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Um mercado nos trilhos

Um mercado nos trilhos

No bairro de Karrupeia, na cidade de Nampula, um mercado pouco comum cresce a olhos vistos ao longo da linha férrea, onde centenas de pessoas ganham o seu sustento vendendo diversos produtos de primeira necessidade.Durante o dia, o comércio não pára, a não ser para deixar o comboio passar.

O dia mal começou, mas um aglomerado de pessoas sobressai aos olhos de quem por lá circula. Aliás, os dias neste local começam bastante cedo. Falta pouco menos de um quarto para as seis horas da manhã. A azáfama dos que fazem dos trilhos um lugar de sobrevivência já se faz sentir com maior intensidade.

Escolher o melhor sítio para se instalar, arrumar e expor os produtos por cima dos carris, são as primeiras coisas que este grupo de homens, mulheres e até crianças fazem quando chegam ao local, depois de percorrerem longas distâncias.

Na sua maioria, provêm de diversos bairros limítrofes da cidade de Nampula e não só. E cruzam-se debaixo de um sol intenso para ganhar o sustento diário e, consequentemente, fomentar a economia e contribuir para o crescimento da urbe, ainda que informalmente.

O espaço não é somente um simples mercado. É também uma ‘escola’. “Foi neste lugar onde aprendi a ganhar a vida”, afirma Abibo Osório, de 21 anos, vendedor de tomate há aproximadamente três anos.

Mas, diga-se, neste local as lições e as regras são outras. Até porque são traçadas todos os dias, das 6h00 e sem hora para terminar, pela necessidade de sobrevivência. E também pelo curso da própria vida.

“Comecei por ser ajudante. Carregava mercadorias da minha tia de casa para o mercado e vice-versa, e ela pagava-me 300 meticais por mês. Mas hoje tenho o meu próprio negócio”, diz Abibo. Presentemente, o rendimento mensal melhorou. “Agora, por mês, em média, sou capaz de obter 1500 meticais”, garante.

Abibo Osório tem de percorrer pelo menos quatro quilómetros a pé até chegar ao mercado, o seu posto de trabalho. Faz esse percurso todos os dias, de segunda a domingo. Vive em Napipine e tem um agregado familiar constituído por cinco pessoas que dependem dele.

“As dificuldades são enormes, pois há falta de emprego e é por isso que optei por ter o meu próprio negócio. Compro tomate para revender”, conta. Adquire o produto quando chega o comboio proveniente do distrito de Cuamba, província de Niassa. Mas a sua ambição é fazer prosperar a sua actividade: “Quero vender outros produtos, além de tomate. Já estou a pensar em comercializar também, com ajuda da minha mulher, peixe e batata”.

Ao longo dos carris, o comércio tornou-se na solução para a debilidade financeira de muitas famílias. Aliás, diga-se, o mercado nos trilhos é o local onde os que não tiveram a sorte de nascer num berço com o mínimo de condições lutam pela sobrevivência.

No espaço, vende-se quase tudo, desde tomate e cebola, passando pelos vestuários e calçado, até aos acessórios de telemóvel. O mercado funciona diariamente a partir das primeiras horas do dia, às seis da manhã, e prolonga-se até às 21h00.

Durante o período da manhã, a movimentação de gente é intensa, devido à comercialização de peixe fresco. Quando a noite cai, o comércio aglutina-se no lado esquerdo da linha férrea e a agitação é maior. Na margem direita encontra-se uma paragem de autocarros interprovinciais e distritais.

Ninguém sabe ao certo quando e como o mercado surgiu.Mas os que fazem deste espaço o seu posto de trabalho garantem que há muitos anos buscam o sustento neste local. “Quando cá cheguei há pouco menos de quatro anos, o mercado já existia há pelo menos um ano e meio”, conta Carlos Amílcar, de 26 anos de idade, vendedor de naquele local.

Carlos é natural de Quelimane e está em Nampula a ganhar a vida. Faz da vendade roupa usada o seu ganha-pão há pouco mais de seis anos, quandoas condições de vida começaram a definhar tornando- -se insustentáveis.

Porém, as dificuldades financeiras por que passava foram alguns dos motivos que fizeram com que Carlos recorresse a este local. Ou seja, abraçou a actividade informal por causa da necessidade de sobrevivência lá para os primeiros meses de 2000. Mas a sua história começa quando, todos os dias, enfrentava a falta de alimentos para a sua família na terra natal.

“Abandonei a minha terra em busca de melhores condições de vida. Cheguei aqui sem dinheiro e sem nada. Contava apenas com a ajuda de um amigo. Passava por diversas partes da cidade e avistava vários jovens e miúdos da minha idade a exercer alguma actividade rentável e isso motivou-me”, afirma.

A urgência de ganhar dinheiro, de forma honesta, para ajudar na renda de casa levou-o a entrar neste mundo e, neste momento, não quer que lhe falem noutra actividade, até porque, comenta, as coisas que tem hoje resultaram do comércio. “Este é meu emprego e é com esta actividade que garanto o sustento da minha família, os meus filhos vão à escola e arrendo uma casa”, afirma.

Pai de um casal, Carlos vive maritalmente no bairro de Namutequeliua e orgulha-se do trabalho que faz. Interrompeu voluntariamente a 3ª classe, pois não tinha o que comer para poder ir à escola. Presentemente, dedica-se a um negócio que lhe garante uma renda mensal que varia entre 2500 e três mil meticais.

Neste mercado, nos trilhos, durante o dia, debaixo de um sol escaldante, há vidas pautadas por episódios inesperados lutando com dificuldades sem fim para terem o que comer no final do dia.

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