O impensável aconteceu dois dias antes do início da maior competição futebolística do continente: nas matas do Maiombe, o autocarro que transportava a selecção nacional de futebol do Togo pisara o solo de Cabinda não havia ainda dez quilómetros quando uma metralha proveniente do mato cerrado surpreendeu os seus ocupantes e a escolta de segurança angolana.
Durante 20 minutos – tempo que durou o ataque – viveu-se o terror em estado puro. Quando as armas se calaram contaram- se três mortos – o seleccionador adjunto, o responsável pela imprensa e o motorista – e nove feridos. O ataque foi imediatamente reivindicado pela FLEC/ PM (Frente de Libertação do Estado de Cabinda / Posição Militar). O seu líder, Rodrigues Mingas, exilado em Paris e a circular na Europa com passaporte português, apressou-se a lamentar a morte dos togoleses.
O certo é que estes foram as grandes vítimas de um conflito que, ao contrário do que o regime angolano pretende fazer crer, está longe de estar resolvido. A verdade, não nos iludamos, é que ao escolher Cabinda como uma das quatro cidades sede do CAN, Luanda pretendia única e exclusivamente fazer passar a mensagem de que, tal como no Cuango-Cugango ou no Huambo, tudo estava tranquilo e pacífico em Cabinda e que a existência de uma resistência armada com reivindicações independentistas só existia na propaganda anti-MPLA.
Mas o tiro saiu-lhe pela culatra e o excesso de confiança deitou tudo a perder. Ao seleccionar Cabinda como cidade-sede o Governo tinha a obrigação de garantir completamente a segurança daqueles 40 quilómetros percorridos pelo autocarro do Togo, sobretudo depois do líder independentista chamar a atenção da CAF para a possibilidade de ocorrências de acções deste tipo durante a competição. Todavia, atendendo ao que se tem passado em Cabinda desde 1975, mais se estranha a negligência do Governo angolano. Será que Luanda não tem consciência que não é bem-vinda em Cabinda?
Não é em vão que estão lá concentrados 40 mil soldados das FAA – o território, petróleo oblige, é o mais policiado do mundo existindo um militar para cada dez civis –, não é em vão que organizações internacionais de direitos humanos enchem milhares de páginas anualmente denunciando as constantes violações de direitos humanos; não é em vão que a Igreja Católica tem sido constantemente perseguida; não é em vão que aldeias inteiras têm sido arrasadas; não é em vão que todos os movimentos da população são controlados ao milímetro para evitar contactos com os independentistas.
O jornalista angolano Rafael Marques, um dos ódios de estimação de regime, disse-me, numa entrevista que me concedeu pouco antes da morte de Savimbi, que certos círculos condenavam os métodos utilizados pelos independentistas mas diante da brutalidade do Governo ele tinha dúvidas se estes teriam outra saída.
“O Governo em Cabinda é bruto, cruel. As FAA entram a matar. O território contribui com 65% do Orçamento Geral do Estado e só há pouco tempo teve o primeiro pólo universitário”, referiu. Imaginemos – é demasiado improvável, mas sonhar não custa – que os 300 mil cabindenses eram chamados a pronunciar-se em referendo sobre o estatuto do território e que uma das hipóteses colocadas era a independência total. Alguém tem dúvidas que o SIM (independência) venceria por larga maioria? Provavelmente uma maioria bem maior ainda do que independentistas alcançaram em Timor em Agosto de 1999. Atente-se nas receitas do petróleo de Cabinda – corresponde a 70% do que Angola, o maior produtor africano, produz.
Se estas fossem aplicadas no território Cabinda seria dos países mais ricos do mundo, mais até do que os pequenos Estados do Golfo como os EAU, o Qatar ou o Bahrein porque no seu território, ao contrário dos da península arábica, encontram-se concentradas outras riquezas. Mas voltando ao ouro negro. O exercício matemático é simples: a produção petrolífera de Cabinda no ano de 2008 atingiu os 70 mil barris/dia, número que se fosse distribuído equitativamente pelos seus 300 mil habitantes daria cerca de 2,3 baris por pessoa. Ou seja, a cada cabindense – se considerarmos o preço do barril a 75 USD (números de Dezembro do ano passado) – corresponderia 174,75 USD/dia! Isto só para falar das receitas petrolíferas.
Fora os diamantes, o ouro, as madeiras preciosas, os fosfatos e o urânio que também se podem encontrar, com mais ou menos abundância, no território. Quem é que não queria ser cidadão de um Estado como este? Seguramente, não tenho dúvidas, que se formariam bichas para adquirir a nacionalidade cabindense. Mas a realidade, essa, é bem cruel para os habitantes daqueles 7 283 km². Depois da paz assinada entre o Governo angolano e a FLEC (facção de Bento Bembe), em 2006, ficou estabelecido que 10% das receitas petrolíferas provenientes do território deveriam ser investidas no próprio mas até hoje essa percentagem está longe de ser atingida.
É certo que tem havido melhorias, sobretudo ao nível de estradas, escolas e outras infraestruturas – nunca o investimentos central foi tão grande – mas a população, em geral, continua à míngua. Efectivamente, desde a independência de Angola, em 1975, a relação entre Luanda e Cabinda faz lembrar a do chulo com a prostituta: sacar o máximo e dar o menos possível em troca.
Enquanto isso, as grandes empresas petrolíferas dos países ricos que ajudam a exaurir quotidianamente os recursos de Cabinda fazem o papel do polícia de giro conivente com o arranjinho entre o chulo e a prostituta.