazem destas, lugares preferenciais e propícios para inalar um ar puro e esquecer alguns problemas que a vida se lhes impõe ou simplesmente para um deleite.

Na ilha de Inhaca os turistas ou visitantes têm interesses bem defi nidos, como passar um fim-de-semana, férias, uma parte do dia e voltar às suas procedências. No entanto, existem os nativos que noite e dia sentem na pele as difi culdades e dores que uma vida isolada impõe.

São moradores que não só olham para Ka Nyaka como uma referência turística no país, mas preocupa-lhes o facto de não se poder comunicar facilmente com o centro da capital do país e todo o resto, daí as consequências decorrentes que vão desde o elevado custo de vida, caracterizado pela alta de preços de produtos alimentares, passando pela falta de transportes de Maputo para Inhaca e vice-versa, até à falta de instituições de ensino e o fraco abastecimento da água potável e da corrente eléctrica da rede nacional que ainda não abrangeram na totalidade os três bairros.

O dia-a-dia dos ilhéus

Quando Teresa Pinto nasceu na Ilha de Inhaca, contava o ano de 1975, dia em que o país todo celebrava a sua independência, libertando-se do jugo colonial português que não só oprimia aos moçambicanos, como também os reprimia, diga- se de passagem, recorrendo a métodos desumanos e imbuídos de crueldade.

Os pais da Teresa são nativos de Inhaca, e por ser uma zona situada no litoral, desenvolviam a actividade pesqueira e venda de mariscos.

“O meu pai sempre foi pescador, trabalhava por conta própria, diariamente assim que o tempo o permitisse pegava nas suas redes de pesca e a bordo de um barco movido a vela fazia-se ao meio do mar. Dos mariscos que ele conseguia, tirava uma parte para subsistência familiar e outra dava a minha mãe para vender”, conta para depois acrescentar que foi graças ao rendimento proveniente dos mariscos (peixe, camarão e caranguejo) que os seus pais mais do que arcar com as despesas familiares, conseguiam sustentar os seus estudos, desde o pagamento da matrícula até à compra de material escolar diverso.

Esta senhora que agora é mãe de dois filhos, disse que ‘Inhaca de hoje’ é muito diferente da que era dantes, já deixou de ser uma ilha quase que “esquecida”, são muitos os turistas nacionais e estrangeiros que se fazem àquele local para desfrutarem das maravilhas e da beleza natural que a ilha oferece. Dado o facto de ter um potencial turístico, nota-se nos últimos tempos a construção de pequenas e grandes estâncias turísticas, de infra-estruturas sociais como escolas, hospitais, entre outras.

Zefanias Mathe vive no Distrito Municipal Ka Nyaka há sensivelmente 15 anos. Para ele este pedaço de terra no meio das águas oceânicas, está em franco desenvolvimento, aliado ao crescente número de turistas que visitam a ilha para lazer e diversão.

“A falta de transporte internamente é um grande problema. Não existem chapas para nos deslocarmos de um lado para o outro, sendo que no caso de viagem por entre o interior do distrito temos que recorrer ao aluguer de viaturas ou táxis, cujos preços praticados revelam-se altos. Porque não temos outra alternativa, somos obrigados a pagar muito dinheiro”, conta para depois acrescentar que algumas pessoas para saírem de um bairro para o outro fazem o percurso a pé.

A despeito dos problemas que Ka Nyaka atravessa, existem boas coisas que vale a pena fazer referência. Se nalgumas partes do país a criminalidade é um delfim para as pessoas, na Ilha de Inhaca, o cenário é avesso, ou seja, quase que não existe a criminalidade uma vez que são poucas as pessoas que dedicam as suas forças e musculatura à expropriação de bens alheios.

“Nós andamos noite dentro sem nenhum problema, e raramente se pode ouvir que a casa de fulano ou sicrano foi assaltada. No entanto, como em qualquer lugar, existem daquelas pessoas que na via pública extorquem telemóveis às pessoas, sobretudo durante a noite, mas são casos muito raros”, comenta para depois acrescentar que o Distrito Municipal Ka Nyaka por enquanto está livre da criminalidade, prevalecem a tranquilidade e ordem públicas.

Falta de escolas secundárias

Nélia Adelaide conta com 18 anos, frequenta a 9ª classe, e a falta de estabelecimentos de ensino secundário da 8ª a 12ª classe nos três bairros constitui um grande problema.

“Quando os alunos transitam para a oitava passam por um penoso exercício. Há pessoas que vivem no bairro Inguane e para apanharem uma escola secundária têm que se deslocar até ao bairro Ribsene. A situação agrava-se por não haver transportes semi-colectivos de passageiros (chapas) de um lugar para outro, a não ser que se recorra ao aluguer de viaturas, cujos preços são proibitivos e atentam contra os bolsos da pacata população”, afirma.

Neste distrito com cerca de 5.200 habitantes existem 4 escolas do nível primário e apenas uma do ensino secundário que lecciona da 8ª a 12ª classes, sendo que todos os graduados da décima classe que desejam continuar com os estudos concentram-se nesse estabelecimento de ensino que se torna cada vez mais pequeno, atendendo ao volumoso número de alunos que transitam para o segundo ciclo secundário.

Estudantes proibidos de fazer ensino superior

Se pelo menos existe uma escola secundária que acolhe todos os graduados do II ciclo provenientes dos três bairros do Ka Nyaka, o mesmo não se pode dizer em relação ao ensino superior. Não existe se quer alguma instituição que leccione para além do ensino médio, facto que impede os graduados da 12ª classe de prosseguirem com os seus estudos.

Sebastião Macuácua concluiu o nível médio o ano passado,e tinha como objectivo dar continuidade aos seus estudos. No entanto, não pode fazê-lo por falta de uma instituição de ensino superior quer seja privada, quer seja pública.

“Agora estou em casa sem fazer quase nada. Tinha muita vontade de continuar a estudar, mas as condições não o permitem. A única possibilidade que eu tenho é estudar fora da Ilha, por exemplo do outro lado da cidade e província de Maputo. Porque há uma escassez de transportes marítimos de e para o nosso distrito, só posso estudar vivendo lá mesmo”, conta visivelmente agastado com a realidade por que passa naquele ponto do país.

São muitos os estudantes que vivem no distrito do Ka Nyaka e que se encontram na mesma situação que a do Sebastião, pois tendo concluído o ensino médio, não podem dar continuidade, por falta de uma instituição de ensino superior dentro da ilha.

Ka Nyaka livre da criminalidade

Segundo o administrador do Distrito Municipal Ka Nyaka, Sarmento Saul, naquele distrito existem actualmente cerca de 5.200 habitantes, distribuídos em três bairros, nomeadamente Ribsene, onde se encontra a sede do distrito, Inguane (maior em extensão territorial e mais habitado) e Nyakene (menor em extensão territorial e menos habitado). Sendo que cada bairro tem a sua divisão administrativa que são os quarteirões. Periodicamente o governo distrital reúne-se com a secretária dos bairros para poder medir o pulsar da vida das comunidades.

Os encontros, nalgumas vezes, têm sido abertos, onde os moradores manifestam as suas preocupações ou dificuldades que enfrentam dentro dos seus bairros e juntamente com eles procura-se traçar mecanismos para resolvê- los. Segundo afirma, as reuniões de prestação de contas a nível do distrito são de seis em seis meses, ou seja, duas vezes ao ano.

Em caso de necessidade realizam outros encontros para resolverem questões pontuais relacionadas com as comunidades e com a vida do distrito no geral. A nível do distrito Ka Nyaka existe um centro de saúde e uma esquadra distrital da PRM na vila-sede e em cada bairro existem postos de saúde.

“Nós podemos dizer com toda a certeza que não obstante alguns problemas que o distrito possa atravessar, é preciso realçar de pés afincos que Ka Nyaka é um distrito calmo, com prevalência da ordem e tranquilidade públicas. No entanto, existem raros e escassos roubos de pequena monta, como por exemplo extorsão de telemóveis e carteiras às pessoas que passam pela via pública, sobretudo à noite”, conta.

O administrador disse que o potencial do Ka Nyaka é o turismo, seguido da pesca, existindo também uma variedade de actividades secundárias ou terciárias. Com o Fundo de Desenvolvimento Distrital (FDD), vulgo “sete milhões”, nota-se um surgimento de indústrias de pequeno e médio calibre, nomeadamente serralharia, panifi cadoras, carpintarias, entre outras.

Em termos de infra-estruturas turísticas, o Hotel Pestana Inhaca é o cartão de visitas para os turistas, sendo no momento a maior unidade hoteleira naquele distrito. Existem também outras estâncias turísticas pequenas ao longo da vila-sede, pertencentes aos ilhéus.

Há sensivelmente dois quilómetros do Ka Nyaka existe a ilha dos Portugueses ou dos Elefantes. A zona foi declarada pelo governo como uma reserva, sendo que ninguém lá vive, apenas pode ser visitada por turistas que vão e voltam no mesmo dia. Recentemente foi erguida no interior da ilha uma infra-estrutura, onde os turistas podem divertir-se, apanhando a brisa marítima e vendo a beleza natural e paradisíaca que aquele cerco de água oferece.

Relativamente aos problemas que o distrito litoral do Ka Nyaka atravessa, o da falta de transportes públicos ou semi- -colectivos é o mais preocupante e o que mais tira sono aos ilhéus, estes que não raras vezes vêem-se na obrigação de percorrer quilómetros a fio de um bairro para o outro por falta de transporte.

Sarmento Saul ajuntou que a escassez de escolas do ensino secundário e a inexistência de uma instituição do ensino superior impede que muitos estudantes prossigam com os seus estudos, recorrendo para o efeito, a escolas da cidade e província de Maputo, cuja trajectória também é condicionada, dada a falta de transportes marítimos de Maputo para Ka Nyaka e vice-versa.

Alta de preços

O elevado preço de produtos alimentares e não só, deve-se ao facto de, para comprar os mesmos ter de se recorrer à cidade de Maputo, para onde tem que se fazer a travessia de barco seja privado ou público.

Devido ao pagamento pelo carregamento dos produtos do armazém para o porto e seu transporte nos barcos de Maputo/Ka Nyaka, os agentes comerciais desembolsam muito dinheiro e em virtude disso, vêem-se na obrigação de aumentar os preços desses produtos, o que dificulta ou complica mais a vida de algumas famílias de baixo rendimento.

Por exemplo um saco de cimento nacional ronda entre os 380 e 400 meticais, quando cá do outro lado da margem o preço, nos últimos dias, tem estado a reduzir substancialmente, chegando até a custar o saco de arroz de 50 quilogramas, 235 e 254 meticais, e um saco de 25, 750 meticais, entre tantos outros produtos que, se comparados com os praticados na cidade de Maputo, os preços saem quase a dobrar.

Esta alta de preços deve-se ao custo de transporte no carregamento dos produtos, dos armazéns, para o Porto e do Porto ou ponte-cais para o distrito de Ka Nyaka, uma viagem que dura cerca de três horas.

Entretanto, os dois barcos que circulam de Maputo para Ka Nyaka e vice-versa, viajam apenas duas vezes ao dia, sendo uma de manhã por volta das 8 horas, com a partida para Inhaca e outra no regresso às 15 para Maputo.

Portanto, é quase impossível trabalhar na cidade ou província de Maputo, vivendo no distrito Ka Nyaka, isso devido à restrita e condicionada circulação dos transportes marítimos que operam para os dois lados.

O barco da Transmarítima de Maputo (empresa pública) cobra uma tarifa que ronda os 250 meticais por passageiro em cada viagem e o barco pertencente aos Serviços Marítmos de Ka Nyaka (empresa privada) cobra 1750 meticais por cada passageiro, ida e volta, no verão, e, no Inverno, 1500, sendo que os ilhéus pagam pouco menos de 300 meticais.

Taxas obrigatórias pela conservação da ilha

Segundo o administrador de Ka Nyaka, os viajantes ou turistas nacionais ou estrangeiros que queiram visitar a Ilha de Inhaca devem pagar no momento do desembarque uma taxa de 100 meticais no caso de nacionais e 200 para estrangeiros. Estas taxas são relativas à conservação e preservação da ilha.

No entanto, os nativos e moradores de Inhaca estão isentos destas taxas. Saul acrescenta que a Ilha de Inhaca para servir de um potencial turístico e manter o seu legado na área, deve ser conservada e investida nos mais variados âmbitos, como por exemplo na construção de infra-estruturas turísticas, de escolas, estradas, criação de uma rede de transportes internos, limpeza e mais.

Tudo isto com o fito de acolher, da melhor maneira, os visitantes, turistas nacionais e estrangeiros que escalam aquela ilha que carrega consigo um simbolismo histórico.

Refira-se que tanto a Ilha de Inhaca como a dos Elefantes ou dos Portugueses que distam uma da outra pouco menos de dois quilómetros da água, são geridas e controladas pela Universidade Eduardo Mondlane, e a ideia de pagamento das taxas foi desta instituição de ensino superior.

A sombra onde Samora relaxava

Ao lado da Administração do Distrito Municipal Ka Nyaka, a nossa reportagem pôde ver a sombra da árvore de canhueiro onde o primeiro Presidente de Moçambique Independente, Samora Moisés Machel, tinha como seu lugar preferencial para refrescar ou relaxar. Fazia-o por volta da década 60 quando trabalhava como enfermeiro no centro de saúde de Inhaca, na altura sob o controlo do distrito de Matutuíne.

Segundo fontes ouvidas no local, na Ilha de Inhaca, Samora trabalhou quase dois anos, tendo depois partido para a Tanzânia onde iria juntar-se à Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). No Ka Nyaka Samora teve a sua primeira esposa, sobeja e carinhosamente tratada por “vovó sorte chai”, (salvo erro), com a qual presume-se tenha tido dois filhos.

Actualmente a unidade sanitária onde Samora trabalhava, serve de residências dos funcionários que trabalham no centro de saúde ora em funcionamento na sede do distrito.

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