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Uma casa velha

Uma casa velha

Visitámos, muito recentemente, a Casa Velha, no coração de Maputo. Na sala do lendário Teatro Mapiko, as actividades culturais e recreativas ganham corpo. Renovam-se. Reinventam-se. Mas o resto, a infra-estrutura, as memórias, as glórias… tudo permanece velho, igual à casa.

Amanhã (Sábado) irá observar-se, no local, uma azáfama. Há festa na aldeia. Trata-se da II edição do Festival Multicultural Casa Velha (FMCV), uma iniciativa inovadora que dá fôlego a uma instituição secular que (não fosse pela fúria da arte e da cultura) já devia estar moribunda e encerrada.

Criada como “Grupo Amador de Teatro”, a Associação Cultural da Casa Velha foi fundada em 1982. É um verdadeiro santuário de eventos culturais. Ainda na década de ´80, surgiu e apresentou mais de 20 obras teatrais (nas instalações da Casa Velha) de que, entre as mais lendárias, figuram: “Ali Babá e os 40 ladrões, Os músicos de Bremen, Quem me dera ser onda, O que diz sim e o que diz não, Não contes mais avozinha”.

Com o tempo, a casa evoluiu até que no primeiro ano da década de ´90 surgiu o “Teatro Mapiko”, um teatro ao relento concorrido por muitos grupos amadores.

Com delegações provinciais, em todo o país, desde sempre, a Casa Velha configurou-se como uma associação cultural sem fins lucrativos, vocacionada para a promoção da cultura.

Como tal, durante os anos ´90 realizou e acolheu diversas actividades das quais constam, nomeadamente o Festival Cultural da Semana da Criança, o Festival de Agosto, (ora, extinto e na altura dinamizado pelo Teatro M´Beu), o Festival do Teatro Comunitário de que derivou o programa Cultura em Movimento (ambos extintos há mais de dez anos).

De braços dados com dificuldades financeiras de que, em parte, resulta a não reabilitação das suas infra-estruturas, o Teatro Mapiko da Casa Velha não abdica do seu papel social: promover e desenvolver a cultura no país.

O programa “Teatrando Moçambique” que acontece logo a seguir ao “Festival de Teatro de Inverno”, bem como o “Encontro Multicultural na Casa Velha” que amanhã mesclará teatro, dança, música, cinema, gastronomia, no mesmo espaço cultural, são exemplos da vitalidade da instituição. E é sobre isso que falámos com Eusébio Daniel, coordenador e produtor cultural de alguns programas da Associação Cultural da Casa Velha.

Colmatar lacunas

Neste interim, o objectivo é o seguinte: “colmatar lacunas”, tendo- -se criado no ano passado o Festival Multicultural da Casa Velha, uma vez que o desaparecimento do Festival de Teatro Comunitário deixou uma grande cratera na programação anual da agremiação.

A realizar este ano a II edição, o FMCV é o novo conceito de actividades culturais da Casa Velha que se espera que aconteça anualmente. Afinal, o mesmo “não possui nenhum financiamento empresarial”, esclarece Daniel.

A segunda edição decorre em parceria com o Instituto Cultural Moçambique Alemanha (ICMA) sobre a qual Eusébio Daniel conta que “tal parceria resulta na medida em que os jovens alemães (voluntários que vieram a Moçambique para realizar alguns trabalhos) quiseram fazer uma festa de despedida cultural que aglutinasse muitos jovens fazedores de arte e cultura, da cidade e província de Maputo”.

Porque (os alemães) tiveram conhecimento do FMCV, e sobretudo porque a maior parte dos artistas (declamadores, dançarinos, actores, cantores, etc.) que eles iam convocar pertencem à mesma rede (de amizade) dos grupos ancorados à Casa Celha, resolveram fundir as ideias.

Diante de um novo conceito de eventos culturais, no âmbito dos realizados na/pela Casa Velha, questionámos ao coordenador do movimento sobre os aspectos ligados à promoção do evento, ao que esclareceu:

“O investimento que se fará é sob o ponto de vista dos recursos humanos”. Afinal, “se tivéssemos financiamento já devíamos ter feito campanhas publicitárias em jornais, TV e Rádio, para promover e divulgar o evento. Infelizmente – como referi-me antes – estamos a organizar o evento por conta própria”.

É por isso que, apesar disso, a “parceria com o ICMA se resume no desbloqueio de pequenas barreiras para a realização de publicidade de pequena dimensão, como, por exemplo, cartazes, flyres, camisetas e dísticos”.

Por outro lado, em relação aos equipamentos de iluminação e de som, o FMCV conta com o apoio da IODINE Produções Técnicas e da Logaritimo Produções (os seus parceiros oficiais).

E mais – ainda em relação à iluminação – as dificuldades são cada vez mais minoradas porque a Associação Cultural Girassol “já possui iluminação industrial própria”. E como tal, “poderá colocá-la ao dispor da Casa Velha”, em regime de “troca de serviços, no âmbito da parceria”mas acima de tudo “da relação de amizade” entre as partes.

Na memória

Na memória da Casa Velha – aquilo que o tempo, tão-pouco a velhice da casa que resulta da degradação infra-estrutural conseguem apagar – encontra-se, entre outros, uma “cultura em movimento”.

Transcorriam os anos ´90, altura em que (para os citadinos de Maputo e bairros suburbanos) assistir a peças de teatro era uma doutrina. O Festival de Teatro Comunitário que pressupunha a exposição de peças teatrais de grupos comunitários (incluindo os de dança tradicional) aumentava o fervor da sociedade em torno das artes cénicas.

E como tal “conseguíamos trazer para o Teatro Mapiko da Casa Velha um público diversificado – da cidade e do subúrbio – para assistir a um teatro de qualidade”, conta Daniel sem tencionar, com isso, dizer que o (teatro) feito actualmente não tem qualidade.

Foi, inclusive, nesta época que grupos como Orpheu, Mhalamhala, Hô Phangalatana, Tyniso, Produções Olá, M´Arte, Companhia Municipal de Canto e Dança da Cidade da Matola, entre outros, que tomaram parte da iniciativa, reservaram um espaço nas crónicas sobre o teatro moçambicano.

Durante um período de três meses consecutivos, em cada ano, assistia- se a obras de teatro na Casa Velha Teatro, em todos os fins-de- -semana. O propósito era a promoção das actividades dos grupos dos bairros suburbanos da cidade de Maputo, sem espaço para fazê-lo nas grandes casas de teatro.

Na época, e fazendo jus ao fervor que se tinha em relação ao teatro, nos fins-de-semana, as pessoas esgotavam os ingressos para ver teatro. É interessante notar que foi através deste movimento que se desenhou o projecto “Cultura em Movimento”.

Afinal, “na época havia a necessidade de regressar os grupos aos bairros”. Por isso, “locais como a Feira do Hulene – no bairro com o nome análogo, entre outros, o teatro era uma actividade obrigatória”, recorda o interlocutor.

A decadência

Nos princípios de 2000, com o país a debater-se com uma nova realidade social marcada por inúmeras carências sociais como, por exemplo, a necessidade de difundir a mensagem de combate e prevenção ao HIV/SIDA, à malária e à tuberculose, bem como sensibilizar os populares para se precaverem em relação aos acidentes naturais, não tardou que as ONG’s, e não só, encontrassem nos grupos de teatro um potencial activo para realizar tal trabalho.

Assim, organizações como o Conselho Nacional de Combate à SIDA (CNCS), o Programa Nacional de Combate à Malária (PNCM), a PSI – Jeito, entre outras vocacionadas para acções filantrópicas, sobretudo as de saúde, começaram a recrutar os grupos de teatro para fazerem alguns trabalhos de sensibilização à comunidade.

O facto de os grupos serem subsidiados, segundo Eusébio Daniel , o resultado imediato foi que os mesmos “observaram alguma instabilidade interna devido à gestão do dinheiro”. E logo depois, “iniciou o declínio do programa Cultura em Movimento e o fim do Festival de Teatro Comunitário”.

É que a maior parte dos grupos se filiou à AMODEFA e à Geração Biz. Uma vez contratados pelas organizações, os grupos passaram a cumprir o programa das mesmas.

Com o desaparecimento aparente dos grupos, decaiu o Festival de Teatro Comunitário da Casa Velha e o programa Cultura em Movimento, atrelado ao primeiro.

Festival Multicultural

O Festival Multicultural da Casa Velha é um evento em que se irá mesclar quase todas as manifestações culturais no mesmo palco. A arrancar às 10h00 da manhã, dividir-se-á o acontecimento em três momentos. O primeiro, infanto-juvenil, que decorrerá até à tarde; o segundo, juvenil, até ao princípio da noite; e o terceiro até o dia seguinte.

As colectividades que se dedicam à arte e às actividades culturais como o Miloro, Gwaza Muthine, Massacre de Mueda, Dzati wa Africa, Poetas de Alma, Girassol, Makwero, o grupo dos alemães (que apresentará uma obra teatral na língua alemã), DJ´s, entre outros, farão parte do evento.

Outro aspecto, não menos importante, é a criação de stands para aconselhamento e testagem voluntária de HVI e SIDA, bem como em matérias ligadas à saúde sexual e reprodutiva para os presentes.

Promover-se-á no local uma exposição comercial de artesanato e de gastronomia. O mercado de bens usados – que se incluirá – não pressupõe uma troca comercial de âmbito financeiro, porém o lendário comércio de escambo. Ou seja, troca de produto por produto. “A ideia é carregar de algum simbolismo ao evento” finaliza Eusébio Daniel.

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