– Porque não te suicidas?
– Todos sugerem-me essa merda!
– E então, estás à espera de quê para avançar?
– Estou à espera de estúpidos como tu para me trazerem a corda!
– Eu, no teu lugar, já teria dado o passo!
– Para onde?
São amigos de infância. Andam na casa dos cinquenta. Já experimentaram tudo na vida, e agora não lhes resta mais nada senão esperar. São inveterados no álcool. Bebem todos os dias numa barraca chamada Zinkomu Kwambili, no bairro de Siquiriva, arredores da cidade de Inhambane.
E o nome desse local onde as pessoas se esborracham diariamente foi dado em homenagem a um nyandja vindo de Ulóngwè, em Tete, que se tornou famoso por possuir machambas imensas habitadas de cannabis da melhor qualidade, cuja semente foi trazida daqueles terras férteis e reproduzida incrivelmente com a mesma intensidade em termos de “perfuração”.
No lugar de ficarem entorpecidas, os que “batiam essa buma”, revigoravam-se. Levitavam e, mesmo os que tinham um quoficiente fraco de inteligência, pensavam como sábios. As autoridades policiais, nesse tempo – estou a falar do tempo colonial – sabiam da produção da cannabis sativa e conheciam o seu mentor, mas não faziam nada, ou seja, fumavam também, encomedavam grandes quantidades que depois eram revendidas em outros mercados ou simplesmente oferecidas a amigos de perto e de longe. Era a “passa” de Zinkomu Kwambili que fazia amizades, que unia as pessoas, que juntava as almas, que apertava as mãos umas das outras, que ensardinhava os bebedores em noites de conversas de não acabar.
Mas hoje só ficaram as lembranças. Só se recorda da história daquele sítio, onde os dois amigos estão sentados, quem viveu nesse tempo e sentiu a respiração de um homem que gostava de agradecer a todos, mesmo aos que lhe faziam mal, ou que tentavam feri-lo. Por tudo e por nada ele dizia, zinkomu kwambili (muito obrigado, em nyandja, língua falada em algumas zonas da província de Tete e Niassa. E no Malawi. E na Zâmbia também).
Diferentemente daquele tempo, os que bebiam vinho português tirado directamente do barril e servido em enormes canecas de vidro, hoje resignam-se à venenosa bebida chamada Tipo Tinto, adorada e consumida pela juventude, que não se preocupa com os seus efeitos nocivos e irreversíveis.
No tempo de Zinkomu Kwambili bebiam e petiscavam saborosos pedaços de carne, confeccionados pela esposa, uma mulher nascida em Siquiriva, cujo amor foi tão forte que moveu um homem inteiro nascido em terras frias de Ulónguè para um lugar remoto. Aprazível por causa disso mesmo. Mas hoje a música é outra. Ou melhor, aquela vida nem é digna de ser comparada à música. Se for, então é uma sinfonia do diabo.
– Na verdade tens razão quando me sugeres o suicídio. Viver assim não dá. Pior do que isso, é estarmos aqui a assistir aos outros a viverem como reis, como se este país fosse da avó deles. Merda!
– É isso, meu irmão, estamos lixados. Estão sentados frente a frente no Zinkomu Kwambili. Bebendo o execrável Tipo Tinto.
– Sabes, meu irmão?
– Diz lá.
– Acho que não preciso de corda para me suicidar.
– Como é que vais caminhar para o cadafalso?
– Já estamos a caminho, meu “brada”.
– É verdade. O que nos safa é que a maneira que escolhemos para morrer é muito agradável. Dá prazer morrer assim.
– O Tipo Tinto, na verdade, mata devagar. Durante a “paulada”, a pessoa sente-se rei também, como os verdadeiros reis moçambicanos, que vivem no paraíso.
– Sabes o que é que me dói mais, meu caro?
– Não sei, meu irmão.
– O que me dói é que fumam eles e quem fica “pedrado” somos nós! – Eis que falas a própria verdade!
– O que me dói é que corremos nós e quem chega são eles. Isso é que me magoa. Magoa-me mais ainda, citando David em Salmos, que Deus já não seja o mesmo.
– Onde é que aprendeste isso?
– A vida dá-nos sabedoria sem nos apercebermos.
– Tens razão, meu irmão. Vamos beber. Que se lixe a morte.
– Viva Tipo Tinto!
– Viva!