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Uma mulher que se deixa Solta(r) pela vida!

Uma mulher que se deixa Solta(r) pela vida!

Imagine-se que, em pleno século XXI, por qualquer razão, a humanidade perdesse o dom da fala: “Como é que as relações sociopolíticas, económicas e culturais – que, em certo sentido, asseguram a evolução das civilizações humanas – se travariam?” Quer deprimida, quer confusa, quer aflita, a verdade é que, em Solta, uma peça teatral recentemente apresentada em Maputo, além do tema da depressão, a actriz finlandesa Heidi Syrjakari impele-nos a reconhecer algo: “a comunicação é um desafio”.

Além de todas as teorias histórico-científicas que existem para explicar e interpretar a origem do género do monólogo – um estilo teatral que se impôs no campo das artes cénicas e dramáticas – se quisermos analisar o facto, sob o ponto de vista dos encargos financeiros e/ou económicos envolvidos, associando-se às crises económicas que, ultimamente, têm assolado os Homens não nos parece que seria menos certeiro afirmar que disso o monólogo também é resultante.

Para fundamentar esta “tese”, nem vale a pena referir que na Europa, por exemplo, há grupos teatrais que se estão a desfazer; ou que muitos actores de teatro apostam em trabalhos com o envolvimentos de um número reduzido de artistas, ao mesmo tempo que outros acabam por actuar nas artes cénicas na condição de artista freelancer.

O que se pretende dizer é que as sociedades humanas, como a própria vida, são dinâmicas.

Parece-nos que é no contexto dessa dinâmica que (por diversos motivos entre os quais a necessidade de emergirem novos géneros/ estilos de teatro, a busca da auto-realização das pessoas que actuam na área, e, porque não, o facto de, para algumas pessoas, os espectáculos em que a palavra falada tem um grande domínio e prevalência – do princípio até o fim do evento – se mostrarem fastidiosos ou demasiado tradicionais para alguns espectadores) surgiu ou pretende surgir uma espécie de teatro mudo.

Aliás, aqui, se nos servirmos da obra Solta como exemplo, podemos apontar como principal característica e/ou exigência desse estilo de teatro, uma elevada taxa de atenção e participação do público com vista à interpretação de todos os movimentos do artista em cena incluindo os demais elementos cénicos. O primeiro impacto que isso acarreta é a urgência de o público ter algum domínio intelectual no campo da semiótica.

Que mulher é essa?

Diante da peça ocorreu-nos a ideia de reformularmos uma (pertinente) pergunta que, em jeito de canção, uma das mais célebres bandas de música tropical africana, por sinal, originária de Guiné-Bissau, Tabanka Djaz, em determinada época elaborou: “que mulher é essa, completa?”.

Solta na e/ou pela vida na obra com o referido nome encontra-se uma mulher solitária, dona de uma residência aparentemente completa que, inclusive, possui alguns indícios materiais de presença da figura masculina.

Provavelmente, seja por isso que algumas pessoas, ainda que soubessem que não existia nenhuma possibilidade de assim ser, ficaram com expectativa em relação ao aparecimento de um homem na obra.

Para facilitar a nossa compreensão, os protagonistas da obra Solta explicam que se está diante de “uma viagem de uma mulher que perdeu e encontrou a sua alma novamente”. Não é obra do acaso que a peça seja baseada no Mito da Perséfone, um dos clássicos entre os gregos, em que uma parte da vida da personagem brota na terra, ao passo que a outra ocorre na morte.

Entre lamúrias, gritos, crises de existência como pessoa humana, um vazio marcado pela solidão, a falta da figura masculina na sua vida, as relações de amor erótico, entre várias situações, são alguns argumentos que tornam fecunda em si uma depressão sem precedentes. Na verdade, o monólogo Solta exibe a depressão e o sofrimento da alma, mas ao mesmo tempo brinca com a identidade, o sexo e a sexualidade humana.

É por essa razão que, comentando sobre a obra por si interpretada, Heidi chegou a considerar que a depressão é um fenómeno que afecta as emoções humanas, o que faz com que, muitas vezes, seja assumida como uma doença silenciosa muito em particular porque se associa ao referido mal a solidão e uma espécie de perturbação mental que, invariavelmente é confundida com demência.

Silêncio que comunica

Portanto, acerca dos assuntos sobre os quais não se consegue expressar, a mulher recorre ao seu corpo, aos movimentos para o efeito. Há momentos em que se as palavras lhe faltam ela grita, na verdade realiza um uivo de pavor por meio do qual pretende que o seu clamor seja ouvido.

No entanto, porque de facto a personagem padece de depressão, o outro aspecto curioso que se nota é o facto de a sua tranquilidade (ainda que se manifeste) seja simplesmente aparente, afinal, uma vez que, muitas vezes, não lhe falta a vontade de ser objecto de exploração sexual.

Diante da cena percorreu-nos na mente uma ideia de acordo com a qual (também) o homossexualismo pode brotar em face do excesso do amor-próprio em relação ao nosso corpo.

De uma ou de outra forma, para a artista, os gritos que realiza em cena têm um papel peculiar, o de despertar a atenção dos espectadores, ao mesmo tempo que garantem alguma compreensão da mensagem que se está/pretende transmitir.

Despertar a sociedade

De acordo com Heidi, o facto de, presentemente, em quase todo o mundo, a área do teatro não constituir uma fonte segura de rendimento para os artistas, impele os operadores da área a serem cada vez mais criativos de modo que consigam atrair a atenção da sociedade sobre a importância que as artes possuem no desenvolvimento dos respectivos países.

Ou seja, os artistas devem ter criatividade suficiente para que possam convencer as sociedades em que se encontram inseridos de que elas precisam de si. Para Heidi, tal criatividade passa pela pertinência de se obrar criações de que a sociedade precisa e necessita.

Em conversa com o @Verdade, num outro desenvolvimento, Heidi Syrjakari fez uma análise comparada entre Moçambique e Finlândia, o país de que é originária, para salientar que há muita gente que padece de depressão, havendo inclusive cidadãos que demandam fármacos para aliviar o mal.

É por essa razão que, para a actriz, “a obra Solta representa o nosso contributo de modo que em Moçambique se possa ganhar a consciência da sua existência incluindo a forma como ela se manifesta”.

Um novo desafio

No fim do espectáculo Solta precedido por Psicose 4: 48, encenada pela actriz e encenadora moçambicana Maria Atália, @Verdade procurou colher a opinião de algumas pessoas que se fizeram presentes no Centro Cultural Universitário, local que acolheu a exibição, em relação à peça.

O facto é que a maior parte dos interlocutores elogiou o domínio de Heidi na interpretação, no entanto, o mutismo, o que no contexto das peças até então realizadas em Maputo constituía a maior novidade, induziu a que os nossos interlocutores, sistematicamente, engendrassem comentários simplistas e pouco elaboradas como, por exemplo, os que assinalam que “foi uma peça interessante”.

É por todas estas razões que ainda que fascinante, entre nós, a comunicação teatral sem a fala ainda é um desafio para o qual vale a pena prosseguir, o que não significa que não se tenha apreendido algo sobre o conteúdo da obra. Aliás, as possibilidades de tal acontecer eram diminutas, afinal, na mesma obra combinam-se o teatro físico, a música tradicional finlandesa, bem como a mitologia grega de forma contemporânea.

Enfim, vale a pena referir que Solta é uma obra que foi apresentada no Centro Cultural da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, que contou com a encenação de Tuomas Laitiani, bem como um trabalho de dramaturgia de Emília Poyhonan. A direcção musical esteve a cargo de Tuomas Rounakari, ao passo que a iluminação foi realizada pelo jovem actor e estudante da Escola de Comunicação e Arte, Ambrósio Joa.

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