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Uma blogueira de causas

Uma blogueira de causas

Não se considera feminista, embora se identifique com a causa do chamado “sexo fraco”, até porque, diz, “sou contra as injustiças e a favor dos direitos da mulher”. Filha de mãe inglesa, nasceu nos Estados Unidos da América, mas o amor pelos países de expressão portuguesa fê-la visitar Moçambique, tendo ficado “chocada” com a realidade que encontrou.

Porém, ver mulheres moçambicanas a ganhar protagonismo nas redes sociais é um dos seus desejos. Assim é, em palavras sucintas, Janet Gunter, activista e blogueira da Global Voices.

Aos 33 anos de idade, Janet Gunter é uma das poucas mulheres blogueiras e activistas que escreve sobre diversos assuntos de interesse público.

Encontrámo-la na cimeira sobre a “Media Cidadã” que teve lugar em Nairobi, no Quénia, onde nos revelou a sua paixão pelas redes sociais e países de língua o ficial portuguesa. O gosto pela escrita é uma paixão de infância, ou seja, desde pequena sonhava em ser jornalista.

“Fui uma criança feliz, superactiva e curiosa. Gostava de desporto e os meus pais sempre me apoiaram em tudo e nunca houve exigência de que eu devia ser um sucesso no que respeita à vida financeira. Obviamente, tinha de ganhar o su ficiente para me sustentar e desenvolver como pessoa. De certo modo, eles influenciaram o meu espírito voluntário, ensinaram-me a ajudar os outros”, diz.

Formada em “Development Study”, ela a firma que os moçambicanos são um povo acolhedor e difícil de descrever, porém, ficou com uma má impressão do país. “Moçambique é um país que carece de infra-estruturas básicas, há falta de informação a nível das zonas rurais. O povo sofre muito.

Senti que existe um desprezo pela população por parte dos dirigentes”, comenta e, em jeito de desabafo, acrescenta: “É triste. Chocou-me bastante a desigualdade social. É sufocante. Nunca vi um país em que se encontra o retrato do Presidente espalhado por todo o lado”.

@Verdade – Como surge o seu interesse pelos países de língua portuguesa?

Janet Gunter (JG) – Sempre fui uma activista revoltada com as injustiças. Desde pequena já sabia que queria concentrar-me nos países da expressão portuguesa, não sei dizer porquê. Mas acho que tem a ver com o meu pai, pois ele viajou para o Brasil no final dos anos 60 e eu cresci com a sua colecção de discos de músicos como Chico Buarque, Milton de Nascimento, e outros grandes nomes da música brasileira. Quis entender o que eles cantavam e foi aí que decidi aprender a língua portuguesa.

Fui para o Rio de Janeiro durante a formação para um intercâmbio e apaixonei-me pelo idioma. Logo que terminei a faculdade desloquei-me para o Timor-Leste, e fui activista pela independência.

Tive a ideia de que a minha noção de luta foi simpli ficada, foi algo do bem contra o mal, eu queria ver a realidade, e todo mundo sabe que a realidade é mais complexa.

@V – Quando começou a “blogar” e a interessar-se pelas redes sociais?

JG – Quando cheguei a Timor-Leste, a estrutura de comunicação já estava destruída pelos indonésios. Então, foi a partir daí que comecei a escrever um blog, numa espécie de carta para os meus amigos, minha família e o resto do mundo. Na época, os blogs ainda não eram populares e, na verdade, foi em 2001 que iniciei a “blogar”.

Publicava tudo, como se estivesse a mandar e-mails para todos. Não queria mandar um e-mail para uma lista in finita a contar o que se estava a passar. Escrevia em casa e levava numa disquete para o serviço onde tinha Internet mais rápida. Nunca me interessei tanto pelo Facebook, achei o Twitter mais interessante.

No início não entendi para que servia, mas depois percebi que é uma rede de pessoas com interesses em comum que partilham informações, e comecei a criar uma rede de contactos importantes para o meu trabalho.

@V – Como é que se junta à comunidade de blogueiros, Global Voices?

JG – Juntei-me há três anos, através do meu blog que fui escrevendo, apesar de ter deixado Timor-Leste. Tudo começou com um convite que recebi de Sara Moreira, a editora do Global Voices em português, para fazer parte desta rede internacional de blogueiros e gostei da ideia, até porque gosto de escrever sobre as coisas que interessam a mim e ao mundo.

@V – Qual é a sua opinião em relação à participação feminina nas redes sociais?

JG – A nível dos países desenvolvidos há cada vez mais mulheres a destacarem-se nas redes sociais, escrevendo sobre diversos assuntos, desde questões socioculturais, passando pela moda e até políticas.

Mas o mesmo não acontece nos países em desenvolvimento onde esta camada da população tem acesso limitado às novas ferramentas de comunicação.

E, em Moçambique, por exemplo, pude notar que há certa desconfiança da presença feminina na Internet. Na verdade, elas são excluídas em tudo, e não somente na esfera online. Na minha modesta opinião, a luta contra o analfabetismo devia começar pela inclusão da mulher no espaço online.

@V – Considera-se feminista?

JG – Não levo muitas bandeiras, mas é óbvio que luto pelos direitos das mulheres. Quero puxar pelas vozes femininas. Sou feminista se isso signi fica lutar pela igualdade. Há regimes que oprimem as mulheres, e temos de lutar contra eles. Na verdade, nunca me fascinei pelas lutas políticas de identidade. Sempre procurei entender, estudar e estar ao lado dos outros, não sei porquê.

Diria que não sei como é o caso das raparigas moçambicanas, mas nos Estados Unidos uma menina inteligente e com opinião própria sofre bastante porque ainda prevalecem ideias muito machistas e anti-intelectuais.

E eu passei por isso durante a minha adolescência. Quando entrei na faculdade, senti uma espécie de alívio, pois estava rodeada de outras mulheres inteligentes. Não procurei propriamente lutar pelas mulheres, interessei- me pelos outros e é por isso que me envolvi na luta dos timorenses porque tinha a ver com as políticas injustas do meu país.

@V – A participação dos países lusófonos no espaço online é forte?

JG – Não creio muito que seja. Mas os brasileiros são apaixonados por tudo o que tem a ver com as redes sociais. São blogueiros e fazem muito em termos de expressão, embora tenham as suas falhas, uma vez que as corporações conduzem muito o tráfego, ou seja, controlam a atenção dos internautas. Enquanto em Moçambique a bloguesfera está, podemos por assim dizer, morta, mas as pessoas participam nos debates no Facebook.

Em Angola, com este movimento de protesto dos jovens, estamos a ver cada vez mais o uso das redes sociais e ferramentas online. Na Guiné-Bissau, o acesso é muito limitado, mas tem a ver com as condições de infra-estruturas. Em Cabo Verde, não conheço a situação mas acredito que também não seja fácil.

Já em Timor-Leste a questão é a língua, eles falam quatro, e também é muito caro o uso da Internet. Em suma, tem a ver com a motivação e eu acho que há um desânimo nos moçambicanos, o que não se vê noutros países vizinhos.

@V – Quando não está a “blogar”, o que gosta de fazer?

JG – Gosto de ir ao cinema ver um bom filme, ler, conversa e cuidar do meu jardim. Além disso, adoro cozinhar, pois divido a casa com muita gente e aprendi a fazer todo o tipo de pratos, nomeadamente japoneses, brasileiros, italianos, entre outros.

Tenho muitos projectos e estou a criar outros, mantenho-me sempre ocupada. Sou uma pessoa muito activa. Gosto de jogar futebol mas, às vezes, não tenho tido tempo para fazer isso. Recentemente, para o meu bem-estar, comecei a fazer uma caminhada pelo quarteirão nas manhãs.

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