No mercado do Benfica há mais de 880 vendedores que fazem uso de bancas a ruírem. A demolição da parte frontal, para dar lugar à reabilitação e à ampliação da EN1, deixou o local à mercê dos amigos do alheio.
Para quem passa pela Estrada Nacional Número Um (N 1), o mercado do Benfica parece ocupar apenas as duas faixas laterais e um pouco do cruzamento que vai dar ao bairro Zona Verde. Porém, para quem penetra pelo bairro adentro, constata que a realidade é outra: o mercado de Benfica tem muitas ramificações e não se esgota nas faixas laterais da N 1. Hoje, é impossível dizer onde ele começa, e muito menos, onde termina.
Ao longo dos pouco mais de 200 metros, tanto de um lado como do outro, estão posicionados vendedores informais. Na verdade, são como margens que comprimem a estrada. São centenas de pessoas, desde vendedores a funcionários, de carteiristas a cobradores, de sapateiros a mecânicos de oficinas, também estas informais, situadas nas cercanias. O seu objectivo é um e único: ganhar a vida.
Refeições
Para quem trabalha nas imediações o mercado é um lugar apetecível pelos seus preços, considerados baixos. Este talvez seja o motivo por que, à hora do almoço, o local onde as senhoras confeccionam as refeições regista um movimento frenético. Regra geral, os pratos mais solicitados são os de 25 meticais, feitos, normalmente, à base de arroz ou farinha de milho acompanhados por caril de frango, couve ou peixe (carapau).
Evaristo Mula, de 33 anos de idade, mecânico, é um cliente assíduo. “Aqui a comida é barata”, diz. Na verdade, não é sempre que Mula compra o prato de 25 meticais como hoje. “Quando me safo nos biscates adquiro o de 80 meticais. É melhor”, conta.
No que diz respeito a condições sanitárias, o local deixa muito a desejar. Porém, não é isso que preocupa os clientes. Nota-se no seu à-vontade uma espécie de cumplicidade na pobreza.
Ou seja, ninguém liga a mínima às moscas que se aproveitam da distracção das vendedeiras para pousarem na comida. Aliás, embora seja competência da medicina, não é de todo descabido dizer que os clientes ganharam, ao longo dos anos, uma espécie de imunidade às doenças que estas transportam.
Um local onde tudo acontece
A escassos metros da EN1, mais para o lado da entrada principal do mercado, encontrámos uma pequena parcela constituída por cerca de 50 bancas que clamam por uma reabilitação. Numa parte, as vendedeiras improvisaram bancos de madeira, onde os clientes se sentam para passar as refeições.
Não menos preocupante é a precária cobertura de chapas de zinco das bancas – a qualquer altura o tecto pode desabar. Aliás, a nossa equipa de reportagem presenciou uma situação em que, de repente, algumas chapas, em avançado estado de degradação, ruíram. A sorte é que na banca onde o desabamento sucedeu ninguém estava presente, mas se lá estivesse um cliente o pior poderia ter acontecido.
Fazer pouca comida para evitar quebras
Júlia Mazive conta com 29 anos, é natural de Manjacaze, província de Gaza e mãe de três filhos. Em Janeiro deste ano decidiu enveredar pelo negócio das refeições no mercado Benfica, depois de, no ano passado, ter trabalhado como cozinheira durante a construção de uma das estâncias hoteleiras algures na praia da Costa do Sol, na cidade de Maputo.
“Quando pararam a construção do referido hotel, o meu negócio também parou. Mas, como queria dar continuidade, vim arranjar um espaço aqui neste mercado, embora seja uma banca que se encontra num avançado estado de degradação”, acrescenta.
Diariamente, esta jovem procura uma variedade de refeições para responder e satisfazer à procura, começando pelo guisado de vaca, peixe, estufado de peru, passando pelo fígado até as verduras. Esta gama variada de caris é normalmente acompanhada de xima ou arroz branco.
Devido à falta de clientes, e para não ter quebras, Júlia decidiu cozinhar diariamente dois quilogramas de arroz, uma quantidade que esgota no mesmo dia. “Nos primeiros dias, antes de eu saber da movimentação e da clientela, fazia muita comida e, para a minha infelicidade, não acabava”. Porém, “depois vi que saía em conta fazer pouca comida e assim evitar prejuízos”, comenta.
No entanto, a degradação das bancas afi gura-se como um grande problema para esta jovem. Aliás, a sua pequena banca tem um tecto de zinco esburacado e enferrujado e, quando chove a situação torna- -se mais grave.
“Esta banca fica submersa, as panelas não escapam à fúria das águas e o negócio fica ‘congelado’”, refere, para depois acrescentar que, por mais que os clientes apareçam, não existem condições de alojamento. Segundo a nossa interlocutora, a precariedade das bancas tem sido o principal factor que afugenta os clientes ou as pessoas que desejam passar alguma refeição naquele local.
Se para a Júlia acabar dois quilos de arroz é um problema, já para Adelina Cande a situação é diferente. “Consigo fazer diariamente entre 8 a 10 kg de arroz e felizmente tudo acaba no mesmo dia”. É exactamente por isso que esta senhora de 46 anos e mãe de seis filhos consegue fazer uma receita diária que ronda os 2000 meticais.
Na banca da dona Adelina o prato mais barato é o de peixe ou o de verdura, comercializado ao preço de 30 meticais, o de carne de vaca, que custa 40 meticais, é o mais caro. Aliás, para ela, estes são os pratos que os clientes mais consomem. “O intervalo que regista maior afl uência é o das 13 às 14 horas. Durante este tempo não se descansa, temos de os atender da forma mais rápida possível para que não levem muito tempo à espera”, comenta.
Um problema chamado… espaço
Belmira José*, residente no bairro Patrice Lumumba e mãe de dois fi lhos, disse que a falta de um espaço condigno para a confecção e venda de refeições é um grande problema e que o mesmo tira sono a todas as que se dedicam àquela actividade.
“Eu ocupei uma área de 1.5 metro quadrado, é um espaço muito pequeno, os clientes não dispõem de um lugar para se poderem sentar enquanto passam as refeições”, conta para depois ajuntar que, como não faz sentido que os clientes comam de pé, teve de ocupar uma parte do caminho que separa as bancas para improvisar os troncos de árvore e criar um assento, uma prática comum entre as vendedeiras de refeições naquela parcela que parece ter sido esquecida palas autoridades municipais.
“No ano passado sofri uma queimadura no braço, enquanto tentava tirar um fogão de um lado para o outro, porque não havia espaço para deixar fogões, panelas e bacias. A falta de um espaço cria condições para que este tipo de acidentes acorra”, lamenta.
Não obstante as difi culdades com que depara no seu negócio, a senhora disse que com o dinheiro da venda de refeições consegue suportar as despesas escolares dos seus filhos e fazer o rancho para a família. “Já comprei um terreno no município da Matola e, se tudo correr bem, até o próximo ano vou arrancar com as obras de construção da minha futura casa, fruto de um grande sacrifício”, congratula-se, visivelmente feliz com os ganhos alcançados.
Clientes sempre fiéis
Rachide Mondlane, de 23 anos, almoça nas bancas do mercado Benfi ca. “Venho para aqui porque, primeiro, preparam bem as refeições e, segundo, os preços são relativamente baixos. Com 50 meticais consigo passar uma refeição, tomar um refresco e até comprar uma laranja para uma pequena sobremesa”, comenta.
A despeito da boa refeição que as “mamanas” do Benfi ca preparam, o jovem marceneiro e residente em Inhagoia, lamenta o facto de as condições físicas das bancas serem precárias e desencorajadoras, pois quando chove “não temos espaço para sentar e, quando tal acontece, somos obrigados a mudar de `esquina´”, vamos às barracas e lá os preços não são muito acessíveis”, comenta.
Osias Chilaúle, de 29 anos de idade, vende roupa usada algures no mercado Benfica. Há 10 anos que almoça nas bancas daquele recinto. “Venho para aqui não pelo facto de praticarem preços baixos, mas porque estas senhoras fazem boa comida. Aliás, por ser um cliente assíduo, nos dias que não tenho dinheiro, elas aceitam dívidas”, acrescenta.
Durante a noite os malfeitores invadem as bancas Há anos que a dona Violeta Machanguane é vendedeira no mercado Benfica. Começou por comercializar vegetais (cebola, verduras e tomate). “Em 2002 decidi mudar de actividade e passar a confeccionar e vender refeições dentro do mesmo mercado. Sou mãe de 8 filhos e divorciada, é com o pouco dinheiro que consigo neste negócio que sustento os meus filhos, pago propinas e garanto a alimentação da minha família”, conta.
Violeta lamenta o facto de, durante a calada da noite, indivíduos desconhecidos se aproveitarem da falta de vedação na parte frontal do mercado para roubar os bens que as vendedeiras guardam nas portinhas ou armários improvisados junto às bancas.
“Diariamente somos vítimas de roubos. Os ladrões carregam panelas, pratos e outras coisas que deixamos aqui. A situação tornou-se crítica quando as barracas que fechavam a parte frontal do mercado, próximo à estrada, foram demolidas para dar lugar às obras de alargamento da estrada (EN1)”, conta violeta para depois acrescentar que para reverter o cenário é necessário que seja colocado um muro de vedação. Assim, os malfeitores terão pouco espaço de manobra.
Um imposto que em nada lhes beneficia
Os vendedores informais pagam diariamente uma taxa de sete meticais por cada banca. O que causa algum desconforto é que o valor em causa é cobrado pelos fiscais mesmo em casos de inactividade do vendedor.
“Fiquei uma semana sem comparecer ou vender no mercado, durante o mês passado. Para o meu espanto, quando voltei para continuar com o meu negócio, um montão de bilhetes esperava por mim. Os fiscais mandaram-me pagar 49 meticais, correspondentes aos sete dias em que me ausentei multiplicados por sete do preço de cada bilhete” lamenta uma das vendedeiras que acrescenta que, mesmo com as cobranças diárias que os fiscais do Conselho Municipal da Cidade de Maputo (CMCM) fazem, não é visível a aplicação das taxas.
As bancas continuam num avançado estado de degradação e clamam por uma reabilitação. O perigo está iminente nas bancas do mercado Benfica, a qualquer momento as chapas de zinco esburacadas e enferrujadas poderão desabar.
“O Conselho Municipal esqueceu-nos”
Por seu turno, a chefe da comissão dos vendedores, Neli Manala subscreve a reclamação dos vendedores. “Na verdade somos vítimas de assaltos durante a calada da noite neste mercado.
A situação piorou quando as barracas do lado da frente do mercado – que serviam de vedação – foram destruídas pelos “Bulldozers” da Administração Nacional de Estradas (ANE).
Agora estamos vulneráveis, por mais que aumentemos o número de guardas isso de nada valerá se não dispusermos de protecção física do nosso mercado”, aponta.
Num outro desenvolvimento, Neli avançou que, em relação ao elevado estado de degradação de algumas bancas, foi remetida uma carta ao Conselho Municipal com vista à solicitação de apoio para a reabilitação parcial do mercado, mas até agora ainda não houve resposta.
Entretanto, a fonte fez saber que, segundo o recenseamento realizado nos princípios deste ano, existem no mercado Benfica cerca de 880 vendedores. Este é apenas o universo de vendedores registados, há centenas de vendedores não registados.
Volvidos 35 anos, só agora é que estão a ser construídos os escritórios da direcção do mercado. Antigamente os serviços funcionavam num lugar improvisado e sem condições para o efeito.
“A questão da segurança é da inteira responsabilidade dos vendedores locais”, António Tovela, vereador de Mercados e Feiras
Por seu turno, o vereador de Mercados e Feiras do Conselho Municipal da Cidade de Maputo, António Tovela, disse que logo que forem concluídas as obras de alargamento da ENI, na zona que abrange o mercado Benfica, será colocada uma vedação, sendo que neste momento a Administração Nacional de Estradas (ANE) tem estado a fazer o levantamento da área que poderá ser afectada pelas obras e da extensão da própria vedação.
Tovela reconhece que, de facto, a falta de vedação do mercado tem criado um espaço de manobras para os malfeitores que, na calada da noite, invadem e retiram bens guardados nas portinhas junto às bancas. No que diz respeito às barracas demolidas para dar lugar às obras, a fonte assegurou-nos que os proprietários foram compensados e reassentados.
“Nós demos duas opções, onde os proprietários podiam escolher entre pagarmos em dinheiro ou construirmos uma outra barraca noutro sítio, como seja no mercado do Bagamoyo ou retalhista do Zimpeto, atrás do mercado grossista. É exactamente por isso que não tem havido muitas reclamações quanto às compensações pelas barracas destruídas”, acrescenta.
“O processo de remoção ou demolição das barracas vai continuar, em função do desenvolvimento das obras ora em curso e dos projectos que o Conselho Municipal tem na zona onde se encontra o mercado. Recentemente, concluímos um estudo para a construção de uma ponte que servirá de travessia dos peões. Aquele mercado está localizado numa zona muito estratégica, no cruzamento entre a entrada da zona verde e a EN1”, conta, para depois revelar que, com a construção da referida travessia aérea, poderá reduzir significativamente o índice de acidentes que ocorrem naquele entroncamento, não só entre viaturas, mas também envolvendo peões.
Tovela fez saber, “que sendo o mercado Benfica informal, a questão da segurança é da inteira responsabilidade dos vendedores locais. A comissão de vendedores tem de tirar 10 porcento da receita para o pagamento dos guardas.
No entanto, o Conselho Municipal vai passar a apoiar os mercados informais, desde o reforço da segurança até à construção de infra-estruturas, como bancas e escritórios da administração dos respectivos mercados.
O titular do pelouro de Mercados e Feiras avançou que os mercados podem ser classificados em informais e formais e as categorias podem ser A, B, C e D. Esta classificação é feita em função da capacidade e tipo de infra-estruturas.
“Portanto, o mercado do Benfica, porque surgiu a partir da vontade de um grupo de pessoas que arranjou aquele espaço para desenvolver as suas actividades comerciais, é do tipo informal e categoria C, pois as infra-estruturas são maioritariamente de material precário”, concluiu.