Caótico e perigoso, o tráfego na principal porta de entrada de Moçambique pode cativar ou repelir o automobilista, mas é talvez preciso aceitar e entender que os dois aspectos andam juntos e tornam a condução um “safari fascinante”. É preciso sobreviver a tudo: aos “chapas”, à degradação das vias e à inexistência de grelhas…assim vai Maputo.
Quem circula pelas artérias da capital do país, sobretudo em meios de transporte terrestres, já se deve ter apercebido de que, em alguns troços, as grelhas de ferro fundido que vedam as galerias de águas pluviais e de esgoto há muito que lá já não estão. Aliás, em algumas ruas, nomeadamente no cruzamento entre as Ruas da Guarda e de Coimbra no bairro da Malhangalene e no cruzamento da Rua Nkunya Kilido com a Avenida Friedrich Engels, aquele material vai minguando a contagotas, obrigando os automobilistas a malabarismos hercúleos.
A mesma situação verifica-se na Avenida Marginal, concretamente na zona próxima ao Clube Naval, onde, em certos troços, não sobrou nem sequer um pedaço para contar a história. Na esquina entre a Avenida Tomás Nduda e Rua de Kassuende há bem pouco tempo a situação era idêntica até a edilidade optar pela introdução de asfalto, permitindo uma melhor circulação das viaturas. Porém, trata-se de uma solução que pode fazer submergir outro problema: o alagamento da rua. Quem assim afirma é o arquitecto Anselmo Cani. No entender deste académico, “as grelhas de ferro não são obras do acaso, pelo contrário, foram colocadas para permitir o escoamento de água para a sarjeta”.
Ainda assim, Cani refere timidamente que a colocação de asfalto, “pode ser uma solução técnica ou fruto de um estudo profundo.” Mas, acredita que uma das formas de pôr freio nos roubos “é a colocação de grelhas de betão armado.”
Nem tudo são grelhas
As pesadas placas ou tampões com os dizeres “Saneamento C. M. Lourenço Marques” utilizadas especialmente para fechar poços que servem as principais redes subterrâneas de saneamento também não escapam a acções de roubo e de vandalismo. Em algumas partes da cidade, as tampas de ferro fundido desapareceram e, em seu lugar, têm sido adoptadas as de betão armado; noutros pontos da urbe o cenário é diferente, os poços de inspecção continuam abertos e, à medida que o tempo vai passando, as pessoas vão atirando lixo, transformando-os em depósito de resíduos sólidos, o que dificulta o escoamento da água.
A intensa chuva que caiu sobre a cidade, na última quarta-feira do mês de Janeiro, veio colocar à prova o sistema de escoamento das águas pluviais que alagaram grande parte das avenidas, levando à paralisação da circulação de viaturas.
O destino das tampas e grelhas de ferros
As grelhas e tampas de ferro fundido retiradas vão parar a algumas sucatas existentes na cidade de Maputo e arredores, onde, devido à excelente qualidade da matéria-prima usada para a sua produção, são comercializadas ao preço de 10 meticais o quilo, diferentemente de outro material que é transaccionado a quatro meticais. Geralmente, os tampões e as grelhas chegam a pesar entre 16 a 20 quilos. Os compradores com licença para o efeito revendem-nos como ferro-velho no Porto de Maputo donde, por sua vez, são levados para fora do país. Cassamo, que há mais de 10 anos trabalha numa sucata comprando ferro para revender, disse que não importa o tipo de peça desde que seja ferro, ele adquire-o.
E acrescentou ainda que antes de comprar o ferro, procura saber junto do vendedor da sua proveniência, ou seja, ele afirmou que “não compro grelhas e tampas de proveniência duvidosa”. Outros compradores de sucata afirmam que já adquiriram grelhas e tampas, mas actualmente não aceitam fazê-lo porque se aperceberam de que são retiradas das vias públicas e isso pode criar-lhes problemas com as autoridades municipais. Refira-se que o preço de ferro é estipulado pelos compradores.
Sobreviver de ferro
Quando o assunto é a necessidade de sobrevivência, ousadia, imaginação e um pouco de criatividade são as qualidades exigidas numa sociedade de economia de mercado. Milhares de moçambicanos fazem-se a diversos cantos numa busca incessante pelo pão que falta nas suas mesas. Apanhar ferro e vendê-lo a sucateiros espalhados por toda a cidade é o caminho que Aurélio Manjate, de 26 anos, segue para ter, pelo menos, uma refeição por dia.
Há três anos que busca o sustento socorrendo-se da recolha de ferro que, por sua vez, vende a estabelecimentos que se localizam no bairro do Alto-Maé ao preço de quatro meticais o quilo. O nosso interlocutor afirma que por dia, em média, vende cerca de 15 quilos de ferro e confessa já ter comercializado grelhas mas, por serem bastantes pesadas e exigirem muito esforço para as retirar das estradas e também por o seu transporte ser difícil, optou por apanhar outro tipo de peças.
Os automobilistas têm a palavra
“É um verdadeiro martírio”. Esta é a opinião dos automobilistas interpelados pela nossa Reportagem em relação ao desaparecimento de grelhas em algumas estradas de Maputo, que lamentam o facto de o problema estar a tomar grandes proporções. De acordo com os automobilistas, por um lado, trata-se de um problema financeiro que assola grande número de moçambicanos e, por outro, não passa de uma atitude de falta de vergonha e respeito pelos bens de todos nós.
Os condutores foram unânimes em afirmar que o roubo de grelhas, além de criar lentidão no trânsito, provoca danos nas suas viaturas, forçando-os a visitas constantes aos mecânicos que, perante esta situação, sem dúvida, agradecem pois não faltarão barras de direcção partidas, entre outras peças inutilizadas.