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VI Festival Nacional de Cultura Muita parra e uva nenhuma

Trinta e dois anos após o 1º Festival Nacional de Dança Popular, Moçambique ainda continua a improvisar na organização de eventos de tamanha envergadura. As delegações foram transportadas como enlatados, as condições de alojamento foram deploráveis, o programa do evento mudou constantemente, não houve alguém que cruzasse toda a informação disponível sobre as actividades. Apenas os artistas disfarçaram, no palco, o caos que foi a organização…

O Festival Nacional da Cultura, aquele que, em ‘88, deu-nos a Companhia Nacional de Canto e Dança sofreu, durante cinco dias, de síndrome de pato gordo – sozinho não consegue  voar e quando voa não vai longe. Não é pato para reprodução, para gerar patinhos saudáveis para manutenção da espécie, é pato de panela. Em Chimoio, capital da província de Manica, ficou claro que o edifício da cultura nacional – leia-se artistas – foi votado ao abandono, com capim a irromper pelos cantos, com o ferro das infra-estruturas enferrujando ao sol e à chuva, tudo isto misturado com a abulia reinante em certo sector do próprio edifício.

Entretanto, algumas vozes clamam contra o Governo, contra o Ministério da Cultura, contra elas mesmas mas, exceptuando o cinema, o teatro e o Quirimbo, o Festival pareceu dormir em letargo à espera de qualquer coisa. Até quando?

Filme de uma (des)organização

A partida a Chimoio, capital da cultura em 2010, estava marcada para o dia 26 de Julho, às 4 horas, em frente a Biblioteca Nacional. Os convidados, uma parte da imprensa e o grupo vencedor do Festival da UEM fizeram-se ao local por volta das 3 horas de madrugada. Às 3h 50 souberam que a viagem já não teria lugar naquele dia: “Foi adiada para o dia 27”. “Como vamos fazer com a cerimónia de abertura?”, questionaram os jornalistas.

A resposta, essa, veio pronta: “Também foi adiada, terá lugar no dia 28.” Os motivo do adiamento da viagem, segundo a organização, estava relacionado com uma avaria no carro que devia levar as pessoas até Chimoio, mas ninguém explicou porque razão essa informação não foi veiculada no dia anterior. Efectivamente, algumas delegações provinciais ainda não se encontravam na capital da província de Manica, mas o argumento usado pela organização, para justificar o adiamento, foi a ausência do chefe de Estado, no dia 26, Armando Guebuza, que se encontrava em Kampala, capital do Uganda.

Aliás, a decisão de adiar, por um dia, a cerimónia de abertura visava, dizem, enquadrar a participação do PR. Entretanto, a falta de transporte e avaria de alguns veículos foram o principal motivo para o adiamento, uma vez que algumas delegações ainda não se encontravam em Chimoio.

Na viagem passou-se fome

O Ministério da Cultura foi claro: a viagem, a alimentação e o transporte seriam pagos pela organização. As pessoas também estavam cientes desse aspecto até chegar ao posto administrativo de Inhassoro, local escolhido para o almoço. A refeição, diga-se, tinha de ser e foi paga pelos passageiros. Algumas pessoas ficaram sem almoçar, o músico Aly Faque, por exemplo, foi uma delas.

Na capital da província de Manica, Chimoio, à chegada dos autocarros não se vislumbrava nenhum funcionário do Ministério da Cultura. Maria Emília, Chefe da Comissão de Divulgação, Comunicação e Imagem do Festival, informou que “não há carros para transportar as pessoas, por isso, têm de esperar”. No entanto, autocarros circulavam, quais formigas, pela Praça da Independência sem passageiros. Depois de meia hora chegou o primeiro carro e levou três pessoas, mas deixou mais de 50 no passeio.

Condições de alojamento

Delegações amontoadas, quais enlatados, comida podre, dias sem pequeno-almoço, dias sem almoço, lutar para ter um prato de comida; dormir sem cobertores… Eis a fotografia do alojamento em Chimoio. Entretanto, esses problemas não foram suficientes para que os artistas esmorecessem.

Organização satisfeita

Na conferência de imprensa apôs o encerramento do Festival, Armando Artur, ministro da Cultura, fez um balanço positivo do evento: “estamos muito satisfeitos com o nosso trabalho”, e acrescentou “quem regressa a casa não tem pressa (…) vamos chegar ainda que andemos a passo de camaleão.” “Nós como Governo de Moçambique estamos ciente de que atingimos os objectivos pelos quais promovemos os festivais nacionais (…) porque permitem um reencontro entre o nosso povo, permitem igualmente que no concerto das nações possamos dizer com firmeza que nós existimos como um povo que sabe o que quer, um povo que tem a sua própria história e que se orgulha da mesma. Com esses festivais queremos reafirmar o papel desempenhado pela cultura no processo da construção da nossa moçambicanidade. Estamos conscientes de que a nossa moçambicanidade é um processo sem fim”.

Armando Artur referiu ainda que o Festival só terminava quando as delegações, os convidados e os jornalistas chegassem aos locais de onde partiram, mas para o seu elenco, o evento acabou no dia em que as pessoas pisaram o Município de Chimoio. O regresso levou mais do que um dia…

“O Festival regrediu” Alvim Cossa, Coordenador do Grupo de Teatro do Oprimido

(@Verdade) – Que avaliação faz do Festival?

(Alvim Cossa) – Penso que o Festival de 2010 regrediu para antes de ‘78. O Festival de ‘78 esteve melhor organizado, melhor estruturado do que este. Há que repensar o objectivo do Festival, não podemos continuar a improvisar num festival desta dimensão. Repito, este está muito aquém do Festival de 78, em todos aspectos, organização, produção e clareza. Em termos de crescimento de produção de artistas dá para sentir que a cultura é uma arma poderosa, mas está nas mãos de quem não a sabe usar. Para mim, como artista, o estado não pode tentar, de forma ingrata, continuar como produtora de eventos.

(@V) – E qual seria o papel do estado?

(AC) – Apoiar, incentivar e ajudar a ir buscar recursos.

(@V) – Como olha para o Festival em termos de cobertura pela Imprensa? Este foi o Festival onde podemos ver a Televisão de Moçambique e a Rádio Moçambique a concederem espaço para apresentar a cultura como uma prática nacional e de interesse público, mas temos o Mozambique Fashion Week, o Festival de Teatro de Girassol. Nunca vi um Festival publicitado como o Festival Nacional de Dança da OMM. Será pela importância cultural ou pela da instituição que o organiza? Não podemos ser lacónicos com os nossos princípios.

(@V) Está satisfeito como artista?

(AC) – Como artista não estou feliz em nenhum aspecto quando olho para a produção do Festival, mas como artista estou feliz por ter visto os meus colegas a darem tudo para defenderem a sua parte. Por exemplo, com almoço atrasado ninguém deixou de dançar, sem pequeno-almoço ninguém deixou de ensaiar, com frio e manta curta ninguém deixou de fazer o seu papel. A cultura é uma força poderosíssima.

(@) O que ficou em termos de legado?

(AC) – No Festival de Xai-Xai ficaram instalações, mas para este não fica nada. O programa do Festival, por exemplo, está pejado de erros que eu teria vergonha de mostrar ao meu filho. A UNESCO trouxe propostas em termos de workshops, mas foram realizados apenas três no mesmo dia. Acho que não há capacidade humana para aprender sobre desenvolvimento de museus, aproximação e diversidade cultural, estatísticas culturais em tão pouco tempo.

O Festival deve ser organizado por profissionais- José Mucavele

(@Verdade) – O país esteve representado neste Festival?

(José Mucável) – Esteve representado, mas não bem. Poderíamos ter conseguido melhor.

(@V) – Como olha para o desempenho da organização…

(JM) – A organização fez o que pôde fazer. Notei algumas falhas, mas penso que para se chegar aonde chegou é porque se trabalhou.

(@V) – Há quem diga que este foi o pior Festival realizado no país em termos organizativos.

(JM) – Na verdade em termos do trabalho da equipa não foi o mais aconselhável.

(@V) – Também se diz que estamos a regredir em relação ao Festival de Xai-Xai.

(JM) – Claro que estamos a regredir desde o primeiro até ao VI Festival, na verdade fomos sempre regredindo e chegámos ao VI como a pior realização cultural feita no país, mas isso, se calhar, deve-se a falta de sensibilidade das pessoas que estão à frente da selecção dos artistas. Efectivamente, o que se pretende são artistas que representem o país em termos de qualidade, de execução de instrumentos, de canto, etc. Conheço alguns grupos de quase todas as províncias, nos quais há solistas melhores do que os que vi no Festival.

(@V) – O evento está bem entregue nas mãos do Ministério da Cultura?

(JM) – Acho que este é um evento de dimensão nacional e, por isso, deve ser organizado por profissionais competentes. Por exemplo, na selecção dos artistas é necessário que se escolham artistas que verdadeiramente possuam talento. Não acredito que alguns dos grupos que participam sejam, de facto, os melhores do país. Temos de mudar os critérios.

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