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‘@ Verdade Solta: Laura

Há dias e dias. Há dias que correm serenos e numa lentidão de cortar a respiração, alguns com grandes sobressaltos que deixam o espírito em ebulição, enquanto que outros são como se não tivessem existido, pois, passam-nos a uma velocidade “mais rápida que de repente”. Aliás, existem também aqueles dias em que não gostaríamos de ter levantado da cama por nos deixarem com os nervos em franja.

Ontem, foi um desses dias em que se acorda e se descobre que os astros sem dó e nem piedade conspiram contra nós. Ou seja, foi mais um daqueles dias em que acordei com o pé esquerdo. Também há amigos e amigos. Há amigos que criticam e ajudam. Alguns têm humor apurado e outros nem por isso. Há uns cujos ouvidos parecem mais caixotes de lixos porque estão sempre ali para nos ouvir a choramingar quais bebés que lhes foi retirado o biberão.

Há os que, na noite em que vieram ao mundo, os pais sem dúvidas profetizaram: um rapaz assim só pode ser parvoíce em pessoa. E um desses é o meu amigo que não gosta de ser tratado pelo seu verdadeiro nome, se calhar por ser um apelido tão estapafúrdio quanto anedótico. E, acho eu, é uma das coisas pelas quais não perdoa os progenitores. Chamemo-lo Bryan, sim Bryan! Ele adora que o trate assim.

Numa manhã, ao despertar de mais um sonho raro, esbarrei-me com a cómoda. Respirei fundo numa vã tentativa de refrear a dor e tentei ser optimista. Nada de enervantes Shirangano, disse para mim mesmo, apesar de meu pé estar dorido. A dor era intensa, olhei para as horas marcadas conscientemente pelo tiquetaque do relógio da parede: 6h10. Arrastei-me até aos outros cómodos e pouco depois o toque grave do telemóvel apanhou-me desprevenido. Oh, meu Deus, pensei assustado, ainda morro de ataque cardíaco com os meus poucos vinte anos. É o Bryan na linha. Aí vem baboseiras, comentei.

– O que foi desta vez Bryan?

– Eh..! Estás azedo!

– Azedo!!?

– Sim, azedo.

– Não me digas que ligaste para dizer que estou azedo!!?

– Claro que não, Shir. Deixa de ser imbecil e apologista de meias frases jornalísticas desarticuladas – disse para depois comentar, desta vez num tom preocupado, – preciso da sua ajuda.

Senti tristeza e aflição na sua voz e pedi que viesse ter comigo. Passados cinco minutos, já cá estava. Cabisbaixo, cabelo desgrenhado e barba comprida davam-lhe um aspecto medonho. Nunca o tinha visto antes daquele jeito. Alguma coisa errada estava a se passar, pensei.

– Meu irmão Shirangano – começou por dizer -, de uns dias para cá tenho passado por maus bocados. Sabes que não só um homem que se deixa apaixonar facilmente…

Já imaginava que tinha mulher nesta estória, deixei escapar. Ele olhou profundamente para mim e vi-me numa situação desconfortável:

– Desculpa! Podes continuar a falar – disse.

– Bem… dizia, não me deixo apaixonar facilmente, mas quando conheci a Laura a minha vida tomou um novo rumo. Já estive com várias, a última foi Maria Madalena, mas perto da Laura sinto-me sem fôlego e rejuvenesço. Quando a vi pela primeira, foi uma espécie de amor à primeira vista, qual Romeu e Julieta, e disse para mim mesmo: “É com ela que quero ficar para vida toda”. Os meus pais nunca aprovaram a minha relação com as outras e pensei que com actual as coisas seriam diferentes…

– Sabes como é estes velhos querem sempre escolher por nós – interrompi

– Já agora: qual é a idade dela? – Nasceu em 1932.

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