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Toma que te dou: Uma carta à Alice Mabota

Olá, Alice! Como vai a tua vida? Sonhei contigo ontem, e por isso decidi escrever-te esta carta desalinhada, sem nenhum assunto substancial. Na verdade vais perceber, ao longo das palavras, que no fundo não disse nada, ou no mínimo não disse nada que seja novo. Tudo o que vou dizer será por demais redundante, por demais óbvio que não valerá a pena estares a perder o teu tempo a ler os meus disparates.

 

Também não sei porque que te escrevo, talvez não o devesse fazer, ainda por cima para roubar o teu tempo tão precioso. Mas vou fazer o quê se sonhei contigo ontem? E há algo que me impele e enveredar por este gesto. Fazer o quê, Alice? Se o meu coração não aguenta estar calado perante tão forte emoção de sonhar contigo. Não a fazer amor, ou seja, a fazermos amor juntos como dois anjos do mesmo sexo que se amam, para depois contaminarem esse sentimento aos outros.

 

É isso, Alice, o sonho que tive nunca saberei explicar. Perturba-me, e ao mesmo atormentame porque enquanto rebolávamos abraçados no espaço, sem colchão, nem almofadas, à nossa volta pairava um cheiro estranho que me parecia de morte. Senti que tremias de medo mesmo sentindo o meu sangue quente penetrando-te a alma inteira. Também fiquei com medo quando te vi assim, frágil, agarrando-me com força desesperada, querendo que fosse eu a proteger-te. O teu olhar, que eu encarava com serenidade, perdia intensidade cada vez que subíamos e descíamos no espaço, fazendo daquela levitação um baloiço divino.

Seguravas-me nas costas, deslizando as mãos pela cútis do meu corpo que também tremia. Mexias os lábios e dizias qualquer coisa que eu não percebia. Em princípio pensei que quisesses um beijo, mas depois entendi que a nossa missão naquela transformação não se compadecia com os sentimentos da carne. O amor que fazíamos não era daqui. Era uma parábola, porque tudo aquilo tinha em vista silenciar as armas, apagar o fogo que se está a alastrar devagar no nosso país, como a chuva de 2000 que caía lentamente até promover o dilúvio ainda latente dentro de nós.

Mexias os lábios e eu não percebia nada. Encostei mais o meu ouvido à tua boca, e… nada! Não ouvia nada. Mas como as parábolas não se ouvem, percebi depois que me dizias para intensificarmos o amor que fazíamos. Tu pediasme que te apertasse mais ao meu peito, e que assim nos transformaríamos em isqueiro para acender as velas. Pedias que eu te afagasse o peito para libertar os pombos que trazes dentro de ti. Afaguei-te o peito, Alice, com muita suavidade, e tu não te excitavas. Ficavas com mais medo porque os pombos que depois saíram dos teus seios foram mortos no primeiro voo. Saíram outros e também esses sucumbiram às balas.

Ó, Alice! Já não me lembro como esse sonho terminou. O que me ficou na memória foi o último bando dessas aves alvas saindo dos teus seios hirtos, depois varridos pela pólvora. Foi como se estivessem a balear o amor que fazíamos.

É isso, Alice. Um beijo!

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