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Urge desenvolver a massa crítica no seio das comunidades

O SCIP (Strengthening communities through integrated programming ou Fortalecimento das Comunidades através da Programação Integrada, em português) é uma organização não governamental que está a prestar assistência a cerca de 40 mil crianças órfãs e vulneráveis em Nampula inseridas no Plano de Acção a Crianças Órfãs e Vulneráveis (PACOV), programa do Ministério da Mulher e Acção Social. Destas, entre sete e oito mil foram integradas nas escolas e registadas desde o início do projecto, uma iniciativa que visa criar espaço para a redução do índice de analfabetismo. O @Verdade manteve uma conversa com o director desta ONG, Luc Venderveken, que considera que caso o cidadão não desenvolva a sua massa crítica para questionar, a província e o país vão continuar na pobreza, e insta o Governo e a sociedade civil a incentivarem as comunidades rurais a formarem-se.

@Verdade – O que é o SCIP e quando é que foi fundado?

Luc Venderveken (LV) – O SCIP surgiu no ano de 2009, e significa fortalecimento das comunidades através da programação integrada (SCIP). A sua intervenção visa suportar e encorajar a mudança de comportamentos no seio das comunidades. Na verdade, o SCIP é um consórcio de cinco organizações da sociedade civil baseadas na província de Nampula, nomeadamente Pathfinder Internacional, World Relief, Care Internacional, PSI e Clusa.

Elas uniram-se para em conjunto trabalhar em prol da realização de actividades de desenvolvimento, rumo ao combate à pobreza, em diversas áreas. Aliás, cada uma destas organizações intervém em uma ou mais áreas, tais como água e saneamento, educação da rapariga, prevenção de Infecção de Transmissão Sexual (ITS), e VIH/SIDA, fortalecimento da base das actividades comunitárias, planeamento familiar, saúde materno-infantil, combate à má nutrição, malária e redução de mortes por várias doenças, entre outras.

A execução das actividades é suportada por um financiamento da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID).

@V – Por que razão as cinco organizações optaram por criar um consórcio? Sentiram que deviam trabalhar em conjunto e não de forma isolada?

LV – Criámos esse consórcio porque as cinco organizações são especializadas em diferentes áreas de actividade. Por exemplo, a Pathfinder está ligada à monitoria e avaliação, à saúde da mulher, adolescentes e jovens. A Care está especializada no domínio da água e saneamento. A Clusa lida com a agricultura, conservação, frutas tropicais e melhoria do manuseamento da colheita.

A World Relief trabalha com redes voluntárias comunitárias, ou seja, saúde a nível das comunidades. Já a PSI desenvolve as suas actividades na área da comunicação e aconselhamento. A PSI suporta os grupos teatrais comunitários já existentes, intervém na colaboração com as rádios comunitárias e no suporte da rede de conselheiros ligados à testagem, aconselhamento voluntário, VIH/SIDA, prevenção da malária, diarreias entre outras doenças.

Foi por isso que criámos o consórcio. Vimos que em conjunto iríamos facilitar o nosso trabalho, para além de evitar que duas ou mais organizações interviessem na mesma área de jurisdição e com o mesmo projecto, o que para nós seria desperdiçar os escassos recursos de que dispomos.

@V – Que avaliação o consórcio faz no que diz respeito ao impacto das suas actividades nas comunidades?

LV – Não estamos em condições de nos auto-avaliar. Quem pode fazer isso são as comunidades ou o Governo. Eles é que podem dizer que estamos ou não no caminho certo. Nós trabalhamos com as populações porque queremos incutir nelas conhecimentos que possam contribuir para a melhoria das suas vidas para que no futuro possam ter capacidade de gerir os seus problemas, conflitos e liderar projectos. Nós, como SCIP, sentimos que estamos a cumprir o programa que traçámos.

@V – Diz-se que as organizações criaram o consórcio para terem “pernas para andar”, uma vez que muitas estão a perder espaço junto dos doadores…

LV – Não é verdade. Primeiro, porque as organizações que fazem parte do consórcio têm espaço e crédito no seio dos doadores. Segundo, a USAID trabalha, neste caso, em coordenação com o Governo, sobretudo nas áreas da saúde, educação, abastecimento de água, combate a doenças endémicas, agricultura, entre outras. Por outro lado, a USAID define os cadernos de encargo e escolhe as áreas de intervenção através dos programas.

A partir dessa fase, as organizações da sociedade civil concorrem ao financiamento para a implementação dos projectos. Nós optámos por formar um consórcio. E quando se trata da implementação dos projectos, as organizações devem ter as autoridades comunitárias como parceiras prioritárias, e depois as direcções distritais pois estas é que têm como ajudá-las na elaboração dos planos.

@V – O que mudou nas comunidades como resultado do trabalho do consórcio SCIP?

LV – Analisando os indicadores colhidos nas direcções distritais, com destaque para a área da saúde, notamos que a prevalência das mulheres em idade fértil a usar os métodos de planeamento familiar triplicou a nível da província de Nampula. Nós trabalhamos na formação do pessoal de saúde (enfermeiras do Serviço Materno-Infantil).

O mesmo se pode dizer em relação a outras áreas. Construímos furos de água e organizámos, nas comunidades, comités de gestão para que possa haver condições para reparar (os furos) caso se registe alguma avaria. O que queremos é que as populações criem um mecanismo que garanta a operacionalidade dessas infra-estruturas. Isto não se deve só ao SCIP, mas também aos seus parceiros, principalmente o Governo.

@V – Em quantos distritos o SCIP trabalha?

LV – Trabalhamos em 14 distritos, nomeadamente Memba, Nacala-a- -Velha, Nacala-Porto, Eráti, Nampula-Rapale, Mogovolas, Meconta, Malema, Ribáuè, Moma, Mecubúri, Monapo, Angoche e cidade de Nampula, onde desenvolvemos as nossas actividades em dois bairros: Namutequeliua e Muatala.

@V – Porque escolheram os bairros de Namutequeliua e Muatala a nível do município de Nampula?

LV – Realmente, queríamos trabalhar em toda a autarquia, mas não tínhamos dinheiro para tal. Por isso, em coordenação com estruturas municipais, pedimos para que fossem identificados os bairros com maiores problemas de saneamento, falta de água potável, índice elevado de VIH/SIDA, e ordenamento territorial.

Indicaram-nos Namutequelia e Muatala. Mas é fantástico porque todos os trabalhos são coordenados pelas unidades comunais. Há locais onde não há registo de degradação ambiental, doenças endémicas e pobreza, quando outros estão em péssimas condições. É na base destas diferenças que prestamos a nossa assistência. Em relação aos bairros de Namutequeliua e Muatala, posso dizer que a população tem feito muito, só precisa de um acompanhamento.

@V – Nesses dois bairros (Namutequeliua e Muatala) há registo de casos de indivíduos que defecam a céu-aberto. O que está a ser feito para inverter esse cenário? O que o SCIP está a fazer tendo em conta que o saneamento do meio é uma das suas áreas de intervenção?

LV – Há um movimento que é bastante importante em relação a isso. Há muitas aldeias, comunidades e unidades comunais que entenderam a importância de ter uma latrina, água para a melhoria da higiene. Há sanitários, mas o problema prende-se com o facto de terem sido construídos com base em material precário. Mas para o SCIP esse não é o problema. O importante é que as pessoas tenham bons hábitos e normas básicas de higiene. Nós, como SCIP, temos assegurado a realização de palestras de forma permanente, ou seja, duas vezes por semana sobre a matéria.

@V – Com quantas pessoas trabalham nas comunidades?

LV – Em cada comunidade trabalhamos com pouco mais de 1.500 pessoas, o que quer dizer que lidamos com 1.400.000 habitantes da província de Nampula. Este universo inclui 3.600 grupos de mães. Em alguns distritos trabalhamos com as lideranças comunitárias, os que dirigem os ritos de iniciação e as madrinhas de meninas. Tentamos realizar essas actividades para que a nossa informação possa chegar ao grupo-alvo, que são as comunidades.

No caso particular dos bairros de Muatala e Namutequeliua, temos perto de 40.000 habitantes nas áreas de saneamento do meio, vias de acesso, abastecimento de água, prevenção e combate à malária, infecções de transmissão sexual (ITS), VIH/SIDA. Intervimos também em questões ligadas a casamentos prematuros, planeamento familiar, entre outras, através das associações comunitárias.

@V – Em relação à área da saúde reprodutiva e integração de crianças órfãs e vulneráveis nas escolas, que avaliação faz?

LV – Devo assegurar que durante esses anos todos conseguimos assistir perto de 40 mil crianças órfãs e vulneráveis inseridas no Plano de Acção a Crianças Órfãs e Vulneráveis, um programa do Ministério da Mulher e Acção Social. Destas, entre sete e oito mil foram integradas nas escolas e registadas desde o início do projecto.

@V – O que tem a dizer sobre casamentos prematuros e gravidezes precoces em Nampula? Sabe-se que esta província apresenta elevados índices desses dois fenómenos…

LV – Os casamentos nos locais onde trabalhamos é tradição e ocorrem depois dos ritos de iniciação. Isso acontece com o conhecimento e consentimento das autoridades tradicionais. No que diz respeito à gravidez precoce, explicamos às comunidades, principalmente aos jovens, que ela é de maior risco, tem consequências nefastas e que muitas mulheres nesta situação perdem a vida durante ou depois do parto.

O que fazemos é aconselhar os jovens a retardarem a primeira gravidez. Não proibimos o casamento de adolescentes, nem temos competência para tal, mas pedimos que adiem a primeira gestação, recorrendo ao método de planeamento familiar. E como resultado disso (adesão ao planeamento familiar), o número de partos institucionais aumentou na província. Agora fala-se de 64 a 65 porcento, o que não acontecia antes.

@V – E na agricultura, o que se pode dizer? Sabe-se que estão a trabalhar com um clube de agricultores jovens.

LV – Nós, realmente trabalhamos com um clube de jovens aspirantes a agricultores cujas idades variam entre os 10 e 15 anos. Com eles criámos campos de demonstração de resultados para que saibam como aplicar as técnicas de agricultura de conservação, aumento de produtividade, entre outras. Nesta primeira fase, eles vão aplicando os conhecimentos nas machambas da família. Quando se tornarem adultos, serão integrados em associações e cooperativas.

Nos 14 distritos o SCIP trabalhou no estabelecimento de cerca de 700 clubes jovens, com uma média de 30 membros cada. Tenho de salientar que para além dos programas de agricultura, beneficiam de todo o tipo de palestras sobre a saúde reprodutiva, gravidez, VIH/SIDA, a prevenção de diarreias, malária e o combate a todos os males de que enfermam as comunidades rurais. Este programa (clube jovens agricultores) é apoiado pelo programa Saúde Nutrição e Agricultura (SANA), e temos trabalhado com jovens, na sua maioria vulneráveis.

@V – E no que diz respeito ao acesso à água potável, qual tem sido o papel do SCIP?

LV – Na componente de água, nós tivemos investimentos e, presentemente, estamos a trabalhar em cinco distritos, nomeadamente Nacala- a-Velha, Nacala-Porto, Memba, Eráti e Monapo, e os restantes beneficiam dos furos construídos por outras organizações financiadas pelo doador, a USAID.

O número de furos construídos até ao momento ronda os 50 e nos próximos tempos serão entregues às comunidades cerca de 40. Em relação aos pequenos sistemas de abastecimento de água, já foram entregues dois, sendo um em Nétia e o segundo em Nacoloco, localizados no distrito de Monapo; será reabilitado o pequeno sistema da vila-sede de Namapa, distrito de Eráti.

@V – O que as comunidades dizem acerca dos projectos do SCIP?

LV – Bem, nós trabalhamos em colaboração com as populações na redução dos impactos da pobreza e de todos os males que afectam as aldeias onde trabalhamos. Isso quer dizer que somos bem-vindos.

@V – O SCIP não está preocupado com o baixo nível de escolaridade? Se sim, o que está a fazer para resolver o problema?

LV – É óbvio que estamos. É muito preocupante. O último censo, realizado em 2007, mostrou que 60 porcento de homens adultos e 70 de mulheres eram iletrados, e isso faz com que as comunidades não tenham capacidade para liderar o seu próprio desenvolvimento. Gostaríamos que os alfabetizadores, para além de ensinarem a ler e a escrever, transmitissem conhecimentos aos seus alunos em função dos seus problemas ou necessidades.

O nosso papel é impulsionar as comunidades a aderir aos programas de alfabetização para que consigam desenvolver a sua massa crítica, que julgamos ser importante no processo de combate à pobreza. Dos activistas que trabalham com a nossa organização nem todos sabem ler.

@V – Nas comunidades onde trabalham há desenvolvimento?

LV – O desenvolvimento é equivalente ao bem-estar. Podemos ter muito dinheiro e não estarmos bem. O dinheiro não é necessariamente viver bem. Se assim fosse, a vida seria mais simples. É preciso ter conhecimento e tomar decisões correctas. Quem tem dinheiro deve aplicá-lo da melhor forma. O dinheiro tem de constituir uma mais-valia para a família, que merece ter uma casa condigna, latrina, educação, transporte, água potável, vias de acesso e outras condições básicas.

@V – Que avaliação faria se os projectos do SCIP terminassem hoje?

LV – Desde a criação do SCIP procuramos atingir os nossos objectivos, que passam pela mobilização e empoderamento das comunidades e com elas trabalhar de forma articulada. Temos estado a melhorar a prestação e a oferta dos serviços. Com isto pretendo dizer que a avaliação seria positiva.

@V – Terá o SCIP sido conotado com uma formação política?

LV – Não, nunca nos confundiram com um partido político porque nenhuma das organizações que constituem o consórcio está ligada à política. Nós participamos no desenvolvimento das comunidades, implementando as estratégias desenhadas pelo Governo. Quando deixarmos de existir, não queremos que as pessoas passem fome, padeçam de doenças tais como a malária, VIH/SIDA. Não queremos que o ambiente continue a degradar-se. Tem de haver vias de acesso, a população deve ter água potável, educação, saúde, emprego.

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