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Uma história sobre o quotidiano do povo

Uma história sobre o quotidiano do povo

Em “Chikwembo”, Júlio Silva não se prende às “fórmulas fáceis” de construção narrativa de um filme. Ele transporta-nos para a realidade rural, explorando as crenças, a tradição e o mito de um povo. E, diga-se, fá-lo com surpresa pois cruza a realidade e a ficção num enredo extraordinariamente emocionante.

A primeira reacção ao “Chikwembo”, a longa-metragem que marca a estreia de Júlio Silva, de 51 anos de idade, como realizador, é de que estamos diante de mais um filme nacional, resultado de uma soma de clichés sobre o povo moçambicano.

Parece… mas é puro engano! Quer dizer, os primeiros cinco minutos do filme fazem-nos mudar o nosso ponto de vista, uma vez que se desembaraça rapidamente de qualquer fórmula, abordando os confl itos no seio de um povoado que recorre ao obscurantismo para resolver os seus problemas.

O “Chikwembo” não é apenas um mero retrato sociológico da vida rural e uma verdadeira obra de arte impregnada de uma dose de humanismo plácido, mas uma história de amor, traição, vingança e ódio e a problemática de extracção de órgãos humanos num meio em que os indivíduos se regem por mitos ou crenças no poder sobrenatural.

O filme de Júlio Silva, num tom intimista, privilegia situações da vida real, explora as ambiguidades do quotidiano de quem vive no meio rural e a beleza da fauna bravia, levando o público a identifi car-se com a trama, além de elucidar o misticismo em volta de uma sociedade africana.

A ideia do filme é resultado de 15 anos de pesquisa. “Fui fazendo pesquisas sobre a música tradicional durante 15 anos. Todo esse tempo fui ouvindo histórias, crenças e mitos e pensei em publicar um livro, mas, mais tarde, surgiu a ideia de fazer um filme”, conta Júlio Silva.

No centro da história, densa de dramatismo e contada a cento e vinte à hora, está um casal de jovens namorados (Langa e Rosa): Langa deixa a sua terra natal e a sua noiva em busca de melhores condições de vida. Na cidade conhece Rosa e decide levá-la ao seu povoado. Mais tarde, prestes a regressar a casa, Langa telefona à sua prometida, de nome Catarina, rompendo o relacionamento. Inconformada com a separação, a moça conta à mãe e esta, por sua vez, procura um feiticeiro para resolver a situação.

É em torno dessa situação que se desenrola a trama de “Chikwembo”, rodado na província de Gaza, particularmente na Reserva de Caça do Banhine e do Limpopo, passando pelo Chigubo até o distrito de Chibuto, e falado em Xichangana.

“Senti que em todos os filmes moçambicanos faltava algo que prendesse o público e tentei perceber o porquê. E, mais tarde, reparei que os padrões que estavam a ser usados eram europeus”, diz o realizador que acrescenta que a sua preocupação é abordar a identidade do povo moçambicano.

“Estou preocupado em contar a história daqueles de quem ninguém fala, de quem está com a boca calada, no mundo rural. Quero dar voz a quem não tem voz”, comenta Júlio Silva.

Ao todo estiveram envolvidas aproximadamente 25 pessoas, dentre os quais actores e figurantes. O filme, que levou três meses a ser gravado, faz uma mistura bem conseguida de humor, drama e suspense. Os actores são, para muitos, pessoas anónimas – com excepção de Jane Langa – de um grupo de teatro amador de Gaza. “Durante o meu trabalho descobri muitos grupos de teatro que representavam muito as suas próprias histórias. Então, decidi apostar num deles”.

A película, com uma duração de mais de uma hora, foi estreada na semana passada, dia 11, no Instituto Nacional de Audiovisual e Cinema (INAC), e será exibido no próximo mês (Abril) em diversos distritos da província de Gaza.

“Apaixonei-me pelo cinema”

Nascido em 1960, em Bilene, Júlio Silva é o único aluno do primeiro curso de animadores culturais que decidiu abraçar a área da cultura. E diz que nunca lhe passou pela sua cabeça a ideia de se tornar realizador, até porque “sempre fui um homem de música”. Desde sempre Júlio Silva tocou instrumentos musicais e tornou-se produtor musical dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, tendo produzido mais de 300 discos de diversos músicos.

“Apaixonei-me pelo cinema e não me tinha dado conta de que ele engloba diversos tipos de artes, desde a música à fotografi a”, diz. Mas antes de embarcar no mundo da sétima arte, o realizador começou por fazer, em 1994, uma viagem por todo o país pesquisando a música tradicional. “Gravei dois discos de música tradicional para a campanha eleitoral de Chissano. E fiquei preso ao mundo rural”, conta.

Casado e pai de dois filhos, Júlio Silva já tem escrito o guião do próximo filme a ser rodado na província de Cabo Delgado. Além disso, o realizador pretende dar continuidade ao seu primeiro filme e vai lançar um livro sobre os instrumentos tradicionais em Moçambique. “O objectivo é dar continuidade ao filme pois ainda há muita história de obscurantismo e quero transportar isso para o cinema”.

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