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Uma morte sem explicação

Uma morte sem explicação

Uma bala disparada à queima-roupa, por um polícia no seu dia de folga, foi o suficiente para deixar Carlos João Chivambo (Cachopa para os amigos) prostrado no chão e, sem vida. A Polícia da República de Moçambique confirma que o agente não estava em serviço. A Associação dos Antigos Trabalhadores de Moçambique na Alemanha (ATMA), por seu turno, afirma que foi um acto premeditado…

O dia 3 jamais será esquecido no seio da família Chivambo. Não só pela morte de um parente, mas também pelas perguntas que vão ficar sem resposta. A dor, porém, não ficará circunscrita à família de Cachopa. Os membros da ATMA também partilham da dor de ver um companheiro de infortúnio cair.

O filme da tragédia Na noite do fatídico dia 3 de Julho, Cachopa saiu de casa e foi ao Jardim dos Madjermanes encontrar-se com os companheiros da ATMA.

Enquanto conversava com os amigos, no lugar que é tido por todos como base central dos regressados da extinta República Democrática da Alemanha (ex-RDA), um agente da Polícia da República de Moçambique discutia com um jovem.

O rapaz, para se livrar do agente, aproximou-se do local onde Cachopa conversava com os outros membros da ATMA.

O polícia, contam testemunhas oculares, foi ter com o grupo acusando-o de estar a proteger um meliante. Cachopa retorquiu: “este é a base dos Madjermanes, um lugar de paz”.

Essas, contam, foram as suas últimas palavras em vida. O agente, sem mais, disparou para Cachopa que caiu desamparado e sem vida. Morreu no local, vítima do seu exercício de cidadania.

Momentos depois instalou-se o pânico no seio dos companheiros do finado e o agente ganhou tempo para fugir. Mas, devido à atenção de outros membros da ATMA, o casal que acompanhava o agente foi entregue às autoridades.

Participado o caso à PRM, constatou-se que a arma do tipo pistola que o polícia trazia sem sequer identificar-se como tal é de origem duvidosa, para além de o referido agente ter cometido o acto fora do seu horário de serviço.

Feitas as contas, o vice-presidente da ATMA conclui que o agente vinha já com a missão bem estudada sendo que a mesma consistia em “matar o Cachopa”.

Entretanto, Arnaldo Chefo, porta-voz do comando da PRM na cidade de Maputo, confirma a ocorrência, mas refere que não é desígnio da Polícia da República de Moçambique pautar por atitudes do género.

Aliás, Chefo confirma que o polícia não estava em serviço naquela noite. Portanto, na posse de uma arma contrariou o regulamento da corporação.

“A polícia cumpriu a sua missão”

Morto na terça-feira (03 de Julho) e enterrado na sexta-feira da mesma semana (06 de Julho) no Cemitério de Lhanguene, na cidade de Maputo, Carlos João Chivambo deixa viúva e um filho. Ao estilo dos Madjermanes, antes de enterrado, o seu corpo percorreu as avenidas da cidade de Maputo, com uma marcha que partiu da Mafalala até ao cemitério.

Numa cerimónia bastante concorrida por populares residentes no bairro, figuras do panorama político nacional, desportivo e social, incluindo a própria polícia, cânticos de revolta e exigência da justiça foram entoados sob danças, dísticos e bandeiras foram hasteados em memória de Cachopa.

Durante três horas, o cemitério de Lhanguene prestou atenção apenas a Cachoppa e algumas avenidas da cidade ficaram temporariamente bloqueadas pelos manifestantes.

No enterro esteve o presidente do Fórum dos Desmobilizados de Guerra de Moçambique, Hermínio dos Santos que, em reacção ao acto, disse não ser a PRM a culpada pela morte de Carlos Chivambo.

“Isto demonstra o fim do regime. Como é que pode, num país democrático, a polícia agir criminalmente e tirar a vida de pessoas indefesas? Um jovem daquela idade aceita ser instigado a matar sem motivos. Será que neste país a Frelimo está apostada em matar a população? Isto é que se diz ser um Governo? Afinal porque é que se precisa de um Governo num país? É para melhor gerir o povo e não matar.”

Hermínio dos Santos foi mais longe ao pronunciar que “a polícia cumpriu as ordens. Ela foi mandada para balear uma pessoa indefesa. Esta foi uma atitude bárbara, não devia acontecer num país de direito.”

Silenciar os Madjermanes

Os Madjermanes estão já há vários anos numa guerra sem tréguas com o Governo moçambicano por estarem a exigir o pagamento dos anos de trabalho na extinta RDA. Na opinião de Hermínio dos Santos, há uma tentativa por parte do Governo de ignorar o assunto e exterminá-los.

No entanto, da forma como sucedem os factos, os regressados da ex-RDA e os Desmobilizados de Guerra estarão a preparar uma manifestação conjunta para exigir os seus direitos.

Todavia, dos Santos prefere apenas dizer que “estamos a preparar uma revolução. São viúvas, são órfãos, são os antigos trabalhadores dos CFM, Madjermanes e os desmobilizados, todos a serem injustiçados neste país. Estamos a preparar-nos para a revolução. A polícia não vai acabar connosco”.

Arnaldo Mendes, porta-voz dos regressados, afirma que “o sangue que eles derramaram é motivo da nossa união. O Cachopa disse antes de morrer ao polícia assassino que aqui é a base e reafirmamos, aqui vai continuar a ser a base até que o diferendo que nos opõe ao Governo seja ultrapassando pagando- nos o que nos devem.”

Verdade ou mentira é que os Madjermanes vão morrendo a exigir os seus direitos. Arnaldo Mendes considera que alguns perderam a vida em combate e outros foram vítimas de doenças, contudo, afirma que vão continuar a lutar até que o governo resolva o problema porque é a ele que cabe pôr fim à situação.

Mais uma família na desgraça

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“Frelimo por que nos matas? Não tens onde pôr as nossas almas. Guebuza porque nos matas? Não tens onde pôr as nossas almas.” Tradução da canção entoada em língua Changana.

Visivelmente abalada com o sucedido, a família de Carlos João Chivambo só pede uma coisa, a mesma que os 23 milhões de moçambicanos pedem em casos semelhantes: JUSTIÇA.

A esposa e a irmã, que aceitaram conceder uma entrevista à nossa equipa de reportagem, dizem que no dia em que foi baleado, Carlos Chivambo estava tranquilo, um estado que sempre o caracterizou e “só saiu depois de ter estado a assistir ao Jornal da Tarde para ir ao encontro dos companheiros da associação”.

O que eles não esperavam era, passadas algumas horas, ver os amigos a entrar com os rostos cobertos de lágrimas para informar que o seu familiar já não fazia parte do mundo dos vivos. E que a morte não tinha sido súbita, mas sim causada por um agente da PRM.

“Foi-nos difícil acreditar. Era um sentimento de dor e de revolta. É neste tipo de polícia que devemos confiar? Se eles é que se encarregam de nos matar, quem nos irá proteger?”, questionam.

Enquanto o choque reina, a família diz-se ainda preocupada com o fato de o tal agente encontrar-se ainda em parte incerta. Assim, desejam que “ele seja encontrado e que nos diga a verdade. Porque é que matou o nosso pai? Cometeu algum crime para merecer tal destino?

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