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‘@ Verdade Solta – Mais uma Promessa!

Cinco horas da manhã. Subúrbio de Maputo. Casas de lata e caniço. O sol levantou-se cedo soltando um sorriso que prenuncia a desgraça. Os homens, com olhares apreensivos, desfrutam o mau dia que insistiu em se levantar. As mulheres murmuram maliciosamente para a pobreza que se instalou nas suas casas.

Os velhos, bocejando, saboreiam os raios benignos do sol. As crianças, numa vã tentativa, procuram os restos do jantar em panelas assoladas pela fome. Os jovens remoem-se com ressacas depois de uma noite infrutífera. De repente soa um grito de pranto de dor. – Quanto tempo nos resta para vivermos? – Talvez um ou dois dias. Lamúrias descompassadas. Choros indefinidos. Angústia suave. Fome estampada nos lábios dos moradores do bairro. – Quem é esse que vem aí? O sol cresce e os raios queimam os pés descalços. As crianças gritam e correm atrás do Pick-up preto que invadiu a periferia.

O bairro inteiro lança olhares curiosos para a modernidade que expele fumo poluente. Um mar de gente aglomerado ao redor de uma das maravilhas do mundo. – Não toquem no meu carro, seus filhos de pretos! Frase felina. Ouvem-se murmúrios altissonantes. Sorrisos tristes. Como cães vadios envergonhados, as pessoas afastam-se. Desce do carro o político acompanhado por um assessor de imprensa, um intérprete e um guardacostas. Traz consigo uma pasta 007, telemóvel e carteira na mão, óculos escuros, veste um fato verde e uma gravata amarela. Com um movimento suave e ondular da sua enorme barriga, caminha em direcção à casa do secretário do bairro. – Bom dia senhor estrutura. – diz o secretário. – Não sou estrutura. Estrutura é você, eu sou doutor. A curiosidade devora ferozmente os moradores do bairro.

Os velhos enrolam o tabaco em folhas de bananeira. As mulheres recolhem as folhas que crescem em volta das casas de banho para o almoço. As crianças não tiram os olhos do carro sob vigilância do motorista que tem ordens para punir severamente quem ousar tocar no Pick-up. Os jovens, em pensamento, avaliam o preço dos faróis e das jantes no mercado negro. Os homens sisudos bocejam. – Aí tem coisa – comentam os moradores. Silêncio. – Convoca a população. Ordem acatada. O secretário do bairro mobiliza o grupo dinamizador. Em menos de trinta minutos o bairro já está informado. Uma multidão segue em direcção à escola primária do bairro. – Comício!? A esta hora!? Aí vem mais uma promessa. Assim vamos engordar de tanto engolirmos promessas. – Para de reclamar, vizinho. Não ouviste que devemos ter auto-estima?

Os moradores aguardam ansiosos pela entrada do político. Entoam-se canções revolucionárias. A demora não os incomoda, pois estão habituados. Finalmente, depois de uma hora e meia, o político chega ao local, qual imperador de Gaza. Na língua materna, uma idosa com os caninos destruídos diz: – Você não é Chico, filho do Mabessanhe? – O que é que essa velha está a dizer? – Perguntou ao seu intérprete. – Diz que se sente honrada com a presença do chefe. O secretário do bairro dá ordens para os moradores se levantarem. O político sobe ao palco improvisado, depois de o secretário do bairro ter lido o discurso de apresentação preparado para aquelas ocasiões solenes. Murmúrios silenciosos.

Rostos agastados por décadas de sofrimento. – Qual Francisco de Camões? Esse não é Chiquinho Mabessanhe que andava cheio de ramela nos olhos e matequenhas nos pés? – Foi estudar na terra do Vasco da Gama, lá mudou de nome e aprendeu a não falar a nossa língua. Bandido sem arma! Comentários anónimos. Com os olhos procuravam-se os autores dos mesmos. – Silêncio! O doutor vai falar. Olhares atentos. Ouvidos receptivos. – Moradores do bairro Que-se-lixem, eu, doutor Francisco de Camões Soares, trago-vos boas notícias.

Finalmente, vamos acabar com o vosso sofrimento. Vamos resolver o problema da pobreza absoluta nas vossas casas… – É pobreza aguda na fase terminal, Sr. doutor. – Gritou um dos moradores. – Tanto faz, portanto votem em mim e terão saudades deste momento de desgraças em que estão mergulhados.

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