Para continuarmos  a fazer jornalismo independente dos políticos e da vontade dos anunciantes o @Verdade passou a ter um preço.

Um salto nunca é suficientemente alto

Christian Louboutin, autor dos famosos sapatos de sola vermelha, fala do mais comum fetiche das mulheres. E não, não estamos a falar de sexo.

Nascido em Paris, em 1964, Christian Louboutin aprendeu o ofício com Charles Jourdan, Roger Vivier e Yves Saint Laurent, na década de 80, antes de lançar o seu negócio, em Paris, em 1991.

Hoje, conta-se entre os designers de sapatos femininos mais famosos e mais copiados de todos os tempos. Ninguém desenha sapatos de mulher tão fascinantes como ele. A sua marca registada é a sola vermelha. Nesta entrevista, explica-nos porque é que a altura do salto de um sapato é importante.

Vejo que hoje está a usar ténis. Costuma comprar muitos sapatos para si próprio?

Ah, sim. Tenho uma colecção enorme.

Enorme como?

Tenho cerca de 300, 400, acho eu. Antes de mais nada, nunca deito fora sapatos. Outra coisa: adoro sapatos novos. Entram numa categoria diferente logo que tiverem uma esfoladela, por mínima que seja. Continuo a gostar deles, mas já não é a mesma coisa.

Acha que os homens precisam de mais do que uns seis pares de sapatos?

Claro que não. Na prática, um homem precisa de dois pares de sapatos para a noite, dois pares de ténis, um par de mocassins, dois pares de botas e algo para a praia. Tudo o que ultrapassar isso é obsessivo.

Como o senhor?

Possivelmente. Também compro um grande número de gravatas, mesmo não gostando de as usar. Bem, eu gostaria de as usar, mas uma hora depois, no máximo, fico claustrofóbico. Adoro as cores, os tecidos, o toque, os padrões…

Diz-se que uma das suas clientes possuí mais de 600 pares de Louboutins.

Está a referir-se a Danielle Steel, a escritora americana de best-sellers? Isso tem de ser colocado em contexto: ela tem muitas filhas. Não os compra apenas para ela. Mas é verdade, é a minha melhor cliente. Voa para Paris com regularidade e compra tudo.

Um homem nunca faria isso. Porquê as mulheres?

Os homens têm um comportamento diferente a comprar. Compram sapatos para os usarem o mais tempo possível, limpam-nos, engraxam-nos com amor, consideram os sapatos um investimento. As mulheres não se preocupam com essas coisas. As mulheres definem a sua linguagem corporal através dos sapatos. Para os homens, os sapatos são meros acessórios. As mulheres a provarem sapatos jogam sempre com a aura sexual.

O que é que faz os saltos altos algo tão sexy?

O sapato em si é um fetiche erótico, mas uma mulher não tem de ser fetichista para gostar de saltos altos. O salto alto modela o corpo, desloca para a frente o centro de gravidade, o que faz com que o rabiosque fique espetado, ao esticar a coluna vertebral, o que, por sua vez, se reflecte a nível do peito. Os saltos transformam um corpo direito numa curva em S. Basta entrar numa sapataria e observar uma mulher a experimentar sapatos. Vai para a frente do espelho, e o seu primeiro olhar é para o corpo, para o rabo e para o peito, só depois para os sapatos.

Isso não explica porque é necessário possuir centenas deles.

As mulheres têm uma linguagem própria. Lembra-se daquele filme, “O Piano”, de Jane Campion? Um grande filme, certo? Mas, apesar disso, eu enquanto homem não consegui entender porque é que comovia tanto as mulheres.

Será que um homem pode mesmo entender uma mulher?

Só se viver com ela. Quando eu ainda atendia ao balcão na loja de Paris, as mulheres chegavam e diziam: “Eu sou a Imelda Marcos de Berlim”, “Eu sou a Imelda Marcos da Costa Oeste”, e assim por diante. O que me levava a pensar: “Porquê a Imelda Marcos?” É verdade que ela tinha mil pares de sapatos, mas era a mulher de um ditador. Fui então procurar artigos sobre ela em jornais e revistas. Em todos eles, ela era descrita como uma mulher desprezível, mas eram sempre escritos por homens. Portanto… Está a ver?

Não.

Era uma vítima fácil para os homens: eles desacreditavam a obsessão de uma mulher. Era um país pobre, um ditador, e depois havia aquela mulher que não tinha nada melhor para fazer do que coleccionar pilhas de sapatos. Parece que as mulheres são capazes de separar essas duas realidades. Elas só vêem uma mulher que é obcecada por sapatos, caso contrário não teria havido tantas Imeldas na minha loja. Os homens nunca vão entender isso inteiramente.

Mas o mais interessante é que quase todos os designers de sapatos importantes são homens: Roger Vivier, Manolo Blahnik, Pierre Hardy…

Isso tem algo a ver com outra coisa que descobri no mundo da moda: os homens, ao desenharem para as mulheres, pensam muito mais em abstracto do que as mulheres a desenharem para as mulheres. Os homens não são tão preconceituosos como as mulheres, que pensam constantemente: “Como será vestir isto? Como será a sensação sobre a pele? Será confortável?” Os homens não perdem tempo dessa forma e, por isso, conseguem mergulhar no seu mundo de fantasia estética. Talvez seja uma vantagem.

O salto alto foi sempre uma questão política no mundo real.

Nunca entendi porque é que os saltos altos e a feminilidade tiveram sempre uma conotação tão negativa e porque é que as mulheres foram consideradas estúpidas e ingénuas sempre que viveram a sua feminilidade. Para ser honesto, estou muito feliz por isso já não ser assim. Vi essa discussão estender-se por muitos anos: no início da década de 90, as mulheres de salto alto eram consideradas brinquedos, umas vezes castradas e outras poderosas. Felizmente que entretanto isso acabou. Tudo se tornou um pouco mais lúdico e menos dogmático. Hoje em dia ninguém usa salto alto para pertencer a um grupo, mas apenas porque o deseja a nível individual.

Muitas feministas ainda consideram que os saltos altos são sexistas, porque degradam a mulher e fazem dela um objecto sexual.

São principalmente feministas que ficaram agarradas às ideias dos anos 70. A geração de hoje sente-se diferente e aplaude pessoas como Lady Gaga, cujo força e poder se definem pela sua feminilidade. A Lady Gaga não tem nenhum problema em usar saltos altos. Os saltos altos não são meras expressões de moda. Podem também transmitir muita confi ança a uma mulher.

Como? Há um medo constante de cair.

Uma mulher pequena pode considerar o salto alto como o caminho para uma nova vida. Calça uns sapatos com saltos de 15 centímetros e aí vai ela! De repente, fica da minha altura. Isso muda imediatamente a comunicação e a visão do mundo, porque finalmente está ao nível dos olhos das outras pessoas.

Quando é que o “alto” se torna “demasiado alto”?

Isso é relativo. Há dez anos, onze centímetros eram demasiado altos. Hoje já não se considera assim. Depende de como vemos as coisas. Se fosse médico, diria: a partir de 11 centímetros podem ocorrer problemas de equilíbrio, porque o centro de gravidade se desloca para a frente. É realmente preciso fazer um esforço para lidar com isso. Como designer, digo: nunca é suficientemente alto.

Parece que o salto alto veio substituir a it-bag como símbolo mais importante da moda.

Isso acontece porque há uma grande dose de feminilidade num sapato de mulher. A bolsa é e será sempre um acessório. Uma mulher nua de saltos altos não parece antinatural. Não há nada de estranho nessa imagem. É uma imagem sensual. Pense nas fotografi as de Helmut Newton. Uma mulher nua de chapéu parece logo vestida, e uma de bolsa parece quase surrealista.

Qual é o equivalente do salto alto na moda masculina?

Em definitivo, não é a gravata. A única coisa que me vem à mente é talvez a voz. Envolve o homem e expressa a sua sensualidade. Honestamente, acho que não existe um equivalente.

Disse um dia que o que faz não é moda. O que é, então?

Nunca penso na roupa quando crio um sapato. Não me interessam os mecanismos da indústria da moda, mesmo dependendo deles. Há muita gente que sonha em fazer parte desta indústria. Eu nunca liguei a isso.

Estava mais interessado nas dançarinas, nas coristas dos teatros de variedades. Queria desenhar-lhes sapatos. Mas não seria suficientemente rentável a longo prazo. Vejo os meus sapatos como um joalheiro vê a sua jóia: feitos para a eternidade.

Cria cerca de 150 pares por estação. Como trabalha?

Não tenho rituais fixos, excepto o facto de me isolar por completo duas vezes por ano. Desenhar não é o problema, isso funciona sempre, mas preciso de duas semanas de solidão para reunir uma colecção.

Para onde vai?

Um lugar acolhedor para a colecção de Verão e um lugar frio para a colecção de Inverno. É mais fácil pensar em sapatos de Verão quando estão 34 graus lá fora.

Onde foi da última vez?

No Inverno passado fui para a minha casa no interior da Bretanha. Para a temporada de Verão costumo ir para o Egipto, onde também tenho uma casa. Desta vez fui para o Brasil, para a casa de um amigo.

Então, senta-se e depois? A inspiração começa a fluir?

Não preciso de esboços nem de fotografi as, se é isso que quer dizer. Vou para lá para me isolar. Mas é claro que me inspiro em experiências, fotografias, impressões. Conto apenas com o filtro que é a minha cabeça e a minha memória. Essa é a diferença entre inspiração e cópias. Não quer dizer que faça uma colecção Samba só porque estou no Brasil.

Tem um determinado tipo de mulher em mente ao desenhar?

Não, isso não funciona, em primeiro lugar porque nenhuma mulher é a mesma pessoa em todos os momentos. Uma pessoa interpreta sempre personagens diferentes. Cresci com quatro irmãs, mas a sensação é que eram quarenta.

Será que isso o ajudou a entender as mulheres?

Sem dúvida. As mulheres comportam-se de maneira diferente quando está presente um homem. Mas eu era ainda uma criança, enquanto as minhas irmãs já eram adolescentes. Elas nem sequer davam por mim. Era como um harém ou, melhor dito, como uma peça. Aprendi a ver como elas falavam e sobre o quê. Os meus ouvidos eram enormes.

O que aprendeu?

A não ter medo das mulheres. A não as ver como um enigma. As mulheres funcionam do mesmo modo que os homens. Os homens consideram sempre que as mulheres são um mistério. No entanto, em privado, as mulheres são igualmente brutais, perversas e carinhosas como os homens. Falam tão explicitamente sobre sexo como os homens, é quase cirúrgico.

Mas antes disse que os homens nunca conseguiam entender as mulheres…

Não totalmente, mas as mulheres não se comportam de maneira diferente dos homens. Apenas funcionam de maneira diferente.

Até que ponto foi importante a ideia da sola vermelha para a sua carreira?

Muito importante. Uma marca como esta cria ligações. É um código secreto. E as pessoas adoram pertencer a uma comunidade. No entanto, é sufi cientemente subtil para não ser importuno.

Diz-se que os Louboutins vivem quase para sempre. É esse o segredo?

Há certas coisas estruturais que faço de maneira diferente, mas isso permanecerá o meu segredo profissional. Só uma coisa: aprendi muito a trabalhar com as coristas. Por exemplo, como devem ser construídos sapatos de salto alto.

Como é a sua relação com Manolo Blahnik?

Conhecemo-nos há muito tempo, porém não somos chegados. Temos amigos comuns. Ele é um grande ser humano. E é um mestre quando se trata de sandálias.

Qual foi o par de sapatos mais extravagante que criou?

Foi para um cliente da Ásia. Não havia limite financeiro. Ele queria algo com rubis, portanto cravejei a sola de rubis – basicamente o sapato inteiro. Parecia uma enorme pedra preciosa. E avisei-o: estes sapatos irão destruir todo o tipo de soalhos. Mas ele limitou-se a dizer que os sapatos só seriam utilizados na cama.

Qual é a cor de sapatos realmente sexy?

A cor da pele, porque assim o sapato e o pé quase se fundem um no outro. Se só quiser comprar dois pares de sapatos, compre uns pretos e os outros cor de pele. E se ela, de saltos altos, ficar mais alta do que ele? E então? Nem imagina quantos homens acham que as mulheres mais altas são sensuais.

Há sapatos que não deixaria entrar na sua casa ou na loja?

Socas. São muito barulhentas e volumosas.

O salto alto não é realmente feito para o pé humano. A verdadeira beleza tem sempre que doer um pouco?

A sensação de dor é diferente em cada pessoa. Algo que pode parecer insuportável para um homem poderá ser apenas um obstáculo menor para uma mulher.

Um pouco de dor sempre nos faz lembrar como é importante manter a compostura. Pode apertar um pouco, mas o que é isso comparado com o prazer de caminhar pela vida de uma forma confiante e elegante? É como uma boa relação: também temos de aceitar certas coisas desagradáveis por causa do amor.

Dá-se demasiada importância ao conforto?

A ergonomia nunca me interessou. A diferença entre nós e os animais é que chegámos a um grau de evolução que não admite perder para a natureza e que procura como ideal a forma anatómica perfeita.

O que ajuda contra a dor?

Depende da mulher: se sentir dores constantes, ou se tiver bolhas nos pés, ou se tropeçar a toda a hora, então talvez deva pensar em manter-se longe desse tipo de calçado. Mas, se tiver mesmo vontade, vai acabar por descobrir uma maneira de lidar com os obstáculos. Nem que seja com vodka e água tónica.

Dantes, os pensos eram a arma de excelência, hoje diz-se que há mulheres que têm botox nos pés…

Prefiro carpaccio em voltado dedo – mas não o vermelho, que mancha, só o de vitela.

Facebook
Twitter
LinkedIn
Pinterest

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Related Posts