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Um actor (de teatro) à revelia…

Na sua família pratica-se o curandeirismo. A inflexibilidade da religião dos pais impõe-se contra a realização do seu sonho. Adora o teatro. Por muito tempo, praticou-o à revelia deles. Chama-se Age Padre.

A sua relação com o teatro iniciou-se de forma misteriosa, aos oito anos de idade. Na altura, os seus pais – Arnaldo Padre e Laquelia Muacopo – obrigavam-no a frequentar a madraça local, em Nampula, a fim de aprender o alcorão e a escrita árabe, o que, de certa forma, o ajudou a reduzir a timidez.

O petiz dedicava-se mais à madraça em detrimento da escola oficial, tanto que, em resultado do empenho, rapidamente, aperfeiçoou o seu domínio na escrita árabe. Nos fins-de-semana, sempre que se curandeirassem as pessoas, para além de tocar os batuques no ritual, Age Padre partilhava os seus conhecimentos com os tios curandeiros.

Entretanto, porque na religião islâmica tocar batuque é aharam – aquilo que é proibido – os pais, interessados na sua aprendizagem do islamismo, não eram a favor de que se ocupasse na referida actividade. Gradualmente, afastou- se do curandeirismo. Na religião islâmica tornou-se um bom recitador do alcorão, mas, a par disso, descobriu o seu talento em relação ao teatro.

Em 1996 Age Padre decide ingressar na Casa Velha que, na altura, funcionava no recinto do Museu Nacional de Etnologia. Ali, numa primeira fase, o jovem inscreveu-se no curso de artes plásticas.

Quando concluiu o nível básico do ensino secundário geral, optou por estudar numa escola técnica. Deslocou-se para o distrito de Ribáuè, onde se matriculou na Escola Agrária.

No lar da instituição fundou o Núcleo de Teatro, no qual organizava – aos fins-de-semana – eventos culturais em que se exibiam peças de teatro para a comunidade académica. Nalgumas vezes, o seu grupo exibia-se nos bairros, cobrando os ingressos aos shows. O valor monetário que daí advinha custeava algumas despesas na escola.

Com a dinâmica da vida estudantil, sobretudo do lar, formalizou-se o grupo de teatro que passou a constituir-se na principal colectividade artístico-cultural da escola, realizando as suas actividades naquele recinto aos fins-de-semana.

De acordo com Age Padre, as peças teatrais que apresentavam atraíam muitos espectadores que – além de aprovar o grupo – não paravam de demandá-las. É aí onde se encontra a sua grande motivação para que, pelo teatro, lutasse contra tudo e todos.

Em 2000, Age Padre retorna à cidade de Nampula com o intuito de trabalhar com pessoas desfavorecidas e vulneráveis. Integra-se na Cruz Vermelha de Moçambique, onde se torna activista da área social e da Saúde.

Porque a Cruz Vermelha de Moçambique, em Nampula, possuía uma colectividade de teatro, denominada “10 de Outubro”, a integração de Age Padre foi rápida. Participou em criações teatrais, cujo objectivo era sensibilizar e mobilizar as pessoas em relação às acções de solidariedade mútua. Mais adiante, Age Padre filiou-se no Grupo Teatro Axinene, do Conselho Municipal da Cidade de Nampula.

Ao serviço do Conselho Municipal, Age Padre participou na obra “Não pise o pneu” – uma crítica social a alguns comportamentos da Polícia da República de Moçambique na sua relação com os cidadãos. Em 2006, por intermédio dos Palhaços Sem Fronteira da Espanha, o artista muda a forma de apresentar as peças teatrais. Estes tinham a obrigação de apresentar as obras com uma indumentária diferente – típica de palhaços. Foi nessa época que se assinalou o seu retorno à Associação Casa Velha.

Com os Palhaços Sem Fronteira teve a oportunidade de trabalhar em vários projectos como actor e monitor de teatro. Age Padre formou alguns jovens da Penitenciária Industrial de Nampula, da Cadeia Civil, do Centro de Refugiados de Marratane e do Infantário Provincial de Nampula.

O objectivo dos cursos não era apenas dotar os formandos de conhecimentos sobre o teatro, mas instigar, entre os reclusos, refugiados de guerra, incluindo as crianças que se encontravam nos orfanatos, uma relação de harmonia e cordialidade.

Como resultado do impacto social do projecto – nos grupos beneficiários – a Associação Nivenye, fundada por pessoas infectadas com o vírus de HIV/SIDA, decidiu implementá-lo para apoiar os seus agremiados.

“O meu sonho foi sempre ser um grande fazedor de teatro. Por esta razão procurei integrar-me nos grupos de teatro mesmo que os meus pais fossem contra a minha vontade”, considera Age Padre ao mesmo tempo que acrescenta que em 2011 participou numa formação do ramo, com enfoque para a educação promovida pela Rede das Associações Henuique de Maputo.

Depois da sua passagem pela Associação Nivenye, algo bem-sucedido, Age Padre teve a oportunidade de fazer parte de muitos outros eventos do ramo.

Nos dias actuais, Age Padre possui uma associação cultural de teatro. Lamenta, porém, o facto de em Nampula as pessoas não comparecerem nas actuações. O outro aspecto é que – com o interesse das Organizações Não-Governamentais no teatro – as colectividades só produzem obras encomendadas, em função dos interesses do financiador.

A dinâmica actual obriga os fazedores de teatro a procurarem novas formas de ganhar o seu pão, fazendo peças voltadas para as comunidades e não para os palcos.

A falta de anfiteatros – ou salas de teatro – na província de Nampula é outro factor que impele os fazedores das artes dramáticas a recorrerem mais ao teatro comunitário, para resolver problemas locais. Por isso, “é preocupante que uma cidade destas não tenha um anfiteatro para a apresentação de obras de teatro nos fins-de-semana”, lamenta.

Fui impedido

Age afirma que os seus pais sempre o proibiram de realizar qualquer tipo de arte, incluindo o teatro. De qualquer forma, convenceu-os, através de uma peça teatral que apresentou em certa ocasião no salão nobre do Conselho Municipal da Cidade de Nampula, que se chamava “A Secretaria”.

A obra serviu para ilustrar – como se recorda o autor – a maneira cruel como os directores e os chefes abusam das suas secretárias. Foi a partir desse dia que os pais descobriram o talento do seu filho tendo-lhe pedido desculpas em relação às barreiras que vinham colocando durante muitos anos. Ou seja, “a partir daí eles resolveram apoiar-me no trabalho que faço em relação ao teatro”.

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