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‘@Verdade Convidada: O estado da democracia moçambicana, por Elísio Macamo

O estado da democracia moçambicana Quando se aproxima o final do ano tudo tem que estar bom. O estado da Nação vai estar bom daqui a pouco, é só prestar atenção ao discurso do Chefe de Estado. É verdade que ainda há pobreza, falta de habitação e falta de transporte. Mesmo assim o estado da Nação é bom. Já agora, o estado da nossa democracia também é bom. Isso não quer dizer que não sejamos uma democracia de partido único, nem que tenhamos uma sociedade civil digna desse nome. Mesmo assim o estado da nossa democracia é bom e não vai ser por dizermos volta e meia que está mau, mau mesmo, que vai deixar de estar bom. Quer dizer apenas que, tendo em conta todas as circunstâncias, não podia estar melhor do que está. E quem gostaria que tanto o estado como a democracia estivessem melhor do que estão agora devia começar por se interrogar a si próprio o que tem feito no seu dia-a-dia, quando ninguém está a olhar, para que as coisas melhorem. Se não encontrar motivos para se envergonhar do seu próprio sentido de cidadania, então pode vir cá para fora dizer que está tudo mal.

A democracia não é uma essência, mas sim um processo. É um projecto de todos os dias que vive do empenho de todos nós na sua constante melhoria, mas também na sua adequação a novos desafios. Não existe no mundo uma democracia perfeita. Ou melhor, as democracias perfeitas que existem pelo mundo fora são aquelas que trazem dentro de si a capacidade de melhoria por dentro. Neste sentido, Moçambique tem uma democracia perfeita, ainda que jovem e que só pode crescer com o tempo. E ela tem crescido. Há 20 anos, quando se assinou o Acordo Geral de Paz, vivíamos num ambiente político fechado dentro do qual a articulação de opinião só era legítima se feita dentro das balizas ideológicas daqueles que detinham o poder político. Hoje podemos articular a nossa opinião fora dessas balizas e esse direito é até extensivo a quem não tem opinião, mas pensa que tem de falar também. Hoje o quadro político não se reduz à oposição entre a Frelimo e a Renamo. Temos também o MDM que nos últimos anos consolidou o seu lugar na esfera política nacional. Hoje temos uma imprensa diversa que vai desde quem acha que emitir opinião é apoiar o governo incondicionalmente, passa por aquele que acha que opinião só é opinião quando se critica o Governo até aquele que não tem opinião, mas acha que tem que escrever qualquer coisa. Hoje não temos apenas organizações democráticas de massas como a OMM, OJM e a OTM fora, por exemplo, mas também várias outras associações cívicas que articulam preocupações sociais legítimas, ainda que haja também ovelhas negras que vivem da articulação dessas preocupações. Mas mesmo essas ovelhas negras têm o seu direito de existência garantido no bom estado da democracia que temos.

Cada democracia tem a sua especificidade. A especificidade em si não torna uma democracia má ou boa. Indica os desafios que ela enfrenta e o carácter que ela vai assumir. A grande especificidade da nossa democracia consiste no facto de ser dominada por um partido. Não há nada de anormal nisso. Foi assim durante mais de 40 anos nos países escandinavos. Tem sido assim nos EUA, a não ser que alguém acredite seriamente numa diferença fundamental entre os Republicanos e os Democratas. Não é a alternância em si que faz a democracia, mas sim a sua possibilidade. Moçambique não vai ficar mais democrático no dia em que houver alternância política. Vai continuar democrático com outra gente para culpar pelos nossos problemas. Na verdade, a nossa especificidade levanta questões interessantes que têm criado muita confusão na esfera pública. Sistemas políticos dominados por um único partido têm a tendência de fomentar o oportunismo. O partido no poder atrai gente sem convicções políticas fortes que por necessidade de sua própria sobrevivência investem muito na produção da ilusão dum partido com poderes sobrenaturais. A esfera pública, sobretudo aquela sem sentido crítico apurado, toma essa ilusão pela realidade e toca daí a contribuir para a consolidação dessa ilusão com pseudo-críticas veementes contra esses “incompetentes e ladrões”. A sociedade civil, sobretudo aquela que vive dos problemas do povo, agrava o problema procurando no exterior a solução dos problemas que ela pensa serem criados pelos “corruptos no Governo”. Os partidos políticos da oposição, sobretudo aqueles partidos que nunca viram a necessidade de se articularem politicamente por via de interesses sociais claros, desesperam e acham que a sua salvação está em consolidar o seu lugar político por via jurídica. Isto tudo cria dinâmicas próprias que não tornam a nossa democracia má, mas sim sui generis, o que é bom.

Quando se diz que o estado da democracia é bom não se quer dizer que essa democracia esteja garantida. Uma democracia boa num Estado frágil é como sorvete em dia quente. A qualquer momento pode-se derreter. E a nossa democracia tem esse potencial, o qual não tem nada a ver com Guebuza, Dhlakama, Simango ou seja quem for. A simples intractabilidade dos nossos problemas – problemas típicos de Estados frágeis – coloca a nossa democracia na corda bamba. Um exemplo: Transportes públicos em Maputo. Os aumentos decretados pelo Município não cobrem nem de longe os custos de operação. São, para falar francamente, ridículos. Que fazer? Aumentar mais? Mas aí as pessoas vão à rua e quando vão à rua não deixam mais ninguém ir à rua; os “críticos” vão dar pulos de alegria pela “rebelião do povo”, gente vai perder a sua propriedade, organizações “cívicas” vão emitir comunicados de solidariedade, os doadores vão ficar chateados com a actuação da polícia, etc., etc. Melhor é não fazer nada. Só que se nada se faz o problema continua e até cresce.

Portanto, o estado da democracia é bom. Estamos em final de ano.

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