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Um artista que sintetiza a epopeia da nossa cultura

Hortêncio Langa está decepcionado com a cidade de Maputo

Na noite da passada sexta-feira, dia 25 de Março, Hortêncio Langa serviu a música a uma temperatura artisticamente quente, revelando todo o seu virtuosismo, além de levar o público a uma viagem única às profundas notas da Marrabenta. E o resultado foi a rendição de todos os espectadores que superlotaram o Centro Cultural Franco-Moçambicano.

Quando um artista do calibre de Hortêncio Langa sobe ao palco, o resultado não pode ser outro senão um verdadeiro espectáculo, donde as profundas notas da Marrabenta nos chegam aos ouvidos com muita intimidade.

Em duas horas e meia de show, diga-se, na última sexta-feira, o autor do eterno Alirhandzo apresentou um concerto honesto e assaz peculiar, até porque a sua voz de ouro aliada à qualidade de som e luz estiveram em constante harmonia. O contrário só pode dizer quem não esteve presente no Centro Cultural Franco-Moçambicano, onde, no último fim-desemana, ocorreram dois concertos consecutivos. O segundo a pedido do público.

Que Hortêncio Langa é um homem de mil faces, já é de senso comum. Mas também é sabido que para adjectivar as suas facetas são aplicadas muitas vezes veredictos favoráveis.

Diante de grandes nomes das artes moçambicanas, mesmo sem reivindicar o seu estatuto, pela forma mestra como Langa compõe e interpreta as suas canções, a música ganha uma nova dimensão – o estatuto de primeira das sete artes. Afinal, ela identifica o artista e, para apaziguar possíveis conflitos entre as suas artes, ele confidenciou- nos que “prefiro dizer que sou artista”.

Na noite quente de sexta-feira, as músicas de Hortêncio Langa, imediatamente, penetraramnos nas entranhas e no ego, engrandecendo, assim, a moçambicanidade e a existência cultural do país, decepando as dúvidas de que este artista é um trovador da música moçambicana.

Com “Teresa” a marcar o prelúdio do show, Langa e os seus convidados foram altamente ovacionados do princípio ao fim. Aliás, o contrário seria impossível, afinal, além da projecção de um vídeo contendo as fotos das suas criações visuais, o evento foi coroado por artistas que interpretam a verdadeira música e cultura autóctone moçambicana.

Alirhandzo

Em Alirhandzo – o mesmo que o amor, Hortêncio Langa coloca um ponto de ordem no Amor. Equiparando-o a uma semente que mesmo plantada em solo impróprio teima em germinar, dar flores e frutos, define o amor para o consenso dos moçambicanos. Estes, por sua vez, anuem em uníssono.

Pouco antes de findar o concerto, a noite de sexta-feira acabou por se revelar festiva por excelência, pois Hortêncio Langa e Stewart Sukuma, para a alegria de todos, interpretaram Alirandzo, qual tema lendário. Uma criação musical de Hortêncio que, tendo sido replicada por Stewart Sukuma, ganhou um novo fôlego e caiu na graça do público. O dueto marcou o ápice do concerto.

O grupo TP50 interpretou a “esteira de sonhos” e “favos de mel” dois temas musicais em Bossa Nova compostos por Hortêncio Langa. “Timidamente, muito timidamente, nós convidámos Hortêncio para tocar uma música connosco. Ele veio, sentou-se, ensinou-nos, tocou e na sua humildade nunca mais nos deixou. A música que nos ensina é de imensurável valor para nós. Mas muito mais do que isso, nós aprendemos do homem”, comentaram os integrantes do TP50.

“A riqueza de termos o Hortêncio connosco é muito mais que a riqueza da maestria musical. O Hortêncio cuja vida e atitude nos inspira e enriquece a nossa existência. O TP50 tem-no com o mestre. Por isso e por tudo, saravah”, acrescentaram.

Artes visuais prenhes de motivos africanos

Em “Processos Criativos e Arte de Hortêncio Langa”, evento que muito recentemente agendou a conversa dos amantes da arte, literatura e cultura moçambicana, Hortêncio Langa – o artista sexagenário –, além de se expor publicamente e “impor” as suas múltiplas facetas, em jeito de uma epopeia cultural, conseguiu resumir e, em uma semana, apresentar a sua produção artística e cultural das últimas quatro décadas. A satisfação foi geral.

No dia seguinte, 26 de Março, foi a vez de o Museu Nacional de Arte – qual catedral das artes visuais nacionais e não só – acolher um evento lendário.

Acompanhado por uma efémera e circunstancial actuação de Roberto Chitsondzo, que, além de interpretar o “Chibomba Xa Oliveira” – uma criação musical original de Hortêncio Langa -, considerou “um pai para todos nós, uma vez que nos tem acolhido sabiamente ao longo de todos os anos”.

Trata-se da primeira exposição individual de artes plásticas do Hortêncio Langa, em que o artista que se formou em Pintura Decorativa na Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque em 1971, resolveu reunir uma parte tanto dos seus trabalhos escolares, como as obras de pintura, desenho, gravura e colagem que foi produzida ao longo dos seus 40 anos de actividade artística.

Diante das obras, ricas de temas e motivos africanos, recordamo- nos de Silvano Santiago que prefaciou “O Amor essa Forma de Desconhecimento”, uma obra poética de Mafalda Leite, quando sobre a arte escreve “enfeita ou enfeitiça os olhos do leitor”.

É que de facto, repetindo uma mesma obra, empregando porém diferentes técnicas – muitas das quais tradicionais -, Hortêncio Langa consegue prender na tela a vista de um bom apreciador de arte.

Por exemplo, usando óleo sobre contraplacado na obra “Magaíza” – o mesmo que mineiro -, além de prestar homenagem ao seu tio que em tempos fora mineiro na vizinha África do Sul, Hortêncio Langa presta honra e tributo a milhares de moçambicanos que desde os períodos anteriores à Independência Nacional lutam pelo desenvolvimento nacional do solo pátrio.

Por outro lado, perante Magaíza ficamos com a impressão de que estamos defronte de uma obra que despoletará debates e que dela se irão desenvencilhar reflexões sobre o binómio de relações Moçambique – África de Sul. Basta recordar que, com a mesma intenção, e de forma poética, José Craveirinha, discutira o tema em “História do Magaíza Madevo”.

A obra “Magaíza”, este homem que devido à falta de trabalho na sua terra emigra para a África do Sul à procura de melhores condições de vida, é mais um clamor que se endereça aos governantes no sentido de criar mais postos de trabalho para os moçambicanos.

Refira-se então que em obras como “nhamussoro”, “o curandeiro”, e “a cabana da avó”, entre outras, em defesa da tradição e identidade da cultura nacional, Hortêncio Langa imortaliza e enaltece um pouco de tudo o que faz de nós genuinamente moçambicanos e africanos. Todavia, na sua lírica peculiar e habitual, o artista não deixa de dedicar amor às suas musas.

É por essa razão que a curadora da exposição “Processos Criativos e Arte de Hortêncio Langa”, Otília Aquino, considera que “Langa apresenta-nos um trabalho muito intimista nas suas telas” o que para Victor Sousa, outro curador, equivale a dizer que “são obras inéditas que eu, como artista plástico, nunca pensei que ele pudesse fazer”.

A embaixadora da Suíça em Moçambique, cuja instituição financiou a semana da celebração da vida e obra de Hortêncio Langa, encontra na amostra uma ocasião de “reflectir sobre o que passamos, vivemos e produzimos ao longo dos anos na área da arte e cultura”.

Enlevado com o discurso da embaixadora e, na sua humildade peculiar, Hortêncio Langa disse “espero receber críticas, sem nenhum constrangimento, pois isso irá motivar-me a trabalhar mais”.

Posto isto, partiu-se para a amostra, diante da qual até os mais cépticos abanaram a cabeça, reconhecendo o mérito do criador. A exposição que se chama “Processos Criativos e Arte de Hortêncio Langa” está alojada no Museu Nacional de Arte, em Maputo e pode ser visitada até 10 de Abril do ano em curso. Assim, homenageou-se Hortêncio Langa, um homem que por meio da arte sintetizou a epopeia da nossa cultura!

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