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Uma alternativa ao desemprego que não permite prosperidade

Em Moçambique, o desemprego afecta mais de 22% dos 23 milhões de habitantes e o grupo etário mais flagelado é o de 15 a 40 anos de idade, segundo os economistas e aqueles que se ocupam da estatística. Por um lado, eles estimam que, anualmente, cerca de 300 mil jovens procuram, sem sucesso, emprego formal e, por falta de alternativas, recorrem ao comércio informal. Por outro, calcula-se que o Instituto Nacional de Emprego e Formação Profissional (INEFP) coloca, em cada ano, menos de 10 mil jovens em diferentes sectores de trabalho (público e privado), num universo de mais de três milhões de “desocupados” espalhados pelo território moçambicano.

De acordo com os especialistas em estatística, nas zonas urbanas do país, “as taxas de desemprego estão acima de 40% e grande parte da população jovem vive do sector informal, uma vez que o mercado tem uma série de limitações para as pessoas não adultas e recém-formadas, mesmo em áreas técnico-profissionais”.

Enquanto isso, os analistas criticam, por sua vez, as apregoadas iniciativas de auto-emprego devido à falta de capital e conhecimento para a sua concretização. Aliás, alguns entendidos na matéria problematizam ainda o facto de as pessoas de pouca idade não terem “onde buscar recursos financeiros para materializar os seus projectos mesmo tendo conhecimento”, o que coloca os jovens numa situação de “condenados ao desemprego”.

Perante esta realidade que apoquenta a juventude moçambicana, o @Verdade visitou, na cidade de Nampula, os vendedores de caixas de papelão e de pneumáticos nas avenidas Paulo Napatima e do Trabalho, respectivamente, para saber como é que os comerciantes entraram para o negócio e até que ponto resolvem, através do mesmo, as suas dificuldades do dia-a-dia ou progridem na vida.

Ussene Mussa, de 19 anos de idade, natural da cidade de Nampula, vende pneus usados desde 2010. Disse-nos que os seus clientes são aqueles cidadãos cujas condições financeiras não permitem comprar um pneumático novo num estabelecimento comercial. Os fornecedores são os próprios automobilistas mas desconhece-se a proveniência desse material que tende a aumentar de número em diferentes lugares da urbe e do país.

Por vezes, fica-se uma semana sem se vender nada, mas quando há clientes o negócio compensa o esforço empreendido, pois um pneu adquirido a 500 meticais pode ser comercializado a 1.000 meticais, contra os 3.000 meticais que custa um pneumático obtido a 1.500 meticais. Esses valores são estipulados em função do tipo e do estado de conservação do produto em causa, por isso, por vezes, o comprador pede desconto e isso causa algum prejuízo.

Mussa vive com a esposa e é dos poucos jovens que a partir do dinheiro que ganham das suas actividades construiu uma casa própria, embora seja com base em material precário.

“Não consegui nada que sirva de lembrança”

Chinho Amade, de 23 anos de idade, também exerce o mesmo negócio. Em 2011, ele frequentava a 9ª classe mas foi coagido a deixar de estudar para fazer alguma coisa rentável para ajudar a sua família, uma vez que acabava de ser obrigado a contrair matrimónio com a sua namorada em virtude de a ter engravidado. Hoje, para além de ser casado, o jovem é pai de uma criança e reside em casa dos sogros.

O nosso interlocutor afirma que procurou um emprego formal mas não conseguiu, tendo a sua opção sido vender pneus usados. Contudo, queixa-se de estar a fazer um negócio que não rende o suficiente para alguém prosperar económica e socialmente, nem ter um domicílio próprio. Os montantes obtidos somente cobrem as despesas de alimentação, porém, com muito sacrifício.

Um dia, o vice-governador do Banco de Moçambique, António Pinto de Abreu, defendeu, num encontros de empresários decorrido na cidade da Matola, que o sector informal não resolve o problema de desemprego no país, porque as pessoas podem vender os seus produtos e serviços hoje e obter rendimentos, mas o mesmo pode não acontecer no futuro.

As palavras do segundo “homem mais forte” do Banco Central encaixam como uma luva na vida de Chinho Amade e de tantos outros jovens que, debaixo de um calor abrasante, da chuva e da tempestade, procuram, a todo o custo, satisfazer as necessidades dos seus dependentes.

“Com esta actividade não tenho como garantir um futuro melhor para os meus filhos porque até este momento ainda não consegui nada que sirva de lembrança do negócio que faço há dois anos. Todavia, não é a mesma coisa que estar de braços cruzados”.

Comerciantes estrangeiros invadem o “mercado”

Assane Momade, de 34 anos de idade, faz parte dos jovens que depois de concluírem a 12ª classe não conseguiram arranjar um emprego formal. Há três anos que ele vende pneus usados mas os rendimentos do seu negócio apenas chegam para comprar comida. A residência na qual mora foi deixada pelos pais já falecidos. “A minha filha frequenta a 5ª classe e comprar material escolar tem sido uma dor de cabeça. Não imagino quando ela estiver no ensino secundário, pois as despesas vão aumentar”.

Para além da falta de clientes, os vendedores informais de pneumáticos queixam-se da presença de cidadãos estrangeiros que de há uns tempos para cá têm estado a invadir as áreas de comércio descobertas por jovens de Nampula e praticam valores muito baixos: por exemplo, um pneu que devia custar 1.000 meticais é vendido a metade do preço e há uma concorrência desleal.

Venda de caixas também gera renda

Em Nampula, a luta pela sobrevivência é feita de diversas maneiras. Os jovens negoceiam igualmente caixas de papelão (usadas para empacotar e proteger diversos produtos) como forma de obter dinheiro, a par do que acontece na zona baixa da cidade de Maputo. Trata-se de uma actividade que tende a ser feito por muita gente e, apesar de se dizer pouco rentável, é exercido por quem realmente não mede esforços para se sacrificar.

Albino Américo, de 22 anos de idade, é natural do distrito de Monapo, de onde partiu para a cidade de Nampula a pedido da sua tia que, infelizmente, perdeu a vida. Devido ao desamparo, quando ainda criança, ele juntou-se, em 2003, a um grupo de amigos para vender caixas de papelão.

Na altura, o jovem tinha 10 anos de idade e recorda, com muita tristeza, que ele e os companheiros andavam de lixeira em lixeira, eram confundidos com marginais, à procura de recipiente usados para empacotar e proteger produtos.

Desde esse momento, tanto ele como os vendedores com quem há mais de 10 anos exerce a actividade em alusão não tiveram outra ocupação melhor. Porém, a luta por um futuro melhor persiste e, apesar de lhes faltar muita coisa, pelo menos conseguem sustentar as suas famílias.

Manuel Estêvão, de 25 anos de idade, foi abandonado pela mulher, tendo-o deixado com a responsabilidade de cuidar de duas filhas cujo sustento provém do comércio de caixas de papelão. Por dia, ele vende 30 unidades e os principais fornecedores são os armazenistas.

Os preços de compra desses recipientes variam de 15 a 30 meticais e os valores de revenda oscilam entre os 50 e 150 meticais, dependendo do tamanho e do estado de conservação.

Esses jovens, que não medem esforços para garantir um prato de comida nos seus lares, têm um aspecto em comum: o facto de grande parte deles ter desistido da instrução, alguns por falta de meios, outros por não conseguirem conciliar os estudos com o negócio, e outros ainda tiveram de optar entre ir à escola e vender alguma coisa para alimentar os seus dependentes.

Os que ainda desejam voltar aos bancos de um estabelecimento de ensino para aumentar os seus conhecimentos dizem que não têm meios financeiros para o efeito, o que torna os seus sonhos letra-morta.

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